Reflexão para o domingo, 3 de maio de 2020
Referente ao pericópio João 15
O primeiro milagre de Jesus relatado por João aparece no segundo capítulo, na passagem conhecida como as “Bodas de Caná”. Ali aparece um problema:
“Eles não têm vinho!” (João 2,3)
Maria, mãe de Jesus, é a pessoa que lhe chama a atenção para o que está acontecendo. Mas, o que de fato está acontecendo? A falta de vinho pode ser aqui entendida como a falta do elemento que traz alegria à festa, que deixa as emoções fluírem com mais facilidade, que de certa maneira, favorece a aproximação e a confraternização entre as pessoas. Se ‘falta o vinho’, significa que algo no contexto social pode estar em risco de deixar de fluir bem, pode estar a ponto de estancar ou de estagnar. Todos conhecemos bem aqueles momentos em festas, em reuniões de pessoas, ou mesmo no trabalho ou na família, nos quais às vezes a conversa ‘estanca’, ou surge uma tensão ou problema que ‘paralisa’. Em momentos assim é nítido que o elemento cordial, produtivo e benéfico da conversa deixa de fluir, ou seja, em outras palavras: ‘terminou o vinho’. Se não aparece alguém mais inspirado para motivar o grupo e retomar o fluxo da festa ou da reunião, pode ser que os presentes silenciem, que se tornem mais introspectivos, que se isolem uns dos outros. Dependendo da situação, pode também surgir desarmonias ou desavenças e se passa de um diálogo para uma discussão. Neste caso também poderíamos dizer que ‘acabou o vinho’, pois o que começa a fluir tende a ter um gosto mais próximo do fel.
Poder-se-ia olhar para a atualidade e perguntar: Acabou o vinho? Algo no fluir da vida humana estancou? Na saúde, na educação, nas atividades laborais e econômicas, nas artes e no lazer, nas relações entre as pessoas de uma mesma família ou entre amigos, tudo, de repente, foi interrompido, nos isolamos, nos afastamos uns dos outros. Talvez a pandemia seja, não a causadora de tudo, mas o fator que colocou em evidência algo que há muito se percebia: vinha faltando o vinho fraterno nas relações humanas.
A vinda de Cristo ao mundo é para trazer de novo “vinho”, pois o que temos está se acabando. Mas este novo vinho surge de outra maneira: “Água foi vertida nas talhas de pedra” (João 2,6) para depois ser servida. Uma indicação que Seu Vinho, é mais sutil, flui, translúcido como a água, mas é percebido com agrado quando provado. O trecho que nos propomos meditar neste domingo, João 15, traz a última das sete frases de Cristo que se iniciam com as palavras: “Eu Sou”. Aproximando-se da culminação do evangelho, o Evangelista João nos apresenta neste capítulo a imagem que complementa o primeiro milagre descrito nas Bodas de Caná: “Eu Sou a videira verdadeira.” “Vós sois os ramos.”
Cristo almeja que força e impulsos espirituais possam ser vertidos na humanidade como um vinho novo, mas, para tanto, é necessário que encontre os ‘ramos’ por onde possam fluir, ramos que produzam frutos. Com estes frutos a humanidade poderá começar a suprir a falta do vinho da tradição, das forças naturais e espirituais que nos nutriram até o presente. Está cada vez mais claro para muitas pessoas, que para prosseguirmos numa direção evolutiva em nosso mundo é urgente encontrar o vinho novo, um novo caminho nos encontros humanos, na vida econômica, na relação com a natureza.
Este vinho não surgirá pronto, ele poderá surgir a partir de cada ser humano que queira se conectar com a videira primordial e verdadeira, e que assim aprenda a produzir a partir de si os frutos que serão colocados a disposição da coletividade humana. A pergunta mais urgente não é, portanto, em que momento a quarentena ou o isolamento social terminarão, mas se a partir da experiência de tudo que vivemos nos últimos tempos conseguiremos ser capazes de produzir frutos que possibilitarão, como vinho novo, a transformação positiva que a humanidade necessita.
Renato Gomes