Em uma terra muito distante, às margens do deserto, chamada Alealamia, viviam três irmãs, Tharwa, Samirah e Aliithar, as meninas eram órfãs e foram, portanto, criadas pelos avós, um casal de velhos comerciantes, que possuíam como única fonte de sustento uma pequena loja de antiguidades. Certo dia Alealamia foi acometida por uma terrível revoada de corvos enfestados com peste, obrigando todos na cidade a permanecerem na segurança de seus lares. Ninguém podia ser visto nas ruas, que agora eram patrulhadas por guardas trajando vestes protetoras de aço. O sultão Majnun era incapaz de resolver a situação. O medo e as dúvidas em relação ao futuro se alastravam pelo povo. Com o passar dos dias, os mantimentos tornavam-se mais escassos e as pessoas mais solitárias e tristes. Não era diferente com a família das três irmãs. Após alguns meses de confinamento, as meninas amuadas e famintas encontravam-se na loja de antiguidades dos avós à procura de algum resto de mantimentos que talvez estivessem estocados ali por engano. Decorrido algumas horas de busca nos atulhados armários, elas se depararam com uma antiga lata de biscoitos de anis em uma prateleira mais acima. Tharwa, que era a mais alta, esticou os braços para alcançá-la e, sem querer, esbarrou num pequeno frasco de perfume, que caindo se estilhaçou. Dos mil caquinhos espalhados pelo chão, exalou um delicioso aroma de jasmim. Momentos depois, da singela poça aromática, emergiu um gênio com a aparência de alguém muito velho, trajado com um conjunto surrado de seda magenta adornado por bordados coloridos que estampavam pássaros tropicais. O gênio então proferiu, com uma voz asmática, um verso em rimas:
“Três desejos lhes posso conceder
Um a cada uma, com o meu poder.
O desejo não pode ser pronunciado,
Apenas no íntimo deve ser pensado.
Um desejo por semana realizarei,
Na virada da noite para o dia, aqui retornarei.
Escolham com atenção e com muito critério
Pois todo dom mágico é sempre algo sério!”
A seguir o gênio desapareceu. As três irmãs retornaram à cozinha onde a vovó já preparava o jantar. Após comerem, menos do que o suficiente para se sentirem saciadas, as três meninas se deitaram, ainda muito famintas, em suas caminhas macias, pensando nas palavras do velho gênio. Cada uma das irmãs fitou o céu estrelado pela janela até que o gongo do relógio no console da sala deu doze badaladas e assim proferiram mentalmente cada uma o seu desejo. Na manhã seguinte, as meninas, ao acordarem, avistaram um pequeno embrulho aos pés da cama de Tharwa. A menina apressou-se em desembrulhá-lo e tirou do delicado emaranhado de sedas coloridas, uma panelinha de cobre. As irmãs ficaram em silêncio admirando o presente por uns minutos, até que Samirah perguntou, em um tom intrigado, o que Tharwa tinha pedido ao gênio. A irmã apressou-se em explicar com a voz estupefata, que desejara que a família nunca mais viesse a passar fome e assim de fato aconteceu. A panela de cobre era encantada, bastava colocá-la no fogão com um pouco de água, que em seu interior se materializava o alimento desejado. A família passou uma semana agradável de bonança e fartura. Após decorrido os sete dias, ao despertarem, as três irmãs se depararam com uma pequena caixa de madeira aos pés da cama de Samirah. A menina, ansiosa saltou da cama e tirou da caixinha um par de lindos sapatinhos azul noite. De seu interior saía um pedaço de pergaminho com os dizeres: “Basta calçar-me e bater três vezes os tornozelos, que podes viajar aonde sua imaginação mandar!” Assim Samirah calçou-os alegremente e, seguindo as instruções do bilhete, se desmaterializou do quarto. Segundos depois encontrava-se aos pés da cama de Laila, sua melhor amiga na aldeia. Novamente a família desfrutou de uma semana muito feliz, todos de barriga cheia e o coração acalentado pelas visitas à casa dos amigos. Ao decorrer de outros sete dias, as três irmãs acordaram com a expectativa do presente de Aliithar. Dito e feito, aos pés de sua cama encontrava-se o menor de todos os embrulhos, era uma bolsinha pequena de veludo escuro puído que tilintava levemente. Aliithar desfez o laço cuidadosamente e se deparou com um simples sino de prata, muito antigo e um pouco oxidado pelo tempo. Não havia bilhete, nem nada mais na bolsinha. As outras irmãs então, intrigadas, perguntaram qual havia sido o desejo de Aliithar, que respondeu, com a voz tristonha: “Pedi ao gênio que todos os corvos abandonassem as terras de Alealamia para todo o sempre…” “Entretanto – arrematou Aliithar, – o gênio se confundiu, ou não entendeu o meu desejo, afinal ele era muito velho mesmo!”
Nos dias que se sucederam, Aliithar punha-se cada vez mais triste, apesar das três deliciosas refeições de todos os dias e das constantes visitas aos amigos, pois a menina sabia que enquanto o bando de corvos ocupasse as ruas, ninguém poderia sair de casa. Além disso as outras famílias da aldeia não possuíam um gênio mágico, que concedia desejos. O restante do povo passava fome e sentia-se solitário e triste no isolamento. Às vezes, na calada da noite, Aliithar brandia o sininho na janela na esperança de que o tilintar metálico afugentasse os pássaros. Alguns corvos empoleirados na cerca levantavam voo, mas logo pousavam nos telhados vizinhos. Ainda assim a menina cultivava uma pequena chama de esperança. Tharwa e Samirah acometeram-se também da tristeza da irmã, pois como esta, apesar de possuírem a alegria das companhias dos amigos e a fartura da panelinha mágica, sabiam que era um privilégio apenas de sua família e daquelas que lhes eram próximas. Certo dia as três irmãs, após muito confabular, tiveram uma ideia. Como de costume ao escurecer foram à cozinha jantar. Depois, sem pestanejar, deitaram-se em suas camas, porém estavam vestidas ainda e assim que escutaram o silêncio da casa e se asseguraram de que vovô e vovó dormiam tranquilamente no outro quarto, foram pé ante pé até a cozinha, pegaram na prateleira de baixo a panelinha de cobre e assaram pães suficientes para encher três cestas, depois a panelinha produziu uma grande quantidade de queijos e bolos. As irmãs embalaram as comidas em grandes bolsas de algodão e se postaram uma a cada lado de Samirah que já calçava os sapatinhos azul noite. Foram assim de porta em porta a cada casa da vila, deixando os pães, bolos e queijos para todas as famílias. A cada porta que chegavam, Aliithar tocava seu sininho e assim que alguém vinha atender, as meninas desapareciam antes da porta se abrir. Quando o dia já clareava no horizonte, as três irmãs finalmente depositaram o último embrulho de alimentos. Aliithar tocou o sininho de prata uma última vez e as meninas desapareceram na luz dourada da aurora, reaparecendo instantes depois na cozinha da avó, que a esta hora já se encontrava desperta preparando o café da manhã. Assim que as irmãs retornaram, a vovó correu ao seu encontro brandindo alegremente as mãos e apontando em direção ao jardim gritando de felicidade. Quando as meninas, confusas, olharam pela janela, viram que as ruas e praças antes pontilhadas de corvos encontravam-se agora limpas e vazias. As terras de Alealamia estavam finalmente livres da peste e toda a aldeia saiu a dançar e a cantar.
Aliithar compreendeu então que seu desejo ao gênio fora de fato realizado. O tilintar mágico do sino havia afugentado as aves pestilentas, entretanto, para que isto se realizasse era necessário mais que apenas magia. As três irmãs, movidas pelo seu altruísmo, uniram os dons que receberam do gênio. Tharwa compartilhou a fortuna da fartura da sua panelinha encantada. Samirah levou, com seus sapatinhos, a alegria para todos os lares. E Aliithar conseguiu finalmente afugentar os corvos com o som do sino de prata. Assim juntas, as três salvaram Alealamia da terrível peste.
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Nota:
Este conto me foi entregue por uma pessoa amiga que prefere se manter anônima. Com a anuência do autor reescrevi o texto num estilo direcionando às crianças. É um presente a todas as famílias nestes dias de isolamento social.
Os nomes dos personagens foram inspirados e adaptados a partir de palavras da língua árabe, que traduzidas significam aproximadamente: Tharwa – fortuna; Samirah – alegre, que conversa; Aliithar – altruísmo; Majnun – insano. O nome da aldeia: Alealamia – o mundo.
Renato Gomes