Como vivenciar o Cristo no âmbito das nuvens?

Temos o relato sobre a Ascensão do Cristo no Novo Testamento, no Ato dos Apóstolos e, numa única frase, no Evangelho de Lucas. O Ato dos Apóstolos também foi escrito por Lucas. Assim, vemos que Lucas é o único que relata a Ascensão, apesar de não ter sido ele um discípulo do Jesus Cristo, mas de Paulo. Talvez este seja o motivo pelo qual Lucas tem a consciência da importância de relatar a Ascensão. Paulo também não foi um discípulo de Jesus Cristo. Muito pelo contrário, ele foi um inimigo do cristianismo e um perseguidor dos cristãos. O seu relacionamento com o Cristo ressurreto formou-se através da vivência que teve ao chegar na cidade de Damasco. Perante Damasco ele vivenciou o Cristo, não no âmbito sensorial terreno, mas num nível mais elevado, no nível chamado etérico. Desde a Ascensão pode-se vivenciar o Cristo nesse nível supras sensorial e Paulo foi o primeiro a vivenciá-Lo, como um precursor de um dom que todos nós poderemos um dia desenvolver. Lucas, como discípulo de Paulo, tem a consciência de que esta é a meta para a humanidade: enraizar o relacionamento com o Cristo a partir de uma vivência própria da sua realidade no etérico, e não apenas por meio de relatos históricos. Assim Lucas começa o seu relato com a Ascensão, despertando a atenção para essa meta, já no começo do caminho:

E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos. E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois homens vestidos de branco. Os quais lhes disseram: Homens galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir.

Atos 1, 9-11

Neste relato podemos prestar atenção em três motivos.
O primeiro é que o Cristo „foi elevado às alturas“. Dessa elevação às alturas surge o nome que damos a este acontecimento: Ascensão. Ele é elevado a um nível superior ao nosso âmbito terrestre. Não está descrito que Ele foi „embora“ para o céu. Ele se eleva até o nível das nuvens. Aqui vemos o segundo motivo: „foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu“. E devemos realmente tentar compreender aquilo que está descrito: „uma nuvem o recebeu“. Isso tem uma consequência para os discípulos, e vemos então o terceiro motivo: „ocultando-o a seus olhos“.
O Cristo foi elevado às alturas, recebido por uma nuvem e os discípulos não puderam mais vê-Lo. Além desses três motivos podemos ver que os discípulos vivenciaram os „dois homens vestidos de branco“, uma imagem para a vivência de anjos, que anunciam uma profecia: „Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir“. É a profecia da nova vinda do Cristo no etérico.
Para a compreensão da Ascensão é necessário procurar reconhecer o que é uma nuvem. A nuvem, neste relato, é uma imaginação. A compreensão do que é uma nuvem na natureza pode nos ajudar a perceber quais são as qualidades da esfera onde o Cristo se encontra, desde a Ascensão. Todos nós temos vivências de nuvens, quase todos os dias. A substância da nuvem é água. A nuvem é formada, não por vapor, mas por água líquida. O vapor de água determina a umidade do ar, mas não forma as nuvens. Quando o vapor se condensa em gotas minúsculas, formam-se então as nuvens. E a nuvem, apesar de ser formada por água liquida, consegue pairar no ar, entre a terra e o céu. A água que forma a nuvem estava antes na terra. No processo de evaporação a água se eleva para o céu. A água tem uma ascensão, forma as nuvens e volta para a terra como chuva. A chuva é uma benção para a terra, possibilitando que a vida se desenvolva. A água forma um ciclo: está na terra correndo das montanhas até o mar, evapora e se eleva ao céu, forma as nuvens, cai como chuva para a terra trazendo uma benção para a vida e renovando o ciclo.
Na sua descrição, Lucas usa essas qualidades da água como uma imaginação para a Ascensão do Cristo: Ele se elevou ao céu, foi recebido por uma nuvem e voltará do mesmo modo como se elevou. A água possibilita a vida na Terra, e o Cristo se elevou para essa esfera da fonte e renovação da vida: para a esfera do etérico.
O Cristo, no momento do batismo, se ligou com o corpóreo do Jesus, se encarnando assim na Terra. O Cristo teve um corpo humano durante os três anos. Mas antes desse processo de encarnação num corpo humano, o Cristo, como ser cósmico, possuía uma outra corporalidade, um corpo cósmico. O Sol foi a sua corporalidade, e por isso podemos falar do Cristo como o espírito do Sol e, como tal, ele foi percebido e adorado por culturas antigas. Depois da Ressurreição houve um tempo de desenvolvimento do corpo do Ressurreto, de 40 dias e, na Ascensão, Ele se liga com toda a Terra, com a esfera etérica da Terra, com o âmbito das nuvens. A Terra se torna o seu corpo. No etérico da Terra, no âmbito das nuvens, podemos agora ter o encontro com o Cristo. Assim como o Cristo ao ser acolhido pela nuvem se oculta aos olhos dos apóstolos, Ele também está oculto para a nossa percepção enquanto não desenvolvemos a possibilidade de perceber a realidade do etérico.
Podemos agora ver como esses motivos da Ascensão se refletem na oração falada no Ato de Consagração do Homem nesta época, na Epístola da Ascensão. Para aqueles que conhecem o Ato de Consagração será uma possibilidade de recordar essas palavras, para os que não o conhecem pode ser um incentivo para um dia conhecê-lo.
Quando escutamos: „Olhamos pela força vidente do coração Sua elevação ao céu para a terra“, encontramos na palavra „elevação ao céu“ o motivo da Ascensão. Mas se trata de uma elevação ao céu para a terra.
No Cristianismo se formou a ideia de que, com a Ascensão, o Cristo se afastou da Terra e está, desde então, sentado à direita de Deus. Disso decorre o sentimento de que ele foi embora, não está mais conosco. Esse não é o sentimento adequado perante o Cristo. Ele não foi embora, mas está presente no nosso dia a dia, elevado a um nível superior ao terrestre. Está oculto para os nossos órgãos sensoriais terrestres, mas seria visível para um novo órgão de sentido: a força vidente do coração. Existe a possibilidade de que o coração se torne um órgão do sentido, para o âmbito das nuvens, entre céu e terra.
Um pouco mais adiante, na Epístola, escutamos as palavras: „Vive na terra, transfigurando a terra com o céu. … Ele habite conosco, habitando contigo“. O que levou à ideia de que o Cristo no céu está separado de nós tem a ver com a formação da ideia do dualismo: que existem no mundo duas realidades, o céu e terra, ou o mundo espiritual e o mundo material, e que esses dois mundos estão separados um do outro. Assim, nessa dualidade, alguém ou está no céu, ou está na terra; ou está com Deus ou está conosco. Isso não reflete a realidade do mundo, mas somente a consciência que foi formada a partir dessa dualidade. A realidade é que temos apenas um mundo, com dois lados: o lado sensorial, determinado pelos nossos órgãos dos sentidos, e o lado supras sensorial, o qual não temos a possibilidade de perceber, enquanto não desenvolvermos um órgão do sentido apropriado. O Cristo está unido ao céu e à terra, „vive na terra, transfigurando a terra com o céu“, e se encontra tanto com Deus, como conosco: „Ele habite conosco, habitando contigo“.
Temos duas tarefas para chegarmos ao âmbito da realidade da Ascensão, ao âmbito das nuvens. Em nosso pensar temos de superar o dualismo, a convicção de que existem dois mundos separados um do outro, céu e terra. A realidade é que temos dois lados do mundo: o espiritual e o material. A ponte entre esses dois lados, que possibilita que o lado espiritual do mundo atue no material, e que o lado material do mundo seja uma expressão do espiritual, é a esfera etérica. O que chamamos de etérico são as forças que ligam o espiritual ao material e possibilitam, assim, a vida. Todo processo vital é uma ligação entre a ideia espiritual do ser que quer se revelar, e a substância da Terra que é colocada em processos vitais, formando um corpo, para que seja uma revelação deste ser. O que possibilita que isso seja possível são as forças etéricas. Esta é a nossa primeira tarefa: superar o dualismo e começar a pensar como a vida se forma, como o etérico atua. Sem superar o dualismo em nosso pensar não é possível chegar ao nível do Cristo no etérico. Nossa segunda tarefa é desenvolver o nosso coração, para que se torne um órgão do sentido para o etérico. Para isso temos de superar a subjetividade e o sentimentalismo do nosso sentir e procurar sentir de uma forma objetiva. Superando o dualismo em nosso pensar e o subjetivismo em nosso sentir podemos nos aproximar da realidade da Ascensão.
Numa segunda oração, escutamos no Ato de Consagração as palavras: „Olhamo-no com os olhos da nossa alma no âmbito das nuvens, abençoando o âmbito da terra“. A benção que vem do Cristo é como a chuva que vem das nuvens. Com os olhos da alma, ou com a força vidente do coração, podemos olhar o Cristo no âmbito das nuvens abençoando o âmbito da terra. A pergunta que surge é: como podemos desenvolver este olhar, esta força vidente do coração, para percebê-Lo no âmbito das nuvens?
Esta foi a vivência do apóstolo Paulo em Damasco: ele vivenciou o Cristo no âmbito das nuvens, no etérico.
Um caminho para essa vivência seria a tomada de consciência de que, na criação, existem vários níveis, vários reinos. Temos o reino mineral, o reino vegetal, o reino animal, o nosso reino humano e o reino dos anjos, das hierarquias. Mas podemos também prestar atenção a uma realidade intermediária que existe entre os reinos. Por exemplo, nós conhecemos pedras e conhecemos também plantas. Podemos direcionar a nossa atenção para as pedras, ou para as plantas, mas podemos também prestar atenção para a qualidade que surge no encontro da planta com a pedra, do vegetal com os minerais. O que acontece quando uma raiz cresce no interior da terra e encontra os minerais? O que acontece quando a água, que é um mineral, corre por um riacho e na margem deste cresce um musgo, que sempre é tocado pela água? Como podemos sentir uma gota de orvalho repousando na folha de uma grama? Ou no encontro entre o reino vegetal com o reino animal: o que acontece quando uma abelha toca uma flor? Quando uma vaca come um bocado de grama? Ou no encontro entre o reino animal e nós, seres humanos: O que acontece no relacionamento do pastor com suas ovelhas? Do vaqueiro com o seu cavalo? De tantas pessoas que vivem num apartamento com o seu animal de estimação? Qual responsabilidade surge ao formarmos relacionamentos com os animais? O nosso dia a dia é formado por encontros sociais. Que qualidade criamos no encontro entre nós? Num encontro podemos ter a consciência de nós mesmos e do outro. Mas temos a consciência da qualidade que está se formando entre nós, independente de como nos sentimos subjetivamente? Ou ainda, podemos tentar sentir: o que acontece no relacionamento que nós, seres humanos, temos com os anjos?
Prestar atenção para o que acontece entre os reinos significa exercitar a possibilidade de descobrir a realidade do âmbito das nuvens, o que acontece entre nós, entre céu e terra. Esse reino intermediário é o reino do Cristo, a realidade que surge no encontro. Cada ser, seja uma pedra, uma planta, um animal, um ser humano ou um anjo, tem em si uma essência espiritual. Essa realidade espiritual é a gota divina que recebemos do Deus Pai na criação. Mas no encontro entre seres, entre os reinos, e principalmente entre nós, se forma uma nova realidade espiritual. No âmbito do encontro, no âmbito intermediário, no âmbito das nuvens, nos ligamos com o âmbito do Cristo. Na procura de reconhecer a realidade espiritual em cada ser e no encontro entre os seres, nos ligamos com o Deus Espírito. A atenção e a responsabilidade para a qualidade do que se forma entre nós pode se revelar como uma benção para todos os nossos relacionamentos sociais.
Temos de superar o dualismo e o subjetivismo, e direcionar a nossa atenção para a qualidade do encontro. Disso pode se desenvolver a força vidente do nosso coração e nos levar a vivenciar o Cristo no âmbito das nuvens, no etérico, assim como Paulo vivenciou o Cristo ressurreto em Damasco.

João F. Torunsky