Fé – Esperança – Amor

O significado espiritual das virtudes cristãs

Na primeira carta de Paulo aos Coríntios encontramos a frase muito conhecida: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor” (cap. 13, 13). Esta frase está num contexto maior. Vale a pena ler os capítulos 12 e 13. No capítulo 12 Paulo desenvolve a ideia do Cristo como o corpo e de nós, com os nossos distintos dons, como os membros desse corpo. No capítulo 13 temos a descrição do caminho do Amor que, no último versículo, chega à denominação das três virtudes:  fé, esperança e amor.

O que é fé?
Fé é uma expressão de um relacionamento. No idioma português temos a vantagem de termos duas palavras para o que, por exemplo, no idioma alemão só temos uma palavra. Temos fé e crença, e em alemão somente Glaube. Mas fé não é o mesmo que crença. Isto se torna muito claro quando dizemos que temos fé em alguém. Se uma pessoa está diante de um desafio e nós a conhecemos bem, sabemos das possibilidades que ela tem, podemos dizer que temos fé nessa pessoa, confiamos que ela vai conseguir superar o desafio. A fé é a expressão de um relacionamento que se enraíza num conhecimento, numa vivência de algo real. A partir dessa vivência podemos ter confiança em alguém ou em algo, termos fé. 
Todos nós temos fé. Não necessariamente num sentido religioso. Mas no sentido de vivenciar algo como real, ter um relacionamento com esta realidade, ter confiança, ter fé. Um dos níveis em que hoje em dia existe a maior fé é a confiança na técnica. Todos nós andamos de carro e confiamos nele. Provavelmente nem todos já viram qual é a espessura do eixo da roda de um carro. É realmente uma questão de confiança, acreditar que esses quatro eixos de metal podem nos dar alguma segurança quando viajamos a 120 km/h. E quanta fé na técnica é necessária para voarmos em um avião! No entanto, a experiência nos mostra que, quando ocorre um acidente, a nossa fé na técnica é abalada.
Outro nível em que hoje temos muita fé é com a ciência. No momento estamos vivenciando uma grande crise com o corona vírus. A grande maioria dos responsáveis políticos estão orientando suas decisões pela confiança na ciência, na medicina, nos virologistas. Poucos não se orientam pela opinião vigente da ciência e, quando isso ocorre, surge o conflito entre aqueles que tem fé na ciência e aqueles que não a tem. 
E obviamente existe também o nível religioso que, no Brasil com todos os movimentos religiosos que existem e surgiram nas últimas décadas, é muito grande. 
Com a fé podemos ver que existem dois problemas. O primeiro é realmente conhecer a diferença entre fé e crença. Crença é acreditar em algo que eu não tenho uma vivência. Apesar de não vivenciarmos esse algo passamos a acreditar nele de uma forma dogmática. A fé, como expressão de um relacionamento, tem que se basear numa vivência. O segundo problema que temos é o modo de pensar materialista que se difundiu na humanidade. E, desse ponto de vista, as vivências são aceitas apenas quando se relacionam com a matéria. O materialismo é uma crença, talvez a maior crença da nossa época: acreditar, por um dogma, que não existe nada além da matéria. Os relacionamentos, assim como a ciência, sempre têm algo a ver com fé e crença. Não que isso seja algo negativo. Temos que superar a crença pelo conhecimento, mas também temos que ter fé naquilo que conhecemos. Sem um relacionamento de fé com o conhecimento, este se mantém abstrato, teórico, não tem a força de mudar a nossa vida e nos transformar. Temos que desenvolver o conhecimento, acreditar naquilo que sabemos e não restringir a validade das vivências e do conhecimento ao âmbito material, ampliando o horizonte para o espiritual. A fé em algo transcendente, enraizada em vivências individuais, é necessária para a nossa alma. Sem uma fé que transcende o material a nossa alma enfraquece, se torna anêmica. A anemia espiritual não é algo que se nota de imediato, é algo que se torna, no decorrer das décadas, não um fato apenas individual, mas um fenômeno social. Tal ponto de vista pode nos ajudar a entender alguns fenômenos da nossa atualidade.

O que é amor?
Um ponto de vista de ver o amor é que se trata de uma força criadora. É a força original de toda a criação. Toda a criação do mundo tem sua origem numa fonte de amor, na força do amor Divino. A força do amor se torna a força positiva de sacrifício, que gera o calor, que cria a luz, que possibilita a vida, que se condensa em substância terrestre, em matéria. De um ponto de vista espiritual a matéria surge a partir da vida, e não o oposto. Tanto no Gênesis quanto no Prólogo do Evangelho de João podemos reconhecer estes passos.
Todos temos em nós a força do amor, assim como a força da fé. Desde o nascimento carregamos instintivamente a força do amor. Uma das formas mais básicas do amor está relacionada com a sexualidade, o instinto sexual. Este instinto sexual encontramos também no reino animal, e serve à necessidade de procriação. A possibilidade criadora do amor já começa com o instinto sexual. No nível humano elevamos as forças do amor ligadas com a sexualidade para além da procriação, as elevamos à possibilidade de criar um caminho de relacionamento anímico mais profundo entre duas pessoas. Uma outra forma rudimentar do amor, que também encontramos no reino animal, é o relacionamento afetivo entre pais e filhos. O amor materno e paterno tem um nível instintivo, mas que podemos elevar para um relacionamento individual e não necessariamente consanguíneo. E no nível humano temos também uma forma especial do direcionamento do instinto do amor que se revela em nosso relacionamento com coisas, com pertences, p.ex. com o dinheiro. Temos o dom de criarmos um relacionamento afetivo com coisas. Mas a meta do nosso desenvolvimento é elevar o instinto do amor para uma força consciente, em liberdade.
O problema que surge pela falta do amor é expresso de uma forma concentrada ao essencial no Ato Dominical para as crianças: „Sem o amor a nossa existência torna-se desolada e vazia“. Assim como o amor cria a vida, a falta do amor a destrói. Há vários séculos foi feito um experimento terrível para saber como bebês se desenvolveriam sem receber nenhuma forma de amor, somente sendo alimentados e cuidados, mas sem relacionamentos afetivos. Todos acabaram morrendo. Para podermos sobreviver é realmente necessário um mínimo de amor, não necessitamos para a vida somente alimentação e abrigo, necessitamos o alimento do amor. E não só a falta do amor impossibilita a vida, mas também a falta da possibilidade de dar amor destrói a própria vida. Pessoas que não conseguem desenvolver qualquer afeto por uma outra, que vivem numa atmosfera de insatisfação, negatividade, mágoa, rancor, talvez até de ódio, acabam destruindo a própria vitalidade.
O amor tem a possibilidade de criar vida, tanto biológica como anímica, e a falta do amor torna a nossa existência desolada e vazia. Assim como o materialismo impede que a alma se relacione com uma realidade espiritual, o egoísmo impede o desenvolvimento das forças do amor. Apesar do materialismo ter sido uma necessidade para que o nosso pensar pudesse se libertar dos dogmas, e de necessitarmos do egoísmo para que nos tornássemos verdadeiras individualidades, temos que, como individualidades livres, seguir um caminho de desenvolver as forças do amor e procurar o relacionamento com o espiritual. 

O que é a esperança?
O poeta tcheco Vaclav Havel a formulou assim: „Esperança não é a convicção de que tudo vai acabar bem, mas a certeza de algo tem um sentido independente do que acontecerá“. A esperança tem a ver com o sentimento de que algo tem um sentido. Assim como todos nós temos fé e amor, também temos esperança. Por exemplo, quando vamos dormir temos a esperança de que iremos acordar no próximo dia. Quase todas as pessoas têm essa esperança. Isso porque temos o sentimento que faz sentido continuar vivendo, faz sentido acordar no próximo dia. E quando na alma surge o sentimento de que não faz mais sentido viver, então perdemos o desejo de acordar, não faz mais sentido acordar, temos o desejo de morrer. A completa falta de esperança impediria qualquer futuro. E somente podemos ter a esperança em um futuro se nos é possível reconhecer que o que está acontecendo em nossa vida possui um sentido. Portanto, em todas as crises, tanto individuais e biográficas, quanto sociais, como esta crise que estamos vivendo com a pandemia, a grande tarefa é encontrar um sentido em tudo o que acontece. Não se trata de inventar um sentido teórico, isto não nos ajuda. O que necessitamos é realmente reconhecer qual é o sentido. 
A esperança pode também ser deturpada pelo materialismo e pelo egoísmo. Por exemplo, o que nos leva a ter a esperança de ganhar um prêmio na mega sena. Por que temos esta esperança? Temos muitas esperanças tingidas desta forma. Mas a substância essencial da esperança é a procura por um sentido na vida. Ganhamos a esperança quando reconhecemos esse sentido, e perdemos a esperança quando isto não nos é possível. 
Aqui temos um efeito mais sutil do materialismo. Pois se pensamos a ideia materialista do desenvolvimento de acordo com a teoria de Darwin vemos que tudo se desenvolve por mutações ao acaso e pela possibilidade de sobrevivência a partir de uma vantagem. Mas no acaso não existe um sentido, e a sobrevivência por uma vantagem é uma forma do egoísmo. Na ideia de uma vida que busca vantagens ao acaso não é possível encontrar um sentido. Poucas pessoas pensam assim conscientemente. Mas todos nós recebemos essas ideias já desde a infância na escola. Inconscientemente são como um veneno para a alma, pois dificultam muito encontrar um sentido para a vida, e de ter assim uma esperança para o futuro. 
Na Antroposofia podemos encontrar pontos de vistas espirituais que nos ajudarão ainda mais a aprofundar o tema. Rudolf Steiner coloca a fé, o amor e a esperança em uma relação com a nossa constituição humana. Estas três virtudes têm a ver com forças formadoras da nossa constituição, dos nossos corpos, no nível físico, etéreo e astral. Como corpo devemos entender aqui a denominação para algo que se emancipou do contexto mais amplo com o qual era uma unidade, assumiu uma forma, se individualizou e tem agora a possibilidade de se desenvolver de maneira independente. Isso nos é bem evidente com o nosso corpo físico, que faz parte da natureza, mas está separado dela, emancipado e se desenvolve independente, embora relacionado a ela. Assim também podemos pensar num corpo etéreo no âmbito da vida, e num corpo astral no âmbito da alma. Já o desenvolvimento acontece em três etapas. Na primeira algo se separa do todo, formando um corpo. Na segunda, a vida ao redor se espelha naquilo que se separou. Na terceira etapa, o que se separou já pode trilhar um desenvolvimento próprio, independente da origem, mas relacionado a ela. O processo arquetípico, que todos conhecemos e podemos reconhecer dessas três etapas, é a gestação e o parto de uma criança. Temos o organismo da mãe, dentro desse organismo se forma um corpo, o embrião, na placenta a vida em torno do embrião nele se espelha e, a partir do parto, ele se separa do corpo da mãe e pode então seguir um desenvolvimento independente. Temos assim este processo de gestação e nascimento em três níveis: no físico, no vital e no anímico. 
Vivenciamos a realidade do nosso corpo astral por meio dos sentimentos da nossa alma. Em nossa alma vivenciamos como que um dentro e um fora: nós estamos dentro de nós, e o mundo está fora de nós. Não estamos dentro do nosso corpo físico, estamos dentro da nossa alma. A natureza, e o nosso corpo físico que dela faz parte, vivenciamos fora de nós. A ponte entre o interior e o exterior é formada pelos órgãos dos sentidos. A partir dos órgãos dos sentidos vivenciamos o que não somos nós, o que está fora de nós. Essas vivências nos dão uma sensação do mundo e a nossa alma, o nosso corpo astral, responde a essas sensações com sentimentos. Pelas sensações e sentimentos entramos em um relacionamento com o mundo. Aquilo que vivenciamos pelos nossos órgãos dos sentidos vivenciamos como realidade. O nosso corpo astral nos dá a possibilidade de vivenciar o mundo, e a vivência do mundo nos dá o sentimento de realidade. E aquilo que vivenciamos como real, nele acreditamos, nele temos fé. Por isso a matéria nos oferece uma enorme força de convicção, pois a vivenciamos como algo real. Teoricamente existem filosofias que afirmam que matéria não existe. Mas isto contradiz todas as nossas vivências. Devido a essa possibilidade do corpo astral de nos proporcionar a vivência da realidade do mundo, podemos falar do corpo astral como o corpo da fé. Ele é formado pela força da fé, e nossa alma é permeada pela força da fé. Os perigos que temos neste âmbito são as ilusões e os erros. Podemos vivenciar como sendo real algo que não é real. Toda a técnica das mídias virtuais é baseada nessa ilusão. Por outro lado, podemos não vivenciar algo que é real. Podemos estar como que cegos ou surdos para muitas coisas. Temos, pelo corpo astral, a possibilidade de ter fé, e o perigo de termos ilusões e erros. 
A realidade do nosso corpo etérico vivenciamos pelo fato de estarmos vivos. Ele possibilita a vida. No corpo astral vivemos o momento, na vivência que temos em cada momento. A dimensão do tempo surge na alma pelo eu, que pode ter recordações e imaginar algo futuro. O corpo etérico está ligado aos processos de vida e tem a sua realidade no tempo. A cada momento a nossa vida revela um determinado estado na evolução de um ser. Se olhamos uma árvore temos sempre a imagem de um determinado estado da sua evolução naquele momento, mas no corpo etérico da árvore está o todo, o desenvolvimento da semente até o fruto, do brotar e do fenecer. E o corpo etérico tem a possibilidade de formar esse desenvolvimento de uma forma sadia, com a harmonia de cada parte com o todo, do órgão com o corpo. Esse desenvolvimento acontece se relacionando com a matéria. O corpo etérico recebe a matéria da natureza e a eleva num processo vital. Durante a nossa vida, nós ingerimos em média 120.000 quilos de alimentos, sem contar os líquidos que bebemos ou o ar que respiramos. É uma quantidade imensa de substância que é tomada da natureza e colocada num processo vital. Por essa possibilidade de colocar a matéria em processos vitais, de criar uma vida tendo a imagem do ser a cada momento e harmonizando as partes com o todo, podemos falar do corpo etérico como o corpo do amor. Ele é formado pelas forças do amor e permeia a nossa alma com esta força. 
A realidade do corpo físico vivenciamos no dia a dia, pois temos a possibilidade de percebê-lo com os nossos órgãos dos sentidos. Mas na realidade não vivenciamos o corpo físico, vivenciamos a substância, a matéria com a qual ele está preenchido. O corpo físico é, na sua essência, espiritual. São as forças físico espirituais que dão a possibilidade de formar um corpo no âmbito material. O corpo etérico é o que coloca no corpo físico a substância material e o faz visível, o faz ser uma realidade no espaço. O corpo etérico tem os processos que se desenvolvem no tempo, mas ao colocar as substâncias no corpo físico faz dele uma realidade no espaço. Isso nos dá a possibilidade de estarmos encarnados na Terra e de aprender, de podermos nos desenvolver. O nosso corpo físico é aquilo que temos de mais perfeito. Qualquer parte do nosso corpo está permeado de uma grande sabedoria divina. No corpo físico estamos o mais perto da nossa meta, de sermos imagem e semelhança de Deus. Não que Deus tenha a nossa forma e aparência exterior, mas que no físico temos a graça de estarmos muito próximos da sabedoria divina. A meta do nosso desenvolvimento é que nossa alma se aproxime sempre mais desta sabedoria divina, assim como nosso corpo físico já o é hoje. Que o nosso corpo físico já é assim, o temos como um presente que recebemos dos Deuses. Que a nossa alma se torne assim, é a tarefa que temos de conquistar pelo nosso próprio esforço. O nosso corpo físico nos mostra o sentido do nosso desenvolvimento e nos dá a possibilidade de aprender encarnados aqui e nos desenvolvermos nesta direção. Ele nos dá a possibilidade de que a nossa vida tenha um sentido. Não que o sentido esteja no físico material, mas que por meio dele tenhamos a possibilidade de aprender. Por isso podemos falar do corpo físico como o corpo da esperança. Ele é formado pela força da esperança e permeia nossa alma com essa força, com o impulso de procurar o sentido da nossa vida. 
As três virtudes cristãs, a fé, o amor e a esperança, fazem parte da nossa constituição. Todos nós temos estas forças, temos fé, amor e esperança. Elas estão ligadas com os três níveis da nossa encarnação: com o corpo astral, o corpo etérico e o corpo físico. Elas atuam no nível dos corpos inconscientemente em nós. A nossa tarefa é elevar estas forças a um nível consciente. O nosso corpo astral nos forma a base para desenvolver a força da fé na nossa alma. O nosso corpo etérico nos forma a base para desenvolver a força do amor anímico, que possa criar uma nova vida. O nosso corpo físico nos forma a base para formar uma esperança no futuro, de encontrar um sentido em nossa vida. 
De Jesus Cristo recebemos três impulsos para desenvolvermos a fé, o amor e a esperança em nós. O fato de Ele ter se encarnado na Terra é o testemunho da fé que Ele tem em nós. Não se trata aqui de olhar para a fé que nós temos no divino. Mas de tentar vivenciar a fé que o Jesus Cristo tem em nós, a confiança que Ele tem de que somos capazes de nos desenvolvermos. O fato Dele ter morrido na cruz é o testemunho do amor que Ele tem por nós. Um amor que se transformou na força do sacrifício, do sacrifício da própria vida. O impulso da esperança se forma pela Sua ressurreição. É a ressurreição do corpo físico do Jesus. Não no âmbito material, mas no âmbito espiritual. A imagem arquetípica do ser humano, a semelhança divina que se revela no corpo físico é, pela ressurreição, salva para o nosso futuro. Da criação do mundo recebemos três corpos impregnados com as forças da fé, do amor e da esperança. Isto nos deu possibilidade de nos desenvolvermos até o nível anímico. Para que possamos nos desenvolvermos num nível espiritual podemos acolher os impulsos que o Jesus Cristo quer nos dar: pela sua fé em nós, pelo seu amor por nós, pela sua esperança em nosso futuro.

João F. Torunsky