Era uma vez um rei chamado Estevão e sua esposa, a rainha, se chamava Maria. Eles tinham uma filha, a princesa Sofia. Os três viviam felizes no seu palácio. A rainha Maria tinha um cuidado muito especial com os jardins do palácio. Ela havia plantado ali flores de todos os lugares do reino, e como as pessoas sabiam que a rainha gostava tanto de flores, sempre lhe traziam alguma semente de uma planta ainda desconhecida ou de uma flor de cor ou aspecto especial. A rainha tinha uma especial habilidade para cuidar dessas sementes ou dessas mudas. Sob seu cuidado e atenção, tudo que plantava florescia.
Em um lugar especial do jardim, ela havia plantado uma roseira que dava rosas vermelhas muito perfumadas. Todas as manhãs a rainha descia até o jardim, olhava se havia botões floridos naquela roseira e cortava um deles. Levava-o até seu quarto no palácio e antes mesmo que o rei Estevão acordasse, ela já havia deixado na mesinha ao lado da cama, em um pequeno vaso, aquele botão de rosa vermelha perfumado. Desse modo, todas as manhãs o rei despertava com o perfume da rosa que a rainha Maria havia colhido para ele.
A vida deles era muito feliz. O rei era muito dedicado a todas as obrigações e cuidados com o reino e com o bem-estar do seu povo. A rainha se dedicava com todo amor e carinho à educação da princesa Sofia e ao cuidado do jardim. A jovem princesa acompanhava sua mãe pelo jardim e apesar de ser muito jovem, ia aos poucos aprendendo o amor e a dedicação que eram necessários para cuidar das plantas.
Um dia, sem que ninguém soubesse nem como nem porquê, a rainha adoeceu. Teve uma febre que nenhum remédio do mundo conseguia fazer ceder. Os médicos do palácio foram chamados, mas nenhum deles encontrou o remédio que pudesse curar a rainha. A febre ia se elevando, a rainha não se alimentava, não tinha vontade pra nada, permanecia todo o tempo na cama. Em pouquíssimo tempo, a rainha veio a falecer. O rei ficou muito triste. Todos ficaram tristes no reino e a jovem princesa Sofia ficou mais triste ainda pela morte de sua mãe.
O rei ficou muito abalado com a morte da rainha. Cada vez que olhava da janela do palácio para o jardim, sentia uma dor profunda no coração, pois se lembrava da sua esposa. “Quem desceria todas as manhãs até lá e colher uma rosa para mim?”, pensava. Mesmo que algum servente fizesse isso, não significaria o mesmo. A antiga alegria de acordar com a rosa perfumada do lado da sua cama, sabendo que tinha sido a rainha Maria que a trouxera, isto ninguém poderia substituir. O simples fato de olhar pela janela da torre do palácio para o jardim florido, deixava o rei ainda mais decepcionado e triste. Para não sentir tamanha tristeza, o rei mandou seus jardineiros e seus serventes irem até o jardim e arrancarem todas as flores que havia, ordenou que retirassem tudo, não deixassem uma única plantinha, ele não queria mais ver flores.
Os jardineiros, muito tristes e conturbados, tiveram que obedecer: “como era possível destruir um jardim tão maravilhoso?”. Mas o rei dizia: “Cada uma dessas flores e dessas plantas me faz lembrar a minha esposa e eu me sinto triste, por isso; arranquem tudo!”. O próprio rei caminhava entre os canteiros onde os jardineiros com suas enxadas, suas tesouras e seus facões arrancavam e cortavam tudo. Ao chegar próximo ao local onde estava plantada a roseira vermelha perfumada o rei disse: “a roseira não arranquem, deixem-na aí, o restante pode retirar” e assim o fizeram. Naquele momento os serventes e os jardineiros pensaram: “Uma coisa é boa: pelo menos a roseira vai florescer! O rei permitiu que ela continuasse no jardim, assim nós vamos ter esta alegria ao nos lembramos da rainha”. Contudo o rei tinha pensado outra coisa: ele não tivera coragem de mandar arrancar aquela roseira especial, mas quando diariamente descia bem cedo até o jardim observava se havia algum botão nascendo. Se encontrava algum, ele o cortava e jogava na terra. Não deixava que botão algum crescesse e florescesse. Depois de um tempo, havia na roseira somente folhas e espinhos, ela nunca dava flor, porque quando começava a brotar um pequeno botão, o rei o cortava.
A vida no reino começou a mudar… Antigamente o rei era bondoso, alegre e sempre disposto a pensar na felicidade de seu povo, após a morte da rainha, o rei começou a ficar mal-humorado e triste. Nem mesmo a princesa conseguia alegrar o rei, ao contrário, ele pediu que deixassem a menina longe dele, porque a menina lhe trazia lembranças da falecida rainha.
O tempo foi passando. Aconteceu, certa vez, que o rei teve que sair do palácio para tratar algum assunto do reino. Durante a jornada, ele percebeu que nas aldeias havia pequenos jardins na frente ou ao lado das casas. Conturbado com aquela visão, o rei deu ordem aos seus soldados que pisoteassem todas as flores e arrancassem todas as plantas. Depois de um tempo, ele mandou divulgar uma lei no reino: “Fica proibido, de agora em diante, que qualquer pessoa cultive flores em seu jardim”. Ele dizia: “Não quero que ninguém tenha flores. Não existem flores em meu jardim e não vai haver flores nesse reino, as flores me lembram a rainha e eu não quero ficar ainda mais triste”. As pessoas ficaram muito chocadas com aquela notícia, mas era ordem do rei e todos tinham que obedecer. De tempos em tempos o rei mandava seus soldados visitarem as aldeias para ver se alguém estava burlando a lei e deixando crescer alguma plantinha que florescesse, e se isto acontecesse, os soldados tinham ordem para arrancar aquela planta para que ela não desse flor.
Pode-se imaginar que com o tempo o reino, que antes era feliz e alegre, começou a ficar triste. As flores trazem tanta alegria à vida e o simples fato de haver a proibição de plantá-las deixava as pessoas tristes.
A princesa Sofia cresceu e se tornou uma jovem. Algumas vezes ela havia tentado pedir ao rei: “Pai, por favor, deixa-nos plantar de novo flores em nosso jardim, eu vou cuidar delas como a mamãe cuidou, eu vou deixar tudo bonito e você vai se alegrar. Você não percebeu como as pessoas do nosso reino estão tristes. Ninguém pode plantar flores, isso é muito triste para todos”. “De forma nenhuma minha filha”, disse o rei, “eu gosto muito de você, mas esse desejo eu não posso atender”. A princesa, porém, insistia: “Mas papai, todos os anos acontece a festa da páscoa. Você se lembra como se festejava a festa da páscoa quando eu era bem pequenina? Havia tantas flores nessa época e as crianças faziam coroas com flores e festejavam aqui, na grande praça em frente ao palácio. Eu gostava de ver da janela do meu quarto. Agora quase ninguém aparece por aqui, as pessoas andam tristes, faltam as flores, faltam suas cores e o perfume que elas deixam no ar. Não é a mesma coisa festejar a páscoa sem as flores papai. Pode nos deixar, por favor, pelo menos uma vez ao ano plantar algumas florezinhas para fazer as coroas de flores das crianças e que elas possam vir aqui, na frente do palácio, cantar e festejar a páscoa como antes?”. O rei se mantinha firme: “Não”, dizia, “não quero nada que me recorde o passado, eu me lembro da sua mãe, a rainha Maria, e fico triste por causa disso”.
Ninguém conseguia convencer o rei.
Um dia, para a tristeza do rei, a princesa Sofia começou a ficar doente. Aquela febre desconhecida, que havia levado a vida de sua mãe, também acometeu a jovem princesa. Ela permanecia todo o tempo em sua cama, não queria se alimentar, não tinha apetite, não tinha forças nem vontade para nada. Os médicos do palácio, como das outras vezes, utilizaram todos os remédios, mas ainda assim não havia nada que curasse a princesa. Ela estava enfraquecendo dia após dia, falava muito pouco e não comia quase nada. Neste momento, o rei ficou realmente desesperado, ele já havia perdido sua esposa, e agora sua filha corria risco de vida também? Era insuportável pensar em tudo isso. Durante as noites, o rei, de tanta tristeza no coração, já não conseguia dormir direito.
Em uma dessas noites de insônia, o rei caminhando às escuras de um lado para o outro no palácio, ouviu algo que parecia o vento soprando. Prestou atenção naquele ruído. Era como se o vento carregasse uma voz: “As flores, as flores”… Ele foi andando pelos corredores em direção de onde vinha a voz e encontrou uma porta aberta que dava para o jardim, chegando lá gritou: “Quem está aí? Quem está gemendo?”. Ninguém estava lá, tudo estava silencioso, o jardim estava abandonado, nos canteiros havia somente terra seca porque ninguém cuidava deles. A roseira no centro tinha apenas folhas e espinhos, mais nada. Então o rei pensou: “Eu devo ter imaginado”.
Na noite seguinte, sem sono, o rei caminhava pelos corredores escuros do palácio quando ouviu outra vez aquela voz: “As flores, as flores”… “Quem está aí?”, gritou o rei. Correu de um lado para o outro. Desta vez não havia nenhuma porta aberta, o som havia surgido de dentro do palácio. “Será que veio de dentro da minha cabeça? Será que estou ouvindo vozes?”, pensou o rei. Assim ocorreu por várias noites, ele sempre ouvia a voz que clamava: “As flores, as flores”…
O rei que já não conseguia dormir direito, estava mais aborrecido do que nunca e seu humor havia piorado. De tempos em tempos ia visitar a sua filha para ver como ela estava. Uma vez, depois de várias noites maldormidas, ele sentou-se ao lado da cama e disse: “Sofia, minha querida, como você está? O que eu posso fazer para lhe agradar?”.
A princesa Sofia abriu os olhos e disse: “Papai, a páscoa está chegando. Eu queria ver as crianças com as coroas de flores”.
O rei não falou nada, algumas lágrimas rolaram dos seus olhos. Ele se levantou. Dentro do coração ele dizia para si mesmo: “Minha filha quer que eu permita às pessoas plantarem flores, faltam ainda alguns meses para a páscoa… mas eu não posso fazer isso, não quero mais flores nesse reino, está proibido, de modo algum permitirei”.
A partir deste dia o rei lutava internamente com a dúvida: “Será que isso pode ajudar a salvar minha filha? Mas, eu não quero sofrer mais, lembrando da rainha Maria.” Ele não sabia o que fazer. Por um lado, no fundo do coração, queria atender à princesa Sofia, mas de outro, ele sabia que se visse as flores e sentisse o seu perfume, ele iria ter muito mais saudades da rainha Maria.
Numa noite, de tão cansado que estava por não haver dormido tantas noites, o rei Estevão conseguiu adormecer e teve um sonho. Sonhou que estava acordado, andando pelos corredores do castelo escuro. Ouvia a voz que era muito forte e clara e dizia: “As flores têm que voltar, as flores têm que voltar, as rosas têm que florir”. Ele caminhou em direção ao lugar de onde vinha aquela voz, andou por vários corredores, até que chegou – em seu sonho – a seu próprio quarto. A rainha Maria apareceu-lhe. Rei Estevão a viu, ficou muito alegre e lhe disse: “É você que está me chamando todas as noites? Você está me pedindo as flores?”. No sonho, a rainha Maria lhe respondeu: “Sim Estevão, sou eu. Você tem que permitir que as pessoas plantem as flores e você também deve falar aos jardineiros que plantem novamente as flores em meu jardim.” Um pouco confuso o rei disse: “Maria, se assim for, me lembrarei de você e vou ficar muito triste”. A rainha Maria retrucou: “Se você não quer me esquecer para sempre, deixe as flores florescerem, deixe nossa roseira produzir rosas. No princípio você vai achar que isso lhe causa dor, mas com o tempo você vai perceber que o perfume das flores e o seu colorido irão lhe trazer consolo. Então você sempre vai lembrar de mim com bons pensamentos. Deixe as flores voltarem, deixe a roseira florescer”.
Naquele instante o rei acordou do seu sonho e ficou pensativo: “Será isso mesmo? A minha filha pede as flores, a minha esposa em sonho diz que eu tenho que deixar as flores retornarem.” Nas horas restantes da noite o rei não conseguiu dormir. Ele esperou que chegassem as primeiras luzes do dia, e ao clarear, mandou chamar todos os jardineiros e todos os serventes do castelo e ordenou que replantassem todo o jardim, que buscassem as sementes que estavam guardadas. Ordenou ainda que mensageiros cavalgassem pelo reino com rapidez e avisassem a todas as aldeias do país que a lei que proibia o cultivo das flores estava extinta. Todos poderiam plantar e semear novamente. Quando chegasse a festa de páscoa o rei e a princesa queriam ver outra vez a praça em frente ao castelo cheia de crianças alegres com suas lindas coroas de flores.
As pessoas do reino ficaram muito contentes, todos começaram a trabalhar em seus jardins, mas onde se trabalhava com maior afinco era nos jardins do palácio. Os jardineiros reviravam e revolviam a terra ressecada, colocavam adubo e esterco para que ficasse de novo bem afofada e bem cheia de vida; plantaram as sementes, plantaram novas mudas em todos os canteiros. Por sorte faltavam ainda algumas semanas para a páscoa, até lá haveria tempo para que algumas plantas conseguissem produzir suas primeiras flores naquele ano.
O rei fez questão de cuidar da roseira especial, aquela que não havia sido arrancada. A terra a sua volta estava endurecida e ressecada pois ninguém havia tratado muito bem dela naquele período, por este motivo, a roseira estava bem mirrada. O próprio rei Estevão foi até lá com suas ferramentas de jardinagem, começou a afofar a terra, colocou estrume, regou-a bem; enquanto trabalhava se distraiu e sua mão se aproximou tanto dos galhos que os espinhos feriram seus dedos, um deles começou a sangrar. Algumas gotas de sangue caíram na terra. Naquele instante, ao sentir dor, o rei recordou sua dor mais profunda e quase se arrependeu do que estava fazendo, mas a lembrança do sonho e da voz voltaram: “As flores, deixe as flores voltarem, deixe a roseira florir”. Então ele pensou: “O que é isso? Um pequeno ferimento não vai fazer mal a ninguém, vou continuar o meu trabalho”.
Trabalharam arduamente durante dias. A terra bem cuidada, bem adubada e bem regada fez com que as sementes germinassem e as primeiras plantas começaram a crescer. Passadas algumas semanas, surgiram os primeiros botões. A roseira também se recuperou, pois em poucos dias começaram a nascer de seus galhos mais delicados os primeiros botões. Quando a primeira rosa abriu, o rei Estevão a cortou e a levou ao quarto da princesa. Como sua esposa sempre fizera, ele a colocou num pequeno vaso ao lado da cabeceira da cama da jovem. Ao perceber o cheiro agradável da rosa, a princesa abriu os olhos, deu um sorriso e disse para o pai: “Que bom papai, você deixou as flores retornarem!”.
Daquele dia em diante a febre da princesa cessou, ela aceitou alimento e se recuperou. Em poucos dias, já caminhava pelo palácio. Descia todas as manhãs com o pai até o jardim para observar o que estava acontecendo ali, queria ver quais eram as flores que estavam prestes a abrir, que cores tinham e como era seu perfume. A roseira da rainha Maria floresceu como nunca havia florescido antes, estava repleta de botões de rosa. A cada manhã o rei escolhia um deles para colocar no quarto da princesa.
As famílias do reino também haviam conseguido renovar os seus jardins. Quando chegou a festa de páscoa, a praça em frente ao castelo ficou cheia de gente. Todas as crianças vieram com suas lindas coroas de flores, alegres e coloridas. O perfume das flores subia até a torre mais alta do castelo. Naquele ano a princesa decidiu descer para estar junto às crianças, cantar e dançar com elas. Ela fez para si uma coroa utilizando apenas as rosas da roseira vermelha perfumada, tantos foram os botões que floresceram.
Aquela páscoa foi inesquecível! O rei Estevão nunca mais pensou em proibir as flores no seu reino, porque as flores com suas cores e com o seu perfume sempre trazem alegria e felicidade!
A reflexão mencionada abaixo, não cabe contar às crianças, desejo apenas que ela sirva como intenção silenciosa do adulto.
O Nome Estevão, provém da palavra grega “stéphanos”, que traduzida quer dizer “coroa”. Tive a intenção, com a escolha dos nomes dos personagens, de embutir no conto de forma sutil, uma referência ao momento atual em que vivemos. “Corona” significa em latim “coroa”. No conto, aquele que porta a coroa, cujo nome significa coroa, é o principal responsável pela felicidade ou pela destruição de seu reino. Cabe ao portador da coroa, fazer a escolha certa. Para tanto precisa estar aberto a ouvir a voz que fala no silêncio de seu interior.
Sua filha, Sofia (que em grego significa “sabedoria”) lhe oferece ajuda para abrir a consciência e a alma. Que nós, que nos dias atuais vivemos sob a marca de outra “coroa/corona”, consigamos acessar a sabedoria que nos abre coração e mente, para que também em nossas escolhas prevaleça a beleza, a bondade e o bem-estar do próximo.
Renato Gomes