Referente ao perícope de Lucas 18, 35-43
Heráclito, o antigo iniciado de Éfeso cunhou nas palavras: „tudo flui“ (Panta rei) uma profunda verdade. Tudo está em constante transformação, em constante devir. No fluxo da transitoriedade das coisas o ser humano pode sofrer muito nas crises do seu destino, sem poder ver o sentido dos acontecimentos, sem poder discernir a vontade divina, a meta espiritual no desenvolvimento da Terra. Ele então se encontra mendigando como o cego de Jericó à beira do caminho, que não percebe que está se manifestando diante de si uma força divina, eterna que já atua desde os primórdios dos tempos e está construindo o futuro. Ele se encontra deploravelmente à margem do caminho, à margem dos acontecimentos decisivos.
No entanto, o ser humano é questionador, ele quer romper as muralhas da transitoriedade para fundamentar sua existência no eterno, no espiritual. Assim o cego questiona sobre o movimento da multidão e fica sabendo que Jesus de Nazaré está passando! O cego eleva sua voz e chama por Jesus, filho de Davi. Nas suas palavras reside o sentido pela atuação do eterno no mundo sensível, transitório. Davi foi escolhido por Deus, desde sua infância, foi ungido por Samuel, se tornou o rei dos israelitas, apesar de muitas perseguições e perigos. Ele teve a visão do templo em Jerusalém, que então pode ser construído por seu filho Salomão. Enfim, apesar de todos os seus desvios e erros, ele conseguiu acolher em sua alma a força messiânica prometida para o povo israelita. Em seus salmos ouvimos palavras que mais tarde foram proferidas por Cristo, Ele mesmo!
Duas vezes se ouve o clamor alto do cego. Jesus Cristo para, resgatando aquele que se encontrava à beira do caminho e inserindo-o no fluxo dos acontecimentos. Jesus Cristo pergunta pela intenção do cego, sua pergunta é um estímulo para que este se torne consciente da sua natureza espiritual e aspire por fundamentar sua existência neste âmbito. O cego responde: “que Eu veja!“. No “Eu sou“ se manifesta o elemento espiritual eterno no fluxo da transitoriedade terrena. O cego, tendo ele mesmo despertado a força crística em si, faz a diagnose da sua “doença“ e prescreve a sua “cura“. Jesus Cristo apenas sela este processo com as palavras: “a tua fé te curou“. Com estas palavras os olhos do cego se abrem, como se caísse a muralha que o separa do espírito, como se ele tivesse encontrado a fonte de uma nova existência, a fé. Também a cidade de Jericó, considerada a mais antiga cidade do mundo, se formou como um oásis na região árida da Judeia, em torno de uma fonte. Outrora, quando o povo israelita, liberado do jugo egípcio, voltou à terra prometida e atravessou pela primeira vez o Jordão, Jericó foi a primeira cidade que “conquistou“. As poderosas muralhas caíram diante da força espiritual dos israelitas que, guiados por Joshua (outra forma do nome Jesus) e carregando a arca da Aliança com as tábuas da lei, circundaram por dias as muralhas da cidade de Jericó ao som das trombetas. Assim o povo israelita pôde conviver com os povos vizinhos exercendo sua missão espiritual.
O cego que se tornou vidente, vidente espiritual, segue o Cristo e manifesta a atuação divina em sua atuação. Agora ele mesmo será um portador do Espírito, um cristão e outros poderão conquistar a visão espiritual e louvar a Deus em pensamentos, sentimentos e ações.
Com o cego curado continuamos nosso caminho em várias etapas, até a festa de Micael. Queremos estar imbuídos pela força da fé. Queremos poder contribuir para o fluxo dos acontecimentos, que no momento muito nos abalam, no sentido de Cristo. O seu caminho o levou das profundezas de Jericó, situada a cerca de 300 m abaixo do nível do mar, às alturas do Gólgota em Jerusalém, quase 1000 metros mais elevada. Para os olhos exteriores se desenrolou o maior drama da Humanidade. Jesus Cristo sofreu a morte da Cruz! Para os olhos espirituais se iniciou a Ascensão da natureza terrena do ser humano para uma existência espiritual eterna!
Helena Otterspeer