Época de Páscoa
Referente ao perícope de João 15, 1-27
“O sangue de Jesus tem poder!”
É provável que muitos já tenham ouvido ou lido esta frase em algum lugar…
Recentemente, dirigindo na estrada, ao ultrapassar um veículo me deparei com esta frase na traseira de um grande caminhão.
As sensações e associações que vieram à mente foram muitas, não me foi possível negar também um certo “incômodo”, pois tais assuntos que tocam o religioso, em geral, não me parecem apropriados para traseiras de caminhões… mas será certo?
Havia ainda um bom trecho de estrada pela frente e as reflexões prosseguiram…
No Evangelho que refletimos este domingo encontramos a imagem da videira e dos ramos. Cristo se autodenomina a videira verdadeira e acrescenta que todo aquele que quer ser seu discípulo pode se tornar um ramo desta videira e deve dar bons frutos.
A seiva que flui pelo tronco da videira é a mesma que corre pelos inúmeros ramos. Leva água e nutrientes, retirados das profundezas do solo, que servirão de matéria-prima para a formação dos frutos.
Seguindo a sequência desta analogia, Cristo é quem traz das profundezas do Ser do Pai os “nutrientes espirituais” e os deixa fluir através de seus “discípulos-ramos”, na esperança de que deles surjam bons frutos. Aqui cabe então a imagem do sangue, pois a seiva é para o reino vegetal, aquilo que nos animais e no ser humano é manifesto no sangue.
Prossigamos: Seu Sangue começa a fluir no fluir do nosso sangue, cada vez que nos denominamos Seus discípulos. Exteriormente a imagem não faz sentido, mas se percebemos que este fluir ocorre noutro âmbito, a imagem ganha força e veracidade: Cada vez que lemos, estudamos, interiorizamos Sua Palavra, ela começa a ganhar vida e fluir dentro de nós. A Boa-Nova do Seu Evangelho (a boa notícia, que se transmitiu pela palavra), não deve ser algo abstrato retido no intelecto humano, mas deve tornar-se num elemento vivo e poderoso que flui e transforma a vida daquele que se deixa permear por ela.
“… Eu sou a Videira, vós sois os ramos!”
Eis aí a bela e difícil tarefa de tornar-se discípulo: deixar fluir sua “seiva sangue” em nós que somos os ramos e deste modo, compenetrados com a força da sua palavra, poderemos vir a gerar bons frutos.
Assim chegamos à pergunta central:
Como nos tornamos permeáveis a força da Sua Palavra?
Outros talvez venha a formular esta pergunta de outra maneira:
Como percebemos o poder que flui do Seu Sangue, portador de Sua Palavra?
Neste ponto retornamos à frase de caminhão, mencionada no início.
Às vezes, nós – seres humanos – precisamos percorrer diferentes caminhos para, mais a frente, reconhecer que queríamos chegar a lugares parecidos.
O “incômodo” inicial com a frase do caminhoneiro, se diluiu um pouco e surgiu a sensação de que provavelmente aquele motorista, usando sua própria linguagem, estava tentando dizer a todos que quisessem ler em seu caminhão, algo sobre este empenho genuíno em tornar-se discípulo de Cristo. A limitação era minha em não haver percebido isto…
A videira é única, os ramos podem ser muitos e os frutos serão os mais diversos.
Nestes tempos confusos e contraditórios de pandemia, onde parece que crescem cada vez mais a intolerância e os motivos para nos separarmos e segregarmos dos que pensam diferente de nós, a lição aprendida com aquele caminhoneiro desconhecido, me fez refletir sobre a necessidade de maiores doses de humildade e de boa vontade, se queremos de fato nos tornar ramos desta Videira Verdadeira.
Renato Gomes