Conto: Os elementos no caminho a Belém

Parte IV

Depois de vários dias de viagem, José e Maria chegaram a Belém. A cidade não era grande e possuía poucos habitantes, mas nestes dias estava repleta de pessoas. Numerosas caravanas tinham chegado, provindas dos extensos desertos do sul. Belém ficava num pequeno oásis e muitas rotas de caravanas que vinham da Arábia e se dirigiam a Jerusalém paravam ali para repousar antes de prosseguir viagem.

José se dirigiu a casa de alguns de seus antigos conhecidos, para ver se encontravam acolhida, mas não teve muita sorte. Os forasteiros haviam chegado primeiro e solicitaram pousada pagando bem pela hospedagem.

Maria e José não tinham muitos recursos e por mais que procurassem não encontraram ninguém que os pudesse receber em sua casa.

— Fizemos tão longa viagem – disse Maria – e agora que chegamos não achamos lugar para pernoitar!

— Maria – consolou José – não desanimemos! Vamos cruzar a cidade. Quem sabe os moradores do sul, que vivem mais próximos do deserto da Arábia, talvez possam nos ceder um lugar; uma simples choupana para passar esta noite já estaria bem.

O casal cruzou a cidade de Belém de uma extremidade a outra. Por onde passaram, viram tendas armadas nos quintais das casas, pessoas circulando, de um lado para o outro, camelos ajoelhados no chão arenoso, de aparência cansada após a travessia do deserto… Ouviam-se muitas vozes, havia cheiro de comida no ar e sons de música e canto. A pequena cidade de Belém estava alvoroçada. O decreto do Imperador Romano era a causa de tamanha movimentação. Muitas famílias que residiam em regiões distantes e em outros países se viram obrigadas a retornar às suas cidades de origem para colocar seus nomes nas listas.

Também José deveria fazê-lo, mas haveria tempo para isto no dia seguinte. Neste momento ele sabia que o mais importante era encontrar um lugar abrigado para que Maria pudesse descansar da longa jornada.

Ao chegarem nos limites da cidade viram umas poucas casas de pedra. Perguntaram também ali, mas nada obtiveram. Eles não podiam prosseguir, pois a sua frente havia apenas o grande deserto de areia e formações rochosas… José ajudou Maria a desmontar do burrico. Desanimada, ela se sentou numa pedra e pôs-se a olhar as pedrinhas do chão. Apanhou algumas e as moveu de uma mão para a outra, enquanto dizia:

— Pedrinhas pequeninas, não sentem frio, nem fome, nem cansaço… Podem repousar em qualquer lugar onde caem… nós, porém, seres humanos, precisamos de um lugar abrigado para passar a noite!

Nisto aproximou-se deles um homem; parecia bem velho, tinha uma comprida barba cinzenta, andava encurvado pelo peso dos anos e se apoiava num grosso bastão que tinha o aspecto de uma raiz envelhecida e retorcida. Tinha sobre o corpo ossudo uma túnica feita com um tecido áspero, cuja cor não se podia identificar bem por causa da pouca luz do início da noite, mas que lembrava tons de terra escura.

O velho se aproximou de José e de Maria e perguntou:

— Viajantes, o que vos traz aqui nos limites do deserto?

José lhe respondeu:

— Ancião, fizemos longuíssima viagem de Nazaré a Belém. Tínhamos esperança de encontrar, na casa de algum amigo ou conhecido, um lugar para passar esta noite, mas a cidade está repleta de pessoas e não sabemos onde poderemos repousar. Minha esposa Maria espera o nascimento da criança que deve acontecer em breve, portanto não será bom passarmos a noite ao relento…

O velho de barba cinzenta lhes disse com sua voz rouca e grave:

— Não vos posso oferecer nem casa nem choupana, mas se me acompanhardes vos indicarei uma gruta, onde achareis abrigo por esta noite.

— Meu bom homem – disse Maria – te agradecemos de coração! Não procuramos nem luxo nem riqueza, apenas um lugar onde possamos nos deitar e estender nossos membros cansados da viagem.

O ancião caminhava com passos pesados à frente dos viajantes para indicar-lhes o caminho. Afastaram-se das últimas casas de pedra de Belém e se encaminharam por uma trilha pedregosa em direção ao deserto. Chegaram, por fim, à entrada de uma caverna. O seu interior era espaçoso; no chão de terra batida, via-se um pequeno círculo de pedras em cujo interior havia cinzas de uma fogueira extinta há muito tempo. Num dos cantos havia um cocho com palha.

— Nas noites mais frias do ano – disse o velho barbado – alguns pastores de Belém costumam passar a noite nesta caverna. Acendem um fogo para se aquecer e alimentam aqui suas ovelhas. – enquanto falava, apontou com o bastão retorcido a manjedoura cheia de palha. – mas esta noite eles estarão nos campos com seus rebanhos. Vós podeis dormir sossegados aqui.

José conduziu o jumento até a manjedoura. Separou, porém, um pouco de palha e a espalhou sobre o chão. Estendeu seu manto por cima e ajudou Maria a se acomodar naquela cama improvisada.

O ancião prosseguiu, dirigindo-se a José:

— Do lado de fora da gruta encontrarás um filete de água fresca que brota numa fenda na rocha. Podereis saciar vossa sede.

José inclinou-se diante do ancião e disse:

— Agradecemos tua generosidade!

O velho respondeu com um gesto de cabeça e fez menção de retirar-se, encaminhando-se para a entrada da caverna. Maria porém, chamando-o, perguntou:

— Meu bom homem! Dou-te também graças por compartilhar esta singela gruta! Como é teu nome?

O velho fez um giro e, apoiando-se em seu bastão, recostou-se na parede rochosa da entrada da caverna antes de responder com sua voz pesada:

— Costumam me chamar de Pétreo. Em verdade sou eu quem agradece por ter a oportunidade de receber aqui a mãe daqu’Ele que será capaz de entender até o que as pedras clamam! Ele, um dia, também repousará numa gruta profunda e escura, mas com sua força divina removerá a pesada pedra e compenetrará com luz até as rochas mais profundas da Terra.

No momento seguinte, Maria, que estava deitada sobre o chão de terra batida, sentiu um pequeno tremor no solo e percebeu que Pétreo simplesmente havia sumido. Parecia que seu corpo tinha se incorporado ao rochedo da entrada da gruta.

José veio se acomodar ao lado de sua esposa e, abraçados assim, se sentiram mais aquecidos, já que não havia lenha na caverna para acender uma fogueira no círculo de pedras.

Renato Gomes