Reflexão para o domingo

Referente ao perícope de Lucas 18, 35-43

Jericó é uma das mais antigas cidades de Israel (e do mundo) que se mantém habitada desde seus primórdios. Foi citada, inúmeras vezes no Antigo Testamento. No livro de Josué encontramos uma marcante narrativa que envolve esta cidade: Josué, genro de Moisés, recebe de seu sogro a tarefa de conduzir o povo Hebreu, que peregrinou pelo deserto por 40 anos, em sua etapa final até retornar à Terra Prometida. Jericó situava-se num local estratégico, na rota de acesso ao país dos hebreus. Por causa de sua localização, Jericó impedia a passagem, pois os habitantes da cidade não permitiam a Josué nem a seu povo que cruzassem por ali. A narrativa é extensa e marcada por muitas passagens e acontecimentos significativos. (Ver livro de Josué, primeiro livro após o Pentateuco, os cinco livros iniciais da Bíblia). A culminação desse episódio se dá por inspiração divina ao próprio Josué, que ordena que o povo circunde sete vezes as muralhas da cidade, carregando a Arca da Aliança e que toquem suas trombetas. No final da sétima circunvolução, ao soar das trombetas, as gigantescas muralhas de Jericó desmoronaram. O povo hebreu venceu aqueles que lhe barravam a entrada em seu país e consegue desse modo retornar à Terra Prometida. No trecho do Evangelho de Lucas desta semana, fala-se de um cego sentado à entrada de Jericó, pedindo esmola. Não se diz que ele esteja impedido de entrar na cidade, contudo é muito provável que os mendigos e pedintes daquela época tivessem de ficar do lado de fora, para não incomodar os moradores da cidade nem os viajantes que nela entravam. O fato é que ele está ali, do lado de fora, sentado, enquanto que, diante dele, as pessoas passam, entrando ou saindo da cidade. O cego permanece do lado de fora, um tanto alheio ao que se passa lá dentro. Sua cegueira é, de certo modo, uma muralha que o impede de perceber o que acontece além do seu limitado campo de observação. Ele ouve as pessoas passarem, mas não tem ciência de onde vem ou para onde estão indo ou o que fazem. Poderíamos também imaginar que sua cegueira o aprisiona dentro de sua própria muralha, e lhe impede de prosseguir sua própria jornada na vida, por isso permanece ali sentado.

“… havia um cego assentado junto do caminho, mendigando…”

Hoje o mundo passa por um momento de incertezas e preocupações. Muitos sentem como é difícil olhar para o futuro e prever algo, planejar a médio e longo prazo, criar imagens do que queremos fazer nos próximos anos. A crise que se abateu sobre a humanidade, de certo modo também nos colocou “assentados”, esperando à beira do caminho que tudo passe e a vida prossiga como era antes. Será que a vida prosseguirá como era antes? Esta dificuldade em ver mais além, de lançar um olhar para o futuro e planejar, pode também ser vista como uma cegueira ou um aprisionamento dentro de nossa própria muralha anímica, erguida pelo medo, pela insegurança e pelas dúvidas em relação às coisas que estão acontecendo a nossa volta.

Josué e o povo hebreu reconheceram que as muralhas de Jericó eram o fator que os impedia entrar em sua Terra Prometida. Por inspiração divina eles rodearam as muralhas, tocaram as trombetas e as muralhas caíram, abrindo-se assim o caminho. O cego à beira do caminho, ouviu que algo acontecia, que alguém especial passava por ali. Ele então tomou uma atitude, levantou-se, alçou a voz como trombeta e as muralhas de sua cegueira desmoronaram.

“… e o cego viu e O seguiu, glorificando a Deus!”

Cabe a cada um de nós nos perguntarmos, se há momentos em que estamos parados, sentados à beira do fluxo da vida esperando, porque não conseguimos ver um pouco mais além, pois presos estamos em muralhas internas que nos encobrem a visão do espírito. A paciência é, sem dúvida, uma virtude, a passividade, nem sempre. Não podemos mudar o curso dos acontecimentos atuais, apenas por vontade própria, isso, com certeza, ninguém pode. Contudo podemos ficar atentos ao que se passa à nossa volta, tomar atitudes, alçar a voz (não com gritos rebeldes ao vazio que não levam à mudança alguma, mas alçar a voz no sentido de deixar falar mais alto os impulsos mais profundos e verdadeiros, latentes na própria alma), sem perder o foco daquilo que nos é sagrado (Josué e o povo carregavam a sagrada Arca da Aliança enquanto rodeavam as muralhas; o cego se levantou quando ouviu o nome de quem estava passando). Assim, encorajados, podemos começar a derrubar as muralhas da cegueira espiritual que, por vezes, almeja se apoderar de nossa alma e quer nos impedir de prosseguir nosso caminho.

Renato Gomes

Reflexão para o domingo, 16 de agosto

Reflexão para domingo, 16 de agosto.

Referente ao perícope de Lucas 9, 1-17

Assim como Jesus enviou seus discípulos com a missão de anunciar o Reino de Deus e curar, nós somos enviados por Deus como peregrinos neste mundo. Podemos nos indagar sobre nossa disposição e atitudes perante a missão da vida. Quais os valores que cultivamos e como lidamos com as dificuldades e provações. A disposição de alma de peregrinos nos dá uma boa indicação. Embora os peregrinos tenham empreendido jornadas emocionantes em busca da transformação e de um encontro espiritual por milhares de anos, o peregrino não é simplesmente uma pessoa em uma jornada física por um mundo de aventuras. O peregrino vive dentro de cada um de nós e também nos acompanha em nossas jornadas cotidianas onde quer que estejamos e em todas as circunstâncias. Embora as indicações de Jesus aos seus discípulos nos pareçam demasiadamente severas quanto ao desapego de bens materiais, podemos pensar no princípio desse envio. Em outras palavras ele quer nos lembrar também da atitude perante a própria vida e poderíamos parafrasear sua mensagem mais ou menos assim: “Siga em frente da maneira mais simples e humilde, sem obstáculos aos seus movimentos e em perfeita fé”. Toda missão bem sucedida depende dessa disposição de alma. Estar satisfeito com a provisão que a vida nos proporciona pode ser, às vezes, extremamente difícil. De alguma forma, devemos nos contentar com os recursos limitados. Muitos enfrentamos dificuldades financeiras, insegurança e dúvida sobre a capacidade de sobrevivência no presente e no futuro. É possível viver contente em vez de se preocupar com comida, abrigo e roupas? Em tempos de crise pandêmica como a que estamos enfrentando, essa mensagem pode ser de grande ajuda, pois há muito medo e insegurança quanto ao que o futuro nos reserva. Podemos almejar a atitude de Paulo em sua carta aos Filipenses: “Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece”. Portanto, o que permite que os discípulos sigam em sua missão, confiantes e contentes, não são os recursos disponíveis, mas a ligação com aquele que os enviou. Essa ligação é o que lhes garante o cumprimento de sua missão e também sua alegria e disposição. O sentido de abundância nos dispensará no que necessitarmos para cumprir nossa missão pontual ou a de nossa peregrinação pela vida.

Carlos Maranhão

Reflexão para o domingo, 9 de agosto

Referente ao perícope Lucas 15, 11-32

Nossa pátria primordial é o mundo espiritual. Desta casa partimos para realizar nossa missão de vida terrena. Trazemos conosco uma herança celestial. Sobre nosso semblante brilha nossa estrela, centelha divina, nosso mais elevado e puro ser. Nosso tortuoso caminhar pelo mundo terreno, nos leva a esbanjar nossa herança. Trevas encobrem nossa estrela. Nos perdemos de nós mesmos. Muitas vezes sem saber como prosseguir, nos perguntamos: ‘Como cheguei até aqui? Para onde devo ir?’
Perder-se e encontrar-se fazem parte de nossa missão na Terra.

“Viver é uma questão de rasgar-se e remendar-se”
João Guimarães Rosa

“Cair em si” representa o momento onde tomamos consciência de nossos atos, de nossa situação. Talvez de maneira não totalmente consciente miramos nossa estrela, recordamos a casa de onde viemos. “Cair em si” é vermo-nos perante a encruzilhada com a pergunta: Quero seguir “esbanjando” minha herança divina? Quero assumir que me afastei de mim, da minha meta, da minha estrela? Se a resposta for positiva, vemos um ser humano ereto, erguido, permitindo que seu Eu permeie seus atos na Terra. Neste momento a encruzilhada transforma-se em caminho estreito, mas que conduz diretamente ao coração. Nosso relicário, o recôndito mais íntimo de nossa alma. E é nesse espaço onde posso admitir para mim mesma(o): ‘Pequei’ perante os céus (as hierarquias espirituais), perante o Pai e perante meu ser mais elevado. Reconhecer a separação e desejar voltar-se para o plano espiritual requer humildade. Assim como requer humildade dizer: “Faça de mim teu servo, tua serva”. “Não a minha vontade seja feita, mas a Tua”. “Não eu, mas o Cristo em mim”.
O retorno consciente à casa do Pai, durante nossa vida terrena gera imensa alegria no mundo espiritual. Este ato prepara a possibilidade de recebermos uma nova veste: Um corpo de luz radiante. Um anel: A aliança com as hierarquias divinas. Sandálias nos pés: Estrutura e fundamento na Terra e nos céus.
No mais, encerro esta reflexão com Guimarães Rosa…

“Rezar muito e ter fé. Porque as coisas estão todas amarradinhas em Deus”

Viviane Trunkle

Reflexão para o domingo, 2 de agosto

Época de Trindade

Referente ao Perícope Mateus 7, 1-14

“Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.
E por que reparas tu no cisco que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o cisco do teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o cisco do olho do teu irmão.”

Mateus 7, 1-5

O olho é um órgão muito sensível. Qualquer impureza nos incomoda bastante e nos impede de olhar o mundo. Um minúsculo grão de areia no olho pode ser tão dolorido, que faz com que a nossa atenção se volte completamente para essa sensação, talvez até tenhamos de fechar os olhos e não vejamos mais nada. Ter algo no olho e tentar ver o “cisco no olho do irmão” é, assim, algo impossível.
Isso é, fisiologicamente, assim. Mas, animicamente, não é assim que acontece, e muitas vezes ocorre até o oposto. Desenvolvemos uma atenção especial para as nossas fraquezas, precisamente quando outros também as têm. E não só desenvolvemos uma atenção, mas também uma aversão quando percebemos nos outros as fraquezas que temos, por vezes inconscientemente, em nós mesmos. Aquilo que fisiologicamente é impossível, “ver o cisco no olho do irmão e não reparar a trave no próprio olho” é, animicamente, a situação comum.
Por que isso é assim? Por que conseguimos ver tão claramente as fraquezas do outro, se nós mesmos não somos perfeitos? Isso ocorre porque não temos em nossa alma apenas as nossas fraquezas, mas também um sentimento do que seja o ideal do ser humano. Todos nós trazemos, profundamente semeado em nossa alma, os ideais humanos, aquilo que deveríamos ser, à imagem e semelhança divina, pela qual se iniciou a nossa criação. A realidade de todos nós é que ainda não realizamos esse ideal, pois ninguém é perfeito. Cada um está a caminho, com os seus dons e com as suas fraquezas. E cada um tem um pressentimento da meta a alcançar nesse caminho do ideal humano. Esse pressentimento do ideal é o que nos dá a possibilidade de perceber o que não está de acordo com esse ideal. Podemos reconhecer isso, apesar de que nós mesmos não sejamos perfeitos. Ver o cisco no olho do irmão é possível, apesar da trave em nosso próprio olho. Esse paradoxo é exatamente o que nos faz sermos seres humanos. Isso é possível porque temos em nós o pressentimento do ideal, e é o que oferece a possibilidade de nos desenvolvermos.
O problema não está em ver o cisco no olho do irmão. Está em não ver a trave no próprio olho. Podemos desenvolver uma atenção muito aguçada para as fraquezas dos outros e não perceber as nossas próprias. O presságio do ideal do ser humano, em nós, pode nos levar a duas direções: o conhecimento do outro e o autoconhecimento. Os dois caminhos são valiosos. Isso pode então nos levar a dois impulsos: querer educar o outro e a autoeducação. O impulso da autoeducação também é valioso, mas o impulso de querer educar o outro é a fonte dos grandes problemas sociais. Frutífero se torna apenas o caminho do autoconhecimento e da autoeducação.
O evangelho nos mostra um caminho sadio de desenvolvimento. Primeiro percebemos o cisco no olho do irmão, o que é normal. Mas essa percepção deveria nos ajudar a reconhecer a trave em nosso próprio olho. A percepção das fraquezas dos outros pode nos ajudar a ir um caminho de autoconhecimento. Então, nossa tarefa passa a ser a de tirar a trave do nosso próprio olho, ir um caminho de autoeducação. Então, e só então, teremos o direito de oferecer ajuda ao nosso irmão, para que ele próprio possa tirar o cisco do seu olho, caso queira aceitar a nossa ajuda.

João F. Torunsky

Reflexão para o domingo, 26 de julho

Época de Trindade
Referente ao Perícope Marcos 8, 27-33

Nesta breve conversa com os discípulos, Pedro nos surpreende: Num primeiro momento ele diz: “Tu es o Cristo!”, mostrando assim que é capaz de explicitar o que com certeza pulsava talvez não tão claramente na alma dos demais discípulos, mas logo a seguir, repreende o mestre, exigindo que não pronuncie aquelas palavras, pois ele, Pedro, não quer que aquilo aconteça (compare-se aqui o paralelismo com a narrativa mais detalhada de Mateus 16, 22). Pedro, neste momento, se advoga o direito de pedir a Cristo que silencie, que Ele se cale…

Pode o ser humano pedir a Cristo que se cale?
Ele, que é o Verbo, a própria essência da Palavra, pode ser calado?
Que sentido haveria se a força da palavra se calasse?

O poeta e escritor argentino, Horacio Guarany, compôs certa vez os seguintes versos:

Si se calla el cantor calla la vida
Porque la vida, la vida misma es todo un canto
Si se calla el cantor, muere de espanto
La esperanza, la luz y la alegría
Se se cala o cantor, cala-se a vida,
Porque a vida, a vida mesma, é toda uma canção,
Se se cala o cantor, morrem de medo
A esperança, a luz e a alegria.

O poeta aponta em seus versos que há situações que não podem ser silenciadas. Calar-se significa omitir-se, não querer se comprometer com situações injustas e opressoras que estão à nossa volta, por medo ou por comodidade…

“… pois o Filho do homem teria que padecer muito, seria rejeitado pelos anciãos e príncipes dos sacerdotes, pelos escribas, e seria morto (por eles)”

São estas as palavras que Pedro tencionava “calar”…
Enigmaticamente, em nossa época, estamos vendo um massivo desmantelamento de incentivos e estímulos a muitas iniciativas relacionadas à vida cultural (também neste contexto se encontram as atividades religiosas) que subitamente, deixaram de acontecer de forma livre e aberta e que agora estão diante de enormes dificuldades para reencontrar um caminho de volta… Em nosso país, mais explicitamente, se preconiza abertamente a censura e a proibição a muitas formas de manifestação cultural e ideológica que contrarie a maneira de pensar “dominante” do momento. É importante estar atentos às tais tentativas de querer fazer calar o que é diferente ou discordante daquilo que pensamos. Pedro estava tão próximo das intenções do mestre, ao reconhecê-lo como o Cristo, o Messias, mas no momento seguinte ficou tão distante…

“… afasta-te Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus!”

A atualidade desta narrativa do Evangelho (e de certo modo também do poema-protesto de Horácio Guarany) é surpreendente, se quisermos meditá-la à luz dos acontecimentos atuais. A essência do impulso espiritual que Cristo trouxe à Terra não pode ser calada, do contrário se “calaria” também a própria vida.

Que se levanten todas las banderas
Cuando el cantor se plante con su grito
Que mil guitarras desangren en la noche
Una inmortal canción al infinito
Que se levantem todas as bandeiras
Quando o cantor se instale com seu grito,
Que mil violões sangrem na noite
Uma imortal canção ao infinito

Que sempre nos seja possível lembrar que a mensagem de Cristo é comparável a um ‘canto’ que não pode nem deve ser silenciado pelo medo, pela opressão nem pelo comodismo. A tarefa é deixar soar Sua Voz, Sua Palavra, numa ‘canção’ que reverbere como mensagem do ser humano de volta ao infinito, ainda que para tanto tenhamos que suportar desafios e sofrimentos, inerentes ao próprio ato sacrificial de Cristo.

Renato Gomes

Segue abaixo o texto completo do poema, para aqueles que se interessarem.

Si se calla el cantor
Canção de Horacio Guarany, nome artístico de Eraclio Catalin Rodríguez Cereijo (Las Garzas, 15 de maio de 1925 – Luján, 13 de janeiro de 2017), foi um cantor nativista e escritor argentino. Esta canção tornou-se mais conhecida após a sua gravação pela cantora Mercedes Sosa.

Si se calla el cantor calla la vida
Porque la vida, la vida misma es todo un canto
Si se calla el cantor, muere de espanto
La esperanza, la luz y la alegría
Si se calla el cantor se quedan solos
Los humildes gorriones de los diarios,
Los obreros del puerto se persignan
Quién habrá de luchar por su salario
Que ha de ser de la vida si el que canta
No levanta su voz en las tribunas
Por el que sufre, ´por el que no hay
Ninguna razón que lo condene a andar sin manta’
Si se calla el cantor muere la rosa
De que sirve la rosa sin el canto
Debe el canto ser luz sobre los campos
Iluminando siempre a los de abajo
Que no calle el cantor porque el silencio
Cobarde apaña la maldad que oprime,
No saben los cantores de agachadas
No callarán jamás de frente al crimen
Que se levanten todas las banderas
Cuando el cantor se plante con su grito
Que mil guitarras desangren en la noche
Una inmortal canción al infinito
Si se calla el cantor calla la vida.

Reflexão para o domingo, 19 de julho

Época de João Batista

Referente ao Perícope Mateus 14

Na vida seguimos em determinada direção fazendo planos para o futuro e cumprindo nossas tarefas com esperança de que poderemos tranquilamente chegar a bom termo com nossos planos. De repente, surge uma tempestade, não prevista que destrói nossos planos e nos remete a uma situação de emergência. Precisamos nos acalmar, nos recolher, buscar forças, remanejar, planejar de novo, buscar recursos externos e internos. Onde podemos encontrar forças? O que nos consola e traz paz interior para continuar? Será que a crise imprevista nos aponta para algo que havíamos ignorado? O que ela nos indica? O que negligenciamos? Pode ser que ela nos aponte justamente para o que é nossa missão, que no plano inicial não havia sido contemplada, ou talvez tenha ficado adormecida e precisa ser reavivada.
Quando Jesus soube da morte de João Batista ele se retirou para rezar e depois voltou a efetuar curas. Sobre a morte trágica e violenta que João sofreu, Jesus não pronunciou nenhuma palavra. Mas certamente em seu íntimo sentiu a dor da partida de seu amigo e precursor. Qualquer pessoa que tenha visto alguém com quem se importa morrer pode entender por que Jesus buscou a solidão quando soube da morte de João. Jesus viu no destino de João um prenúncio da cruz que estava no fim de sua vida na Terra. No entanto, como João, Jesus não se esquivou do custo de sua missão. João sai de cena, pois como ele mesmo havia dito ele devia diminuir para que Jesu pudesse crescer. Isso não significa que sua partida devesse ser de uma forma tão terrível. Mas a realidade espiritual por trás dos fatos é a que Jesus pôde vivenciar ao retirar-se. Constatou que João partiu da Terra, mas continuou presente em espírito, ele havia cumprido sua missão e deixava o palco para o que deveria seguir: a obra do Messias. Ao perceber a multidão que o seguia, não permitindo que pudesse ficar só em seu luto, poderíamos imaginar que lamentasse, mas ao contrário Jesus tem compaixão por aqueles que o buscam e, podemos dizer que ele honra o martírio de João ao continuar o seu trabalho e a sua missão, porque afinal era isso que João havia anunciado e indicado aquele que viria para tirar o pecado do mundo. Embora Jesus sofra a perda de seu querido amigo, seu sofrimento o capacita para cumprir seu trabalho. No meio de sua dor emocional, Jesus se voltou para fora, em vez de para dentro. Em vez de se entregar e pensar ‘ai de mim’, ele se volta para servir e amar as multidões. Na vida nós sofremos perdas, algumas muito dolorosas e é natural que nesses momentos queiramos apenas nos retirar para, no luto processar a perda. Mas a vida nem sempre permite essa retirada, ela continua com suas demandas. É necessário muita força de espírito para dar conta disso. Quando isso acontece podemos nos lembrar que aquele que sempre nos acompanha na alegria e no sofrimento nos consola, pois por experiência conhece o que sentimos. Ele é a fonte de onde retiramos força para continuar nossa jornada.

Carlos Maranhão

Reflexão para o domingo, 12 de julho

Época de João Batista
Referente ao Perícope João 5, 31–38

Neste perícope Cristo fala de três formas de testemunhos verdadeiros. O testemunho do outro, das obras e do mundo espiritual. Essas três formas podem nós ajudar no caminho do desenvolvimento interno?
O que recebemos do outro como testemunho, é como um espelho para nós. Através do espelhamento percebemos os efeitos dos nossos pensamentos, sentimentos e ações no mundo. Eles podem estar em harmonia com o nosso redor ou criar conflitos. Assim recebemos em cada encontro um testemunho da nossa atuação no mundo. Isso pode nos ajudar no nosso desenvolvimento.
Com nossas obras podemos estar voltados para o mundo físico, para o material. Nesse caso elas provavelmente darão testemunho do nosso sucesso na vida, da nossa riqueza e da nossa posição social. Nossas obras também podem estar mais voltadas para o social e para o espiritual. Nesse caso, elas talvez não sejam visíveis no mundo, mas também darão testemunho sobre nós. Nossas obras dão testemunho de nosso caminho aqui na Terra. Eles podem nós lembar do foco da nossa vida, do nosso eu.
O mundo espiritual também dá testemunho de nós. Ele o dá da essência espiritual divina no eu de cada um de nós. De nosso potencial em sermos um ser espiritual encarnado na Terra e de transformarmos a Terra através do espiritual. Esse testemunho, recebemos incondicionalmente. A nossa tarefa é desenvolvermos esse potencial.

Julian Rögge

Reflexão para o domingo, 5 de julho

Época de João Batista
Referente ao Evangelho: João 1, 19-34

„Quem és tu?

Eu sou a voz que clama na solidão: preparai o caminho do Senhor …“

João 1, 19 e 23

Duas das perguntas mais importantes da nossa atualidade são: “quem sou eu?“ e “quem és tu?“ A primeira pergunta “quem sou eu?“ tem a ver com o caminho do ser humano de se individualizar, de se libertar dos relacionamentos sociais que, no passado, definiam as pessoas na sociedade: membros de um povo e de uma família, com uma determinada profissão e posição social. Hoje, a procura da resposta para a pergunta “quem sou eu?“ nos leva sempre mais a perceber que a nossa verdadeira individualidade, o nosso eu, não pode ser definido pelos relacionamentos sociais. O relacionamento com os outros é muito importante para nos encontrarmos a nós mesmos, muitas vezes percebendo no outro quem nós não somos e como nós não queremos ser. A procura da resposta para a pergunta “quem sou eu?“ nos leva a prestar atenção para uma voz que fala no íntimo de cada um de nós, que nos dá uma orientação para aquilo que queremos realizar nesta vida, para aquilo que é ou não coerente com nós mesmos, que nos dá um sentimento de autenticidade.
Mas seguir o caminho de se libertar das coações sociais, que querem determinar quem eu sou e o que eu tenho de fazer, de procurar quem realmente somos, traz o perigo de nos tornarmos indivíduos associais, que pensam somente em si mesmos, que têm como meta na vida somente “se realizar“, que perdem o interesse pelo outro, e não assumem suas responsabilidades perante a sociedade. Por isso, quanto mais vivemos com a pergunta “quem sou eu?“, tanto mais precisamos viver, ao mesmo tempo, com a pergunta “quem és tu?“. É muito difícil encontrar a resposta para a pergunta “quem sou eu?“. Pois ainda mais difícil é encontrar a resposta para a pergunta “quem és tu?“.
Facilmente reconheceremos que não nos agrada sermos determinados pela sociedade, mas nem sempre nos é evidente que determinamos o outro por aspectos sociais: membro de um povo ou uma família, com uma determinada profissão e posição social. E ainda mais problemático é nossa tendência de definir o outro pelas experiências que tivemos com ele no passado. Se não posso ser definido por esses aspectos, tampouco posso eu definir o outro assim. É necessário abrir mão de todos os nossos preconceitos sobre o outro, reconhecer que, na verdade, não nos conhecemos uns aos outros, é necessário despertar o interesse de querer encontrar o outro no seu eu verdadeiro, e realmente viver com a pergunta: “quem és tu?“. Também no outro existe uma voz, no seu íntimo, a qual ele está procurando. Meu impulso pode ser ajudá-lo a encontrar essa voz, para que ele seja autêntico consigo mesmo.
João Batista é o grande precursor nesse caminho de procura da voz que clama na solidão de cada um de nós. A sua resposta pode ser a resposta arquetípica para cada um de nós: “o Eu é a voz que clama na solidão da alma: prepare o caminho para que possamos encontrar o Cristo em nós, mas também o Cristo no outro“.

João F. Torunsky

Reflexão para o domingo, 28 de junho

Época de João Batista
Referente ao Evangelho: Marcos 1, 1-12

“… e logo que saiu da água, viu os céus abertos”

João Batista introduzia as pessoas nas águas do rio Jordão. Este ato pode ser considerado como o início do próprio Cristianismo, pois a intenção era abrir, mudar, transformar a consciência daqueles que se submetiam a este procedimento, a fim de que se tornassem mais receptivos ao que (e a Quem) estava por vir. João conclamava o povo a fazer a experiência da “metanoia” (palavra grega que significa mudança, transformação). O ato de mergulhar (também do grego “baptimós” = imersão) era em si o próprio batismo. A intenção de João era batizar, ou seja, submergir as pessoas nas águas do rio Jordão. Em algumas igrejas cristãs esta cerimônia de imersão é repetida até os dias de hoje. Tradicionalmente, em muitas vertentes do cristianismo, este ato se simplificou ao contato apenas da testa com uma pequena porção de água, em geral realizado na primeira fase da vida, pois ser batizado, muitas vezes foi entendido como ser acolhido na comunidade de Cristo, algo que deveria acontecer o mais cedo possível na biografia humana. O batismo sempre foi entendido, portanto, como um ato sacramental que não se repete na vida, pois ao ser batizado, o ser humano se introduz (ou foi introduzido) na corrente espiritual do próprio cristianismo que flui dentro do fluir da história da humanidade. Esta compreensão sobre o batismo se ancora na vivência de que este ato deixa uma marca profunda e duradoura na constituição do ser humano. Entretanto, nos tempos modernos, quando nossa maneira de ver a vida está bem mais orientada para as impressões que nos são dadas pelos sentidos, fica cada vez mais difícil observar ou perceber esta “marca”, pois é imperceptível exteriormente. Pode então surgir a pergunta: Uma vez “imersos/batizados” neste fluir espiritual, não poderia talvez ocorrer uma saída deste fluxo? E se chegarmos a sair do fluxo, é possível retornar a ele? Estas são perguntas importantes que todos nós deveríamos fazer, para que o profundo significado do batismo não se limite a algo nebuloso, obscuro ou apenas com importância tradicional na consciência do cristão moderno. Retornemos ao ato do batismo imersão original. Os Evangelhos não nos dão muita informação, contudo, é óbvio que todos que eram submersos nas águas, depois de um tempo emergiam.

“(…) e logo que saiu da água (…)”

Independentemente do tempo que João mantinha as pessoas dentro das águas do rio, o mais importante era o efeito sutil deste processo. Trata-se de uma forte experiência sensorial, sair do elemento terra, que nos dá sustentabilidade e equilíbrio, onde nos sentimos firmes e confiantes, e entrar no aquoso. Ali “perdemos o chão”, desaparecem muitos pontos de apoio conhecidos. Debaixo d’água, estamos também privados de outro elemento: o ar.  Para submergir é preciso levar “certa reserva” de ar nos pulmões. Submergir, portanto, significa deixar o mundo conhecido, entrar em contato com um elemento onde regem outras forças, além de ser necessário levar consigo uma reserva, “um hálito” daquilo que conhecemos no mundo onde nos acostumamos a viver. Se transportamos tudo isto para  uma vivência anímico espiritual, poder-se-ia então dizer, que a principal intenção do Batista, era, por meio deste batismo na água, ajudar a alma humana a deixar o terreno firme das vivências que se apoiam exclusivamente no seguro terreno sensorial, para que ela pudesse então adentrar noutro elemento, que possui leis e regras próprias, onde num primeiro momento os pontos de apoio e referência conhecidos desvanecem.  Para não “sucumbir” neste mundo diferente, é necessário levar um “hálito” do que conhecemos, pois do contrário não conseguiríamos permanecer ali. A cada noite nossa alma adentra neste elemento espiritual, contudo nossa consciência adormece e deixamos de ter a capacidade da lembrança do que vivenciamos por lá. O trabalho espiritual e religioso visa, em sua essência, nos capacitar com este “hálito”. Quanto mais, durante nossa vida em vigília, exercitemos adentrar os conteúdos espirituais com consciência, tanto maior será, com o tempo, nossa capacidade para permanecermos “imersos” e conscientes neste elemento do espírito.  Neste sentido poderíamos entender o batismo de João como um exercício, um treino, para o que estava por vir. O mais importante acontece num âmbito sutil da vida. Desta forma, na atualidade, poderíamos também dizer, que o batismo no sentido cristão moderno, não é um ato que termina no final da cerimônia, mas que o indivíduo, se assim o desejar, pouco a pouco vai aprendendo a exercitar e a repetir o batismo mergulho cada vez que adentra com consciência os conteúdos e as vivências espirituais.  O cristão moderno, pode se “batizar/imergir” repetidamente no fluxo espiritual de Cristo, em cada oração ou meditação de conteúdo cristão, em cada vivência sensorial espiritual do culto cristão. É necessário “mergulhar” cada vez de novo, no fluxo do espírito; do contrário, corre-se o risco de ficar apenas na “margem”, vendo o fluxo passar, mas sem conseguir alcançar uma experiência verdadeira. Se assim ocorresse, nosso cristianismo se tornaria pouco a pouco um discurso teórico.
Do mesmo modo que não é possível aprender a nadar, apenas com teoria, mas é necessário se atirar à água em algum momento. Assim também com a vivência do espírito. Tudo isto é um enorme desafio para a consciência moderna, apoiada quase que unicamente no seguro terreno das vivências sensórias!

“(…) e logo que saiu da água, viu os céus abertos (…)”

Entretanto, se algo disto faz sentido para nós, podemos com coragem mergulhar nesta “aventura” (no sentido literal: “aventura” provém do latim “advenire”, lançar-se ao que está por vir). Somente assim os “céus se abrem”, ou seja, os conteúdos espirituais se tornam realidade para a alma humana, pois se rasgam os véus que nos impedem hodiernamente vislumbrá-los de modo direto. João Batista continua sendo para nós a voz que nos encoraja a nos atirarmos à corrente do Espírito!

Renato Gomes

Reflexão para o domingo, 21 de junho

Época de Trindade
Referente ao perícope João 17

É alentador ouvir de Cristo em sua oração sumo sacerdotal que ele orou pela unidade de seus discípulos: “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela tua palavra hão de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” Vemos quão importante era a questão da unidade para ele, pois sabia muito bem que na humanidade de então e do futuro somente a união com ele poderia ajudá-la a superar o mundo de separação e de conflito.
Porque pelo fato de o Filho de Deus estar aqui no mundo e ter completado sua missão, algo fundamental mudou para nós. Não estamos mais separados de Deus, mas Cristo nos uniu a Deus. Quando ele veio ao mundo, somente ele era a ponte para o céu. Mas então ele começou a construir uma ponte permanente na terra, ensinando seus discípulos e compartilhando-os nas obras de Deus, em seus milagres e curas. Isso os fez parte da ponte. E essa ponte que ele edificou entre nós e o Deus Pai é o que nos permite estabelecer a conexão uns com os outros sobretudo em momentos de crise. Na crise atual há a recomendação de isolamento social, mas há também a realidade de estarmos unidos em uma pandemia que abarca todo o planeta. Nunca estivemos tão separados e ao mesmo tempo nunca estivemos tão unidos na mesma condição. Cristo ora para que tenhamos olhos para próximo, para que não temamos estabelecer contato, para que nos coloquemos no lugar do outro, para que perguntemos o que o outro necessita e trabalhemos para satisfazer sua necessidade, para que possamos dar conforto e esperança, seja qual for o meio de conexão que tenhamos disponível. Quando as pessoas estão conectadas, elas são receptivas ao segredo do amor divino. Cristo orou por nós e sabia das nossas necessidades. Apesar das diferenças tão gritantes em nossa época no que diz respeito a renda, oportunidades, convicções religiosas, políticas, filosóficas, o fato é que somos todos concidadãos desse planeta. A consciência em Cristo nos une em nossa condição fundamental, substancial de sermos todos filhos de Deus.

Carlos Maranhão