Parte V
A noite estava fria.
José e Maria estavam deitados no chão duro da gruta, onde encontraram guarida com a ajuda do velho Pétreo.
— José, aqui está muito frio! – disse Maria.
— Querida esposa, respondeu José, bem sei que está frio, o vento gelado sopra pela entrada da cova… Pena que não há lenha para acender uma fogueira…
Depois de um tempo, José prosseguiu:
— Vou juntar um pouco da palha que está no cocho do jumento e acender uma fogueirinha no círculo de pedras… Não durará muito, mas talvez consigamos nos aquecer um pouco!
Enquanto José, agachado, se esforçava para produzir labaredas na palha seca, atritando as duas pedras de fogo, as pederneiras que possuía, Maria prosseguia deitada no manto estendido sobre o chão duro, olhando para o céu estrelado do lado de fora da gruta e murmurou: – Se ao menos a entrada desta cova não fosse tão grande… talvez o vento frio não soprasse tão forte aqui dentro…
Naquele instante ela sentiu a terra tremer, como havia sentido pela primeira vez quanto se despedia do ancião Pétreo. Percebeu também que o tremor repercutia nas enormes rochas que formavam a entrada da caverna e subitamente teve a sensação de que as rochas se moviam. Elas se aproximavam umas às outras. O tremor só cessou quando as rochas tinham se apertado e se encostado umas às outras de tal modo que a entrada da cova havia se tornado bem mais estreita, impedindo assim, em grande parte, que o vento que soprava do deserto da Judeia entrasse na caverna.
Agora que havia menos vento, José conseguiu com maior facilidade acender as brasas.
— Maria, aproxima-te um pouco! Aproveita o calor destas flamas, pois logo se extinguiram! – disse José.
Maria acomodou-se o mais próximo que conseguiu da pequena fogueira no círculo de pedras. Nesse instante, José virou-se e notou a mudança que havia acontecido na entrada da caverna.
– Tenho a impressão, disse, de que quando aqui chegamos, a entrada desta cova era bem mais ampla…
— De fato, José, respondeu Maria, tu tens razão, mas parece que estas rochas ouviram minha súplica e se sacudiram e se acomodaram para fechar um pouco mais a abertura da caverna, protegendo-nos assim do vento frio de fora. Isto aconteceu enquanto acendias o fogo.
José levantou-se, tocou as duras e frias rochas da entrada, como se quisesse se certificar de que de fato eram pedras de verdade. Retornou, se deitou ao lado de Maria próximo ao fogo e disse: – Creio que não só as rochas ouviram tuas súplicas, Maria! Há pouco eu tentava sem sucesso lançar algumas fagulhas com as pederneiras para acender a palha dentro do círculo de pedras, mas minhas mãos tremiam e eu nada conseguia… Lembrei então daquela noite que encontramos o jovem Ígneo e da fogueira de gravetos que ele acendeu com a maior facilidade usando a luz de sua lanterna. Meu coração se encheu de alegria naquele momento. De repente ao atritar as pederneiras uma contra a outra, inúmeras fagulhas saltaram e a palha pegou fogo imediatamente!
José e Maria ficaram longo tempo admirando as labaredas que crepitavam da fogueira de palha. O fogo era vigoroso, preenchia com luz e calor a caverna, não dava sinais de diminuir, ao contrário, se mantinha robusto, apesar de que as palhas que ali estavam, mal teriam conseguido alimentar chamas tão intensas. Maria rompeu o silêncio e disse:
— José, também o fogo veio em nosso auxílio! Vê como a pouca palha queima e parece não se consumir, mantendo assim acesa essa linda fogueira!
Aquecidos pelas chamas e protegidos do gélido vento do deserto, José e Maria, abraçados, adormeceram. Havia chegado as altas horas da noite, quando Maria sacudiu José e disse:
— José, acorda! Levanta-te, vai lá fora e busca um pouco de água. Pétreo disse que há uma fenda na parede rochosa de onde jorra um manancial. Sinto que a hora do nascimento está se aproximando. Tenho sede…
José, prestimoso, se levantou de imediato. Pegou uma pequena tina de madeira que fora abandonada no fundo da caverna e foi verificar no exterior onde se encontrava o tal manancial. Vagou um pouco pelas proximidades da cova, observando com atenção as paredes rochosas. O luar iluminava a rocha escura. Por fim José encontrou a fenda, contudo, de seu interior, escorria um mirrado filete de água. Ele tentou apoiar a borda da tina contra a rocha, mas o filete era tão insignificante que água passava direto e não dava vazão a encher o recipiente…
José retornou cabisbaixo à caverna:
– Maria, encontrei a fonte, mas está quase se extinguindo… por muito que me esforcei, mal consegui umas gotas no fundo da tina!
Maria, num gesto de desapontamento, levou as mãos ao peito. Nisto sentiu que o pequeno frasco, que havia recebido de Aquália na margem do rio e que guardara entre as pregas de seu manto, tocou seu coração. Um sorriso brilhou em seu rosto:
— José, toma, leva-o até a fonte! – disse Maria, entregando o frasco ao esposo. Pingue algumas gotas sobre a fenda, pois pode ser que o manancial esteja sedento já que suas águas estão se acabando… A generosa Aquália disse que com esta água, podemos saciar qualquer sede.
José tomou o fraquinho nas mãos e se dirigiu para fora. Fez como Maria lhe havia dito. Para sua alegria e surpresa, pouco tempo depois que as gotas miraculosas do frasquinho de Aquália caíram na escuridão da fenda rochosa, José ouviu um ruído borbulhante. Logo a seguir um jorro intenso foi lançado para fora da fenda. José rapidamente aproximou a tina da rocha e num instante ela se encheu de água fresca.
José retornou à caverna. Deu de beber à sua esposa e colocou a tina próxima ao jumentinho para que este também saciasse a sede.
Maria tomou uns poucos goles e ficou satisfeita, sentia-se cansada, pediu a José que se sentasse ao seu lado e a abraçasse. A fogueira generosa, continuava a flamejar com intensidade. Assim ficaram em silêncio por um bom tempo. Apesar do cansaço, Maria não conseguia adormecer… fechava os olhos por alguns momentos, mas tornava a abri-los a seguir. Tudo à sua volta estava sereno. O burrico se deitara na palha ao fundo da caverna, José adormecera abraçado a esposa, o fogo soltava labaredas delicadas que pareciam dançar ao som de uma melodia inaudível… Foi num destes abrir e fechar de olhos que subitamente Maria teve a impressão de ouvir um som que parecia provir de lugares distantes. No início não soube identificar, mas aos poucos reconheceu que se tratava de uma melodia. Era o som de vozes que vibravam no ar cantando uma melodia desconhecida, um cântico novo que ela jamais havia ouvido.
A melodia foi ficando cada vez mais audível para Maria. As vozes cantavam com grande alegria! Não eram vozes humanas, pareciam vozes de anjos, que faziam coro com a voz da suave brisa que soprava na caverna; a fogueira cantava e dançava no ritmo daquela melodia. As paredes da caverna também reverberavam produzindo uma profunda e grave vibração que harmonizava com o canto celestial; até mesmo a água no interior da tina de madeira vibrava em ondulações circulares no compasso da música. Maria estava admirada com tudo o que ocorria a sua volta! Foi neste momento especial que nasceu o seu filho, embalado pelo canto jubiloso dos elementos: terra, água, ar e fogo!
Maria envolveu a criancinha num tecido de linho branco e não se cansava de admirar seu rosto luminoso.
José acordou e ficou alegremente surpreso com o nascimento do menino. Levantou-se, recolheu um pouco mais de palha do fundo da cova, acomodou-a cuidadosamente no cocho dos animais e disse à esposa:
– Deita a criança aqui na manjedoura, Maria. A palha macia lhe servirá de colchão.
Maria deitou carinhosamente o menininho na manjedoura, o cocho que se usa para dar de comer aos animais e que lhe serviu de berço.
José falou:
– Vamos dar-lhe o nome de Jesus, pois foi assim que, em sonho, o Anjo do Senhor me disse que lhe chamasse.
Maria assentiu com um gesto de cabeça e acrescentou:
– Esta foi uma noite muito especial, José. Eu vi e ouvi todos os elementos da natureza cantando junto com os céus por causa do nascimento desta criança.
O jumentinho também se levantou e veio observar de perto o que estava acontecendo. Ficou parado junto a manjedoura, com as suas grandes orelhas erguidas, atento a cada movimento que o menininho fazia.
Ouviram-se vozes humanas do lado de fora da caverna. Na abertura da entrada surgiram então as cabeças de alguns pastores que um pouco assustados perguntaram:
— Sabeis dizer, se é aqui o lugar onde acaba de nos nascer o salvador?
Outro dentre eles acrescentou:
— Estávamos dormindo no campo, junto ao nosso rebanho, quando fomos acordados por um enorme coro de anjos, cantado uma música maravilhosa.
E o próximo prosseguiu:
— Eles nos anunciaram que hoje havia nascido em Belém o novo rei, o nosso salvador e que o encontraríamos envolto em linho branco, deitado numa manjedoura…
Ao pronunciarem estas palavras, todos os pastores olharam ao mesmo tempo para o lugar onde se encontrava o menino Jesus.
José fez-lhes um sinal para que se aproximassem.
Os humildes pastores se ajoelharam diante da manjedoura e permaneceram longo tempo observando em silêncio.
Maria então lhes perguntou:
— Vós também ouvistes a linda música celestial?
Os pastores assentiram com as cabeças.
— Ainda a podeis ouvir? Perguntou mais uma vez Maria.
Desta vez eles balançaram as cabeças, em sinal de negação e acrescentaram:
— Enquanto vínhamos apressados para cá, percebemos que música foi desaparecendo de nossos ouvidos…
Maria ficou admirada com esta resposta, pois continuava a ouvir o som e a vibração da música dos elementos. Somente neste instante compreendeu que aquele canto não era audível para os que ali se encontravam.
Mais uma vez todos os que estava na cova de Belém fizeram silêncio. Apenas Maria ouvia a música no silêncio e neste momento reconheceu nas labaredas do fogo da palha no pequeno círculo de pedra o rosto vivaz do jovem Ígneo, que havia alimentado durante toda a noite as chamas da fogueira; no movimento da água na tina percebeu, emoldurado pelos ondulantes cabelos claros, o rosto sereno de Aquália, que mais uma vez lhes havia saciado a sede; dirigindo o olhar para as rochas da entrada da cova, notou emergir da rocha a face enrugada e bondosa do ancião Pétreo que os havia protegido do frio, estreitando a entrada da caverna e, pairando no ar, na entrada da gruta, entre seus véus flutuantes, viu o sorridente rosto de Brisa, que com sua melodia havia trazido pelo ar até os ouvidos de Maria o canto do coro dos anjos.
Este foi o primeiro Natal no mundo!
A cada ano podemos relembrá-lo e deste modo renovar a alegria em nossos corações. Podemos também ter a certeza de que toda a Natureza e os elementos se alegram conosco:
O jovem Ígneo-Fogo,
A alegre Brisa-Ar,
A generosa Aquália-Água
E o bondoso Pétreo-Terra.
Renato Gomes
Natal 2020