Reflexão para o domingo, 24 de outubro

Época de Micael

Referente ao perícope da Carta de Paulo aos Efésios 6

Longino — Mosaico da igreja do convento de Nea na ilha grega de Chios – século XI

Já no momento da morte de Jesus na cruz surge pela atuação do soldado romano, conhecido na coletânea de lendas medievais e no apócrifo de Nicodemus, como Longino, a figura do cavaleiro a serviço de Deus, que mais tarde se tornará o cavaleiro do Graal, a serviço da obra de fortalecimento da Terra e da natureza humana pelo sangue de Cristo. Esta figura também inspirou os templários entre os séculos XII e XIV, que eram ao mesmo tempo monges e cavaleiros e que se designavam como pobres cavaleiros de Cristo. O sangue do Graal, recolhido por José de Arimateia no cálice da Última Ceia, não é o sangue que correu dos seus flagelos e das feridas nas mãos e pés pelos cravos da Cruz, mas especificamente daquela ferida causada pela lança de Longino logo após o último suspiro, da morte de Jesus na cruz. A lança de Longino transpassa o corpo de Jesus pelo lado direito até o coração e abre as comportas para o fluxo desta nova substância viva, que agora deve jorrar por toda a Terra, o sangue de Cristo, a matéria completamente transformada pela força divina, a substância que supera as forças da morte e das trevas, a substância de vida primordial e da vida eterna. Longino, descrito na lenda como cego, passa a enxergar e se torna um cristão. No evangelho de João se descreve sucintamente este momento tão enigmático, em João 19,33-37. Os soldados romanos estavam prestes a quebrar as pernas de Jesus na cruz, segundo as normas romanas da crucificação. No entanto, a profecia dizia que seus ossos não seriam quebrados, como assim também, há séculos na celebração da Páscoa judaica, não eram quebrados os ossos do cordeiro Pascal. De uma maneira enigmática parece que a ressurreição dependia da integridade dos ossos no corpo do Messias. Sabemos realmente que dentro da substância morta dos ossos,  na medula, se forma a substância viva do sangue. Neste momento decisivo, como por uma inspiração divina, como retrata o olhar de Longino no mosaico acima, ele impele a sua lança, que transpassa o coração de Jesus, impedindo assim a ameaça da quebra dos ossos. Da ferida do cadáver flui inesperadamente sangue e água. Isto de um corpo morto inerte, de maneira tão surpreendente que, segundo as palavras do evangelho, quem vê reconhece a verdade e com isto encontra a fé. Segundo as visões de Catharina Emmerich, que sofria as dores da Paixão de Cristo pela sua estigmatização e podia com isto testemunhar, como um contemporâneo daquela época, os acontecimentos do Calvário, o sangue que saiu desta ferida jorrou com toda pureza e transparência, como de uma fonte de água viva, tendo sido acolhido por uma rocha ao pé da cruz, onde pôde ser coletado pelas mulheres, testemunhas do martírio, e mais tarde da ressurreição. O sangue divino foi liberado dos limites estreitos do corpo mortal de um ser humano, podendo ser integrado nos amplos círculos climáticos da Terra, na circulação da água de rios e mares com a atmosfera e as nuvens da Terra. Este sangue está completamento curado das forças do egoísmo e pode servir às forças divinas e cósmicas do amor. A Terra acolhe este sangue que flui do coração de Jesus, mas também mais tarde, na hora da descida do corpo de Jesus da cruz, José de Arimateia também o fará, se tornando assim um portador do Graal, da força transformadora do sangue de Cristo, do seu Eu divino. O ser humano que serve o Cristo se torna um portador do Graal, um cavaleiro do Graal. A lenda conta que José de Arimateia, por sua vez também seguindo uma inspiração divina, vai levar o Graal, o sangue de Cristo, para o Ocidente, espalhando gotas no solo desde o sul da França até as regiões mais ao norte da Irlanda. Com isto ele prepara o solo da Europa, mas também seus povos e aqueles que para lá migram, para que possam acolher mais tarde a palavra do evangelho, a palavra viva do Redentor. Posteriormente não se tem mais notícias do Graal, ele desaparece, pois agora não se encontra mais como uma substância viva no exterior, mas sim uma substância viva no interior, na alma do ser humano, no coração do cavaleiro do Graal.
Esta imagem de um cavaleiro a serviço de Deus tem sua origem nos mundos divinos, onde Micael dirige seus exércitos para lutar com as forças do dragão. Ele vence a batalha e joga o dragão e seu exército para a Terra. Como assim? Que enorme desafio Micael e seu exército jogam e deixam para a humanidade e para Terra! Isto é incompreensível, talvez até mesmo inaceitável vindo da parte dos seres divinos! No entanto, os atos dos exércitos celestes que não são tão compreensíveis para a lógica humana, refletem sempre uma necessidade, uma justiça dentro do mundo divino e cósmico. Assim chega a época no desenvolvimento da Terra e da humanidade em que as forças dos seres adversos, dos seres do mal não podem mais ser contidas pela regência divina, mas são um desafio para a alma humana, para o Eu Sou, que foi instituído por Cristo e poderá compartilhar das suas forças da ressurreição com a alma humana. Devemos às forças adversas o fato de podermos nascer como seres humanos, como cidadãos da Terra, abandonando a existência pré-natal em comunhão com o espírito. Na Terra, no entanto, poderemos encontrar o Cristo e servir à sua obra divina. Também devemos a estes seres do mal o fato de morrermos, o que por outro lado nos permite uma vivência do mundo pós-morte e, com a ajuda de Cristo, a formação de um novo carma para a próxima encarnação, ou seja, uma chance de desenvolvimento futuro. O processo exterior que acontece no corpo de maneira inconsciente entre o nascimento e a morte deverá no futuro acontecer de maneira consciente no interior da alma humana, ou seja, conduzir as forças do mal para que o bem possa persistir. Portanto, o desafio do futuro será que o ser humano se depare com as forças do mal, aprenda a reconhecê-las e a superá-las com as forças da ressurreição, com o Eu do Cristo. Cristo realizou seu ato de amor para permitir ao ser humano enfrentar este desafio no futuro.
As forças do mal não estão mais, como antes do advento do Cristo, controladas e compensadas por forças divinas para servir o bem. Elas foram liberadas e estão agora nas mãos da humanidade, predominando na ciência, na técnica, na industrialização e no comércio*. Todas as descobertas que envolvem eletricidade, magnetismo e radioatividade, ou seja, de origem técnica, estão a serviço das forças adversas. Isto traz consigo uma destruição do organismo vivo da Terra, um enfraquecimento da existência física do ser humano. Isto é inevitável, pois não poderá ser revertido por nenhuma atitude de retorno a uma existência „natural“. Devemos portanto estar preparados para aguentar uma época em que não será mais possível voltar ou recuperar a integridade exterior da vida original terrena. A integridade deve ser procurada numa relação interior da alma humana com o Cristo, para que, num plano superior, uma nova Terra e uma nova humanidade sejam possíveis no futuro. O ser humano do futuro será um cavaleiro a serviço do Cristo, do seu Eu superior e a sua armadura, a sua espada, o seu escudo e elmo serão qualidades da sua alma, que vai se espiritualizando pela atuação do Eu do Cristo, se iluminando, se purificando, se fortalecendo para enfrentar as forças exteriores de declínio cultural! Os templários tinham o costume de assistir à missa como cavaleiros, montados em seus cavalos. Nós também podemos aprender a vestir a armadura de cavaleiro, a nos preparar para lutar com o escudo e a espada de Cristo, celebrando o Ato de Consagração do Homem, recebendo o pão e o vinho como corpo e sangue de Cristo.

Helena Otterspeer

*conferências de R. Steiner da GA 177 dos dias 6 e 7/10/1917 em Dornach

Alexandre, o Grande de Rembrandt