Parte III
Os moradores das aldeias do continente, num primeiro momento, acharam melhor manter em segredo que a Ponte do Guardião havia crescido de novo. Entretanto, um segredo assim não pode permanecer oculto por muito tempo. Sempre há viajantes indo de um lugar para o outro e, desse modo, a notícia se espalhou com maior rapidez do que os aldeões do continente teriam desejado.
Pessoas vindas de outros lugares queriam visitar Amazoil. Os aldeões, entretanto, só autorizavam quando a pessoa se comprometia a respeitar as regras de harmonia da ilha. Do contrário lhes barravam o acesso à ponte e as obrigavam a retornar a suas cidades. Todos temiam que algo triste ocorresse de novo, semelhante à destruição do passado, principalmente porque agora não havia mais o forte portão para proteger a entrada e o novo guardião era bem pequenino… Ninguém entendia porque os Caa-porás haviam refeito a Ponte, mas não haviam reconstruído o portão que deveria até mesmo ser mais reforçado; melhor ainda se, em lugar de um, tivessem colocado dez guardiões para impedir a entrada àqueles que não viessem com boas intenções.
Os procederes dos Caa-porás eram muitas vezes bem misteriosos!
Todos esses cuidados que os aldeões começaram a ter quando apareciam visitantes de outros lugares, fizeram com que as coisas sucedessem de boa maneira. Amazoil recebia seus visitantes, o pequeno guardião lhes abria a cortina de lianas com flores amarelas e as pessoas regressavam de lá repletas de alegria e encanto por tudo que viam e vivenciavam, na ilha dos Caa-porás protetores da floresta.
Um dia chegou um homem àquele lugar que carregava um saco às costas. Os habitantes das aldeias ficaram preocupados, pois não se sabia quais eram suas intenções nem o que carregava dentro do saco. Era um homem inteligente; disse que vinha de uma grande cidade chamada Planalto Central; não tinha o aspecto rude e grosseiro daqueles que no passado queimaram parte de Amazoil. Com boas explicações conseguiu convencer os moradores de que viera visitar a ilha para recolher amostras de plantas, que levaria a sua cidade para que cientistas as estudassem e com elas preparassem novos remédios. Por lá havia algumas doenças que médico algum conseguia curar. Havia ouvido que em Amazoil crescia todo tipo de plantas e que as riquezas do lugar ajudavam muitas pessoas. Não seria justo então que também os que viviam em Planalto Central pudessem se beneficiar com os dons de Amazoil?
Diante de tais argumentos os aldeões consideraram que podiam deixar aquele homem visitar a ilha. Sobre o que carregava no saco, o homem nada mencionou. Cruzou a Ponte do Guardião e chegou até a cortina de lianas amarelas. O guardião-mirim lhe interpelou:
– Visitante, que promessa me dás em penhor, para que eu te deixe entra em Amazoil?
O homem respondeu:
– Venho a Amazoil buscar um pouco daquilo que aqui existe em abundância para levá-lo aos meus companheiros de Planalto Central. Tenho certeza de que eles ficarão muito contentes com o que eu lhes levar desta maravilhosa ilha.
As palavras daquele homem soaram enigmáticas nos ouvidos do pequeno guardião. Não lhe parecia um problema que o homem quisesse levar folhas, frutos ou sementes das plantas de Amazoil; tantos outros já o haviam feito antes e com boas intenções… Contudo o guardião sentiu-se incomodado, pois aquelas palavras, ainda que bem formuladas, pareciam ocultar algo…
– O que carregas neste saco? – perguntou o guardião.
O homem ficou embaraçado e, apertando a boca do saco, disse que eram seus instrumentos de trabalho. O pequeno guardião lhe disse então:
– Se não me mostras o que carregas no saco, não te libero a entrada.
O homem, visivelmente nervoso, abriu a boca do saco e tirou de lá um enorme machado:
– Se queres saber, aqui está: Isto é o que eu carrego! Em minha cidade se ouviu dizer que as coisas estavam bem diferentes no portal da ilha desde o dia em que aqui estiveram meus antepassados. Meus amigos de Planalto Central me aconselharam vir sozinho para averiguar e para levar um pouco dos ricos minerais daqui! Vejo que as coisas serão bem mais fáceis agora, pois não há portão e o guardião é um fracote minguado!
O guardião-mirim se colocou na frente do homem que empunhava o machado e com seus pequenos braços abertos insistiu:
– Tu não podes entrar em Amazoil. Tuas intenções não são boas! Retorna pelo caminho que vieste!
O homem com o machado riu alto e vociferou:
– Seu nanico, tu pensas impedir minha passagem?
Empurrou com violência o guardião para o lado e, por meio de um gesto firme de ombros, forçou caminho por entre as lianas de flores amarelas. Os delicados ramos cederam sem resistência à passagem do homem com o machado nas mãos. Por causa do movimento brusco, as delicadas flores amarelas foram sacudidas e soltaram grãos de pólen que caíram em cima da cabeça do visitante não autorizado.
O homem andou alguns passos e de repente parou. Olhou em todas as direções e soltou um grito enraivecido:
– Amazoil é uma grande mentira! Aqui não existe uma única árvore, esta ilha é um deserto! Vejo apenas cinzas neste chão esburacado! Este lugar não serve para nada.
Rapidamente cruzou de volta o portal da cortina de lianas, desceu pela ponte e, correndo de volta a sua cidade, contava a todos que encontrava no caminho que a ponte para Amazoil de fato havia sido reconstruída, mas a ilha já tinha sido saqueada e queimada por outros antes dele!
Os habitantes da aldeia, que ouviram o homem vociferar tais palavras, acudiram com pressa à Ponte do Guardião. Encontraram o pequeno guardião sentado numa pedra ao lado do tronco de uma das grandes Sumaúmas do portal, com um sorriso de satisfação no rosto.
– É verdade o que aquele homem está dizendo? Amazoil foi queimada de novo? – perguntaram.
– Cruzai a cortina e vereis! Qual é a promessa de penhor que me entregais, para transpor o portal?
As pessoas lhe responderam:
– Nós todos te prometemos que faremos de tudo para que Amazoil se recupere, trabalharemos o quanto for necessário. Queremos desta vez ajudar os Caa-porás no que necessitem. Podeis contar conosco!
– Sendo assim vos permito cruzar o portal. – respondeu o pequeno guardião e fez o gesto no ar para que as lianas abrissem o caminho.
As pessoas passaram e encontraram Amazoil como sempre havia estado: a floresta verde e silenciosa, pulsante de vida, podia ser vista em todas as direções.
As pessoas regressaram pelo portal e encontraram, na saída junto ao pequeno guardião, o mais sábio e velho dos Caa-porás. Todos ficaram tão surpresos e assustados que mal conseguiam pronunciar uma palavra, pois raramente os Caa-porás, principalmente os mais velhos entre eles, se deixam ver pelos seres humanos. O velho Caa-porá, contudo, se adiantou:
– Não tenhais medo! Eu vim aqui para vos ajudar a entender o que aconteceu. Nós, o povo dos Caa-porás, demoramos muito tempo para decidir se deveríamos reconstruir a Ponte do Guardião ou não. Todos sabíamos que a vinda de seres humanos com boas intenções no coração à Amozoil é imprescindível, alguns entretanto achavam que, para que isto acontecesse, seria necessário construir um portão ainda mais resistente que o anterior e postar aqui muitos de nossos companheiros para barrar a entrada aos que carregam machados e tochas nas mãos e ambição nos corações… Eu, porém, consegui convencer a todos os meus companheiros que nada disso fazia sentido. Sempre correríamos o risco de que o portão fosse estilhaçado por armas cada vez mais poderosas e que nossos guardiões fossem atirados no mar… Melhor seria fazer uma delicada cortina de lianas floridas. Basta apenas a ajuda do nosso pequeno guardião, que com habilidade usa seus poderes mágicos para abrir delicadamente a cortina aos que entram com os desejos sinceros de contribuir com a harmonia de Amazoil. Contudo todos aqueles que forem barrados pelo pequeno guardião e, ainda assim forçarem a entrada, irão receber por cima da cabeça o pólen sacudido das flores amarelas. Ao entrarem na floresta, seus olhos e todos os demais sentidos estarão impedidos de ver as árvores, de sentir o perfume das flores, de ouvir os cantos dos pássaros. Verão e perceberão apenas a tristeza e a desolação que vivem em suas próprias intenções. Foi por este motivo que aquele visitante percebeu somente a terra vazia e as cinzas… Este será daqui para frente o nosso maior segredo e a única forma de proteger a ilha. Nós, os Caa-porás, necessitamos de todos vós, seres humanos. Decidimos que a Ponte do Guardião devia ser reconstruída e permanecer pelos tempos futuros, mas doravante só terão acesso à floresta e poderão se beneficiar dela aqueles que cultivaram o amor e o respeito à Amazoil, pois é apenas por meio destes nobres sentimentos humanos que Amazoil poderá continuar existindo.
Os aldeões prometeram aos Caa-porás guardar o segredo; a seguir retornaram tranquilos e alegres a suas casas e continuaram visitando Amazoil sempre que desejavam. Ensinaram seus filhos e netos a amar e respeitar a floresta e todos os que nela vivem.
Renato Gomes