Referente ao perícope de Lucas 18, 35-43
Jericó é uma das mais antigas cidades de Israel (e do mundo) que se mantém habitada desde seus primórdios. Foi citada, inúmeras vezes no Antigo Testamento. No livro de Josué encontramos uma marcante narrativa que envolve esta cidade: Josué, genro de Moisés, recebe de seu sogro a tarefa de conduzir o povo Hebreu, que peregrinou pelo deserto por 40 anos, em sua etapa final até retornar à Terra Prometida. Jericó situava-se num local estratégico, na rota de acesso ao país dos hebreus. Por causa de sua localização, Jericó impedia a passagem, pois os habitantes da cidade não permitiam a Josué nem a seu povo que cruzassem por ali. A narrativa é extensa e marcada por muitas passagens e acontecimentos significativos. (Ver livro de Josué, primeiro livro após o Pentateuco, os cinco livros iniciais da Bíblia). A culminação desse episódio se dá por inspiração divina ao próprio Josué, que ordena que o povo circunde sete vezes as muralhas da cidade, carregando a Arca da Aliança e que toquem suas trombetas. No final da sétima circunvolução, ao soar das trombetas, as gigantescas muralhas de Jericó desmoronaram. O povo hebreu venceu aqueles que lhe barravam a entrada em seu país e consegue desse modo retornar à Terra Prometida. No trecho do Evangelho de Lucas desta semana, fala-se de um cego sentado à entrada de Jericó, pedindo esmola. Não se diz que ele esteja impedido de entrar na cidade, contudo é muito provável que os mendigos e pedintes daquela época tivessem de ficar do lado de fora, para não incomodar os moradores da cidade nem os viajantes que nela entravam. O fato é que ele está ali, do lado de fora, sentado, enquanto que, diante dele, as pessoas passam, entrando ou saindo da cidade. O cego permanece do lado de fora, um tanto alheio ao que se passa lá dentro. Sua cegueira é, de certo modo, uma muralha que o impede de perceber o que acontece além do seu limitado campo de observação. Ele ouve as pessoas passarem, mas não tem ciência de onde vem ou para onde estão indo ou o que fazem. Poderíamos também imaginar que sua cegueira o aprisiona dentro de sua própria muralha, e lhe impede de prosseguir sua própria jornada na vida, por isso permanece ali sentado.
“… havia um cego assentado junto do caminho, mendigando…”
Hoje o mundo passa por um momento de incertezas e preocupações. Muitos sentem como é difícil olhar para o futuro e prever algo, planejar a médio e longo prazo, criar imagens do que queremos fazer nos próximos anos. A crise que se abateu sobre a humanidade, de certo modo também nos colocou “assentados”, esperando à beira do caminho que tudo passe e a vida prossiga como era antes. Será que a vida prosseguirá como era antes? Esta dificuldade em ver mais além, de lançar um olhar para o futuro e planejar, pode também ser vista como uma cegueira ou um aprisionamento dentro de nossa própria muralha anímica, erguida pelo medo, pela insegurança e pelas dúvidas em relação às coisas que estão acontecendo a nossa volta.
Josué e o povo hebreu reconheceram que as muralhas de Jericó eram o fator que os impedia entrar em sua Terra Prometida. Por inspiração divina eles rodearam as muralhas, tocaram as trombetas e as muralhas caíram, abrindo-se assim o caminho. O cego à beira do caminho, ouviu que algo acontecia, que alguém especial passava por ali. Ele então tomou uma atitude, levantou-se, alçou a voz como trombeta e as muralhas de sua cegueira desmoronaram.
“… e o cego viu e O seguiu, glorificando a Deus!”
Cabe a cada um de nós nos perguntarmos, se há momentos em que estamos parados, sentados à beira do fluxo da vida esperando, porque não conseguimos ver um pouco mais além, pois presos estamos em muralhas internas que nos encobrem a visão do espírito. A paciência é, sem dúvida, uma virtude, a passividade, nem sempre. Não podemos mudar o curso dos acontecimentos atuais, apenas por vontade própria, isso, com certeza, ninguém pode. Contudo podemos ficar atentos ao que se passa à nossa volta, tomar atitudes, alçar a voz (não com gritos rebeldes ao vazio que não levam à mudança alguma, mas alçar a voz no sentido de deixar falar mais alto os impulsos mais profundos e verdadeiros, latentes na própria alma), sem perder o foco daquilo que nos é sagrado (Josué e o povo carregavam a sagrada Arca da Aliança enquanto rodeavam as muralhas; o cego se levantou quando ouviu o nome de quem estava passando). Assim, encorajados, podemos começar a derrubar as muralhas da cegueira espiritual que, por vezes, almeja se apoderar de nossa alma e quer nos impedir de prosseguir nosso caminho.
Renato Gomes