Reflexão para o domingo, 14 de junho

Para domingo, 14 de junho de 2020

Época de Trindade
Referente ao perícope João 4, 1-42

No encontro da mulher samaritana com Jesus, após o diálogo entre eles, um detalhe passa despercebido: “A mulher deixou o seu cântaro e foi à cidade(…)”.
Na imagem acima, vemos a samaritana chegando ao encontro, no poço de Jacó, com seu cântaro na cabeça.
O que é um cântaro? O cântaro (bilha, ânfora) é um artefato usado desde a antiguidade como urna decorativa ou mesmo um receptáculo. Por ter a forma sempre com uma abertura em cima traduz também uma noção de receptividade das coisas celestes. Em diversas culturas seu simbolismo está vinculado ao sentido de que guarda os tesouros. Traduz para muitos também o simbolismo de reservatório de vida, onde sob diversas formas guardaria: o tesouro da vida espiritual, o elixir da vida, o segredo das metamorfoses, etc.
O cântaro é símbolo de espaço receptivo, seu formato, muitas vezes se assemelha a um útero. O receptáculo a ser preenchido com a nova vida. Nossos corpos físico e vital são cântaros que recebem a alma e o espírito. Por sua vez, a esfera do pensar, cujo órgão é a cabeça, representa o cântaro para a receptividade da ideia pura, a que é emanada do Logos. A esfera do sentir, no coração e pulmão recebe o amor divino. E a esfera do querer traduz em atuação no mundo, ideia pura e amor divino. Uma imagem complementar ao pensar, sentir e querer é a que encontramos nos céus, na imagem da constelação de Aquário. Antigas culturas, tinham ainda a percepção dos seres que permeavam as constelações. O ser da esfera de Aquário era o que vertia de seu cântaro a fluidez para curar o que estava enrijecido, seco e estanque. Talvez não tenhamos mais a consciência desperta para os seres das constelações, mas nem por isso eles deixaram de atuar… Aquário em nós, representa o auxílio para equilibrarmos as forças do pensar, sentir e querer. Para que o pensar não seja enrijecido, o sentir não seja seco e o querer, nosso atuar no mundo, não se estanque.


Voltemos à samaritana. Ela traz para o encontro seu cântaro preenchido das forças espirituais que atuavam até então na humanidade. Tudo o que já tendia para o enrijecimento. Em seu encontro com Jesus, ela se permite perceber a fluidez da água viva. A samaritana está em equilíbrio com suas forças do pensar, sentir e querer. Ela realiza com Jesus a chegada da transição dos tempos. Tudo o que pertencia ao passado, pode dar lugar ao novo. Ao Logos encarnado que está diante dela: “Eu Sou, quem fala contigo.” Ela está preparada para deixar o seu cântaro (imagem acima) até então receptor das antigas correntes e tornar-se ela mesma cântaro preenchido pela água viva, pelo Logos, pelo Verbo. Sua ação no mundo? Anunciar.
“Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será ele o Cristo?”
E: “Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus por causa da palavra da mulher que testemunhava”
Que a maravilhosa mulher samaritana nos inspire a deixarmos nossos cântaros onde se acumulam antigas estruturas enrijecidas, secas e estanques a impedir nossa evolução. Que nos inspire a nos tornarmos cântaros receptivos da Água Viva, do Eu Sou e termos forças para anunciar e testemunhar!

Viviane Trunkle

Reflexão para o domingo, 31 de maio

Reflexão para domingo 31 de maio de 2020.
Época de Pentecostes
Referente ao Perícope de João 14, 23 – 31

O Ato dos Apóstolos, em seu segundo capítulo, nos conta que no dia de Pentecostes  os discípulos estavam reunidos na casa onde haviam celebrado a Última Ceia e que, subitamente, um fogo dos céus apareceu sobre eles se fragmentando em línguas de fogo que descenderam e repousaram sobre cada um dos doze discípulos de Cristo. A partir deste momento eles ficaram “plenos do Espírito” e começaram a anunciar a Boa Nova de Jesus Cristos a todos os povos.  Eles tornaram-se apóstolos (palavra grega que traduzida quer dizer “enviado”) e, até o final de suas vidas, se dedicaram a levar esta mensagem a todos os lugares que visitaram. Esta “flama divina” jamais se extinguiu de seus corações e de suas consciências.  Desde então a tradição cristã relembra todos os anos, nos 50 dias após a páscoa, a vinda do Espírito Santo.
Na Comunidade de Cristãos, temos o costume de ler na celebração deste dia o trecho final do capítulo 14 que inicia com as palavras:
“… Quem me ama de verdade, guarda minhas palavras”
Podemos refletir sobre esta frase à luz da narrativa do acontecimento de Pentecostes: O que significa “guardar” sua palavra?
– Guardar na consciência, estudá-la, memorizá-la, aprofundar-se na compreensão de seu significado.
– Guardar no coração e deixar que Sua Palavra seja em nós um depurador de nossa alma, um lapidador de nossos sentimentos. Há inúmeras passagens nos Evangelhos, em especial nas parábolas, que podem nos ajudar em momentos de dificuldades, quando sentimos medo, solidão ou angústia. São palavras que trazem fortalecimento e consolo.
– Guardar Sua Palavra no mais profundo do nosso ser e utilizar os ensinamentos de Cristo como impulso para atuar na vida, impulsos para vencer o próprio egoísmo, para atuar de forma coerente na vida.
Tudo isto pode ser entendido a partir desta exortação: “guardar!”
Pode-se ainda ampliar o processo:
No início do evangelho de João, o evangelista se refere a Cristo como o “Verbo Divino”, o “Logos”, ou seja, a “Palavra”. Se tomamos esta expressão não apenas como uma alegoria, mas como uma realidade, significa que a força do ser de Cristo vive na palavra, Cristo mesmo vive em Sua Palavra. Neste sentido, guardar Sua Palavra, significa incorporá-la e incorporá-lo ao mesmo tempo, significa compenetrar-se com esta palavra que representa seu Ser. O texto do capítulo 14 prossegue:
“… e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.”
Guardar a palavra de Cristo é permitir que Ele adentre em nossa alma e que habite em nós, em nossa consciência, em nosso coração, nos impulsos que nos levam a atuar no mundo.
Vimos como o impulso de Pentecostes permaneceu aceso nos discípulos por toda sua vida terrena. Foi esta “chama divina” que os levou a todos os lugares onde deviam ir e lhes deu coragem quando tiveram que superar dificuldades.
Num sentido moderno, podemos dizer que Pentecostes hoje pode ser vivenciado a partir da exortação expressa pelo próprio Cristo no capítulo 14 aos discípulos, ou seja, a todos aqueles que, também na atualidade, querem se tornar Seus discípulos. Pentecostes acontece hoje, cada vez que nos esforçamos para “guardar” em nós algo de seu impulso espiritual. Cada vez que nos esforçamos para vivificar em nós este impulso transformador e nos sentimos imbuídos da vontade de ir ao encontro do outro para ajudá-lo, para consolá-lo, para nos confraternizarmos com ele. Nosso tempo urge por este impulso, urge por seres humanos que estejam imbuídos genuinamente de impulsos fraternos e solidários com o próximo. Tais impulsos devem também se estender a todos os seres da natureza, no cuidado, no respeito e na proteção aos seres vivos e ao meio ambiente.
Pentecostes, portanto, não é uma festa para recordar algo que já aconteceu. Trata-se do desafio diário de cuidar para que Sua Palavra não se perca ou se enrijeça no coração humano, mas que se torne algo vivo, para que a “vida pura de Cristo” vibre como fogo espiritual em nós.
Imbuídos deste fogo, fica então evidente o que Ele mesmo quis dizer ao final desta exortação: “… ergamo-nos, agora podemos sair deste lugar!”
Pentecoste não é algo para ficar limitado a uma pessoa ou a um pequeno grupo ou a um determinado lugar. É preciso sair pelo mundo e levar a todas as criaturas a força espiritual que flameja em Sua Palavra e que se tornou viva dentro de nós.

Renato Gomes

Reflexão para o domingo, 24 de maio

Referente ao perícope João 16, 24-33

Antes da ascensão, antes mesmo de reaparecer após a ressurreição, Jesus se despediu de seus discípulos e em seu longo discurso de despedida no Evangelho de João, temos sua promessa que, apesar da dispersão e do sofrimento ao qual estariam sujeitos seus discípulos no mundo, eles deveriam ter na consciência que ele venceu o mundo. Jesus não negou que os discípulos no mundo tenham aflições e medo. No entanto, ele não queria tirá-los do mundo, mas queria enviá-los ao mundo como testemunha. Jesus ainda não havia sido crucificado e tampouco ressuscitado. Ainda assim, ele diz: “Eu venci o mundo.” Jesus viu a crucificação e a ressurreição como um fato, embora ainda não tivesse acontecido. A vitória da cruz e a ressurreição aconteceriam nos próximos dias, mas Jesus já via isso como um fato. Esse foi o ponto em que os discípulos tiveram mais problemas. Eles só podiam acreditar se algo já tivesse acontecido. Eles podiam acreditar quando viram por si mesmos. Agora era a hora de começar a acreditar. De fato, eles continuaram tendo dificuldade em acreditar. Eles mostraram isso quando Jesus os visitou após sua ressurreição. Eles duvidavam da ressurreição de Jesus, mesmo quando ele já havia ressuscitado. Jesus queria ajudar seus discípulos a acreditar no que haveria de acontecer. Enquanto vivemos neste mundo, sofremos do poder do mundo: morte, doenças, ódio, rejeição das pessoas, violência, catástrofes, conflitos, crises. Assim como seus discípulos, há momentos em que é difícil manter a confiança de que o poder da morte tenha realmente sido vencido, sobretudo quando ouvimos a cada dia uma contagem mórbida de mortes ao redor. Somente, quando mantemos na consciência a força da ressurreição de Cristo e a convicção de que ele ascendeu aos céus para, a partir das nuvens, das forças etéricas que encobrem a Terra, ele passar a estar disponível para cada um de nós como uma força espiritual, é que nos vem a força que garante ser a morte apenas física. A morte que ele venceu nos garante a vida eterna, e nos garante mesmo antes uma força espiritual de confiança de que o que há de prevalecer no futuro da humanidade é o elevar-se acima do vínculo sombrio com as forças da morte.
Assim, podemos manter a promessa de Jesus em nossos corações. “Mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” Ainda não podemos vencer o mundo, mas podemos acreditar que Jesus venceu o mundo. Temos medo no mundo, mas podemos vencer o medo, porque Jesus é o Senhor do mundo. Em Jesus, podemos ter paz, não importa o que aconteça. O que devemos superar? O que nos assusta? Superamos o medo pela força do Cristo em nós, não meramente pela fé, mas também pela vivência interior do Cristo, ela passa a ser um conhecimento, um reconhecimento, pois desperta em nós a força imbatível do amor que é justamente o contrário do medo e que o impede de penetrar em corações plenos do Cristo. Ele conquistou o mundo para nos dar essa vitória. Ele ressuscitou para que possamos ter vida eterna. Jesus amou seus discípulos até o fim e os ajudou a confiar nele, para que pudessem ter paz nele. A partir dessa convicção, podemos ser testemunhas de que Jesus é o vencedor do mundo. Também podemos compartilhar sua vitória, percebendo-a em nossa vivência de sua presença. Somos vitoriosos porque compartilhamos sua vitória.

Carlos Maranhão

Reflexão para o dia de Ascensão

Sim, cada vez mais vivo.
– mais profundo e mais alto –
Mais entrelaçadas as raízes
e mais soltas as asas!

Liberdade do bem enraizado!
Segurança do infinito voo!

Juan Ramón Jiménez

A Ascensão de Cristo nos convida a olhar para os céus. Faz o convite de nos entregarmos à leveza.
Este gesto alcançamos, assim como descreve o poeta, ao estarmos com os pés firmes no chão.
Como elevar o olhar em direção ao que vem do futuro, sem devaneios? Como soltar as correias que nos aprisionam excessivamente ao físico?
Aquele que passou pela paixão, morte e ressurreição nos indica uma direção: Ele caminhou em liberdade para a dor, com pés firmes no chão a atravessou, mantendo no coração o calor do amor que pulsava pelo mundo.
Criamos equilíbrio entre o mais profundo e o mais alto quando mergulhamos em nossa escuridão, acolhendo e sutilizando no coração o que em nós perdeu a essência divina. Assim, calor e amor ascenderão para a luz.

“Liberdade do bem enraizado
Segurança do infinito voo.”

Todo o fardo liberto em equilíbrio, nos aproxima cada vez mais da vinda do Espírito Santo.

Viviane Trunkle

Reflexão para o domingo, 17 de maio

Referente ao Perícope João 14

Todo o capítulo 14 do Evangelho de João tem, como pano de fundo, a relação entre o Pai, o Filho, o Espírito Santo e os seres humanos. Nele o Cristo se despede dos discípulos. Ele diz que irá para o Pai e o Pai enviará o Espírito Santo, o Espírito da Verdade. Porém os discípulos não compreendem. À pergunta de Tomé, Cristo responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” Com o ‘Eu sou’, Cristo nos mostra uma possibilidade de nos aproximarmos do mundo espiritual. Ele aponta para um caminho em direção ao Pai e ao Espírito Santo através dele.
Os seres espirituais respeitam totalmente a nossa liberdade. O impulso de nos relacionarmos com eles, deve partir de nós. Precisamos dar o primeiro passo para trilhar o caminho em direção ao Divino. Um primeiro passo pode ser procurarmos sentir e entender a verdade eterna. A verdade que permeia tudo e da qual o Cristo nos fala. A verdade que vem do Espírito Santo. Ao estarmos atentos, descobrimos a verdade em tudo ao nosso redor: Na beleza de uma pedra, na simetria de uma flor, na sabedoria de uma colmeia. Toda a natureza é repleta de verdade e sabedoria. Procurando em nossa vida e em nossa alma a encontramos também: No destino da nossa biografia, nos encontros com outras pessoas, no diálogo com o mundo espiritual e nas palavras do Cristo.
O sopro da verdade que descobrimos muda a nossa vida? Ela vai se tornar essencial para nós? A procura da verdade ganha sentido quando tentamos integrar cada descoberta em nossa vida; quando a verdade muda a nossa vida. Podemos atuar da mesma maneira na natureza, nas relações humanas e no relacionamento com o Divino quando percebemos que tudo é repleto da mesma verdade?
O ‘Eu sou’ pode se tornar uma prática diária: A cada dia começar novamente o caminho, descobrir sempre de novo a verdade e deixá-la penetrar e mudar nossa vida. Assim estaremos com Cristo no caminho para o Pai e o Espírito da Verdade.

Julian Rögge

Reflexão para o domingo, 10 de maio

“A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza porque é chegada a sua hora; mas, depois de ter dado à luz a criança, já não se lembra da aflição, pelo gozo de haver um homem nascido ao mundo.”

João 16, 21

O parto de uma criança é um processo arquetípico para todos os fenômenos que têm relação com um caminho de desenvolvimento. Um dos aspectos do desenvolvimento é que ele pode trazer dor e sofrimento. Por incrível que pareça, em relação ao parto, existem realmente mulheres que não se recordam da dor, do sofrimento quando deram à luz. Com certeza outras mães nunca se esquecerão destas aflições. Mas seja como for, o sofrimento durante um parto tem um significado único: ele é necessário para que a criança possa nascer. O nascimento da criança, como fato, dá um sentido ao sofrimento da mãe.
Este é um processo arquetípico que podemos reconhecer no parto de uma criança e que podemos observar que se repete em todos os processos de desenvolvimento que percorremos individualmente durante a nossa biografia. Em geral a dor, o sofrimento, a aflição, que são necessários para o nosso desenvolvimento, se mostram muito claramente. Mas aquilo que de futuro está nascendo nem sempre se mostra tão evidente em nossa vida, como ocorre na gestação e no parto de uma criança. Por isso, quando estamos sofrendo e concentramos toda a nossa atenção apenas no sofrimento, corremos o risco de entrarmos em desespero. Pois um sofrimento que não tem a qualidade das dores do parto, ou seja, que possibilita o nascimento de algo novo, não faz sentido. Sofrer sem reconhecer um sentido no sofrimento é o que pode nos levar ao desespero.
Durante um sofrimento é necessário procurar viver com a pergunta: o que está querendo nascer de futuro em nossa vida? A resposta não receberemos necessariamente de imediato. Do mesmo modo, a mãe nem sempre tem um sentimento nítido de qual individualidade ela está servindo para que possa nascer. Só depois do parto, acolhendo o bebê em seu colo, ela poderá ver quem é aquele que estava formando um corpo em seu ventre e que agora vem ao mundo. Assim também acontece conosco, quando às vezes temos de viver muito tempo com a pergunta e somente depois de termos passado por todo um processo de desenvolvimento podemos reconhecer em qual nível de nosso ser conseguimos agora dar à luz.
A gestação leva a mãe a saber imediatamente que uma criança quer nascer. As gestações pelas quais passamos durante a nossa biografia nem sempre despertam a nossa consciência para o novo que quer nascer. Temos que, conscientemente, prestar a atenção, viver com a pergunta, abrir a nossa alma para ter um presságio daquele que está querendo nascer em nós. Perceber que todos estamos grávidos de um ser, todos estamos sofrendo as dores do parto do nosso próprio Eu.

João F. Torunsky

Reflexão para o Domingo, 3 de maio

Reflexão para o domingo, 3 de maio de 2020
Referente ao pericópio João 15

O primeiro milagre de Jesus relatado por João aparece no segundo capítulo, na passagem conhecida como as “Bodas de Caná”. Ali aparece um problema:
“Eles não têm vinho!” (João 2,3)
Maria, mãe de Jesus, é a pessoa que lhe chama a atenção para o que está acontecendo. Mas, o que de fato está acontecendo? A falta de vinho pode ser aqui entendida como a falta do elemento que traz alegria à festa, que deixa as emoções fluírem com mais facilidade, que de certa maneira, favorece a aproximação e a confraternização entre as pessoas. Se ‘falta o vinho’, significa que algo no contexto social pode estar em risco de deixar de fluir bem, pode estar a ponto de estancar ou de estagnar. Todos conhecemos bem aqueles momentos em festas, em reuniões de pessoas, ou mesmo no trabalho ou na família, nos quais às vezes a conversa ‘estanca’, ou surge uma tensão ou problema que ‘paralisa’. Em momentos assim é nítido que o elemento cordial, produtivo e benéfico da conversa deixa de fluir, ou seja, em outras palavras: ‘terminou o vinho’. Se não aparece alguém mais inspirado para motivar o grupo e retomar o fluxo da festa ou da reunião, pode ser que os presentes silenciem, que se tornem mais introspectivos, que se isolem uns dos outros. Dependendo da situação, pode também surgir desarmonias ou desavenças e se passa de um diálogo para uma discussão. Neste caso também poderíamos dizer que ‘acabou o vinho’, pois o que começa a fluir tende a ter um gosto mais próximo do fel.
Poder-se-ia olhar para a atualidade e perguntar: Acabou o vinho? Algo no fluir da vida humana estancou? Na saúde, na educação, nas atividades laborais e econômicas, nas artes e no lazer, nas relações entre as pessoas de uma mesma família ou entre amigos, tudo, de repente, foi interrompido, nos isolamos, nos afastamos uns dos outros. Talvez a pandemia seja, não a causadora de tudo, mas o fator que colocou em evidência algo que há muito se percebia: vinha faltando o vinho fraterno nas relações humanas.
A vinda de Cristo ao mundo é para trazer de novo “vinho”, pois o que temos está se acabando. Mas este novo vinho surge de outra maneira:  “Água foi vertida nas talhas de pedra” (João 2,6) para depois ser servida. Uma indicação que Seu Vinho, é mais sutil, flui, translúcido como a água, mas é percebido com agrado quando provado. O trecho que nos propomos meditar neste domingo, João 15, traz a última das sete frases de Cristo que se iniciam com as palavras: “Eu Sou”. Aproximando-se da culminação do evangelho, o Evangelista João nos apresenta neste capítulo a imagem que complementa o primeiro milagre descrito nas Bodas de Caná: “Eu Sou a videira verdadeira.” “Vós sois os ramos.”
Cristo almeja que força e impulsos espirituais possam ser vertidos na humanidade como um vinho novo, mas, para tanto, é necessário que encontre os ‘ramos’ por onde possam fluir, ramos que produzam frutos. Com estes frutos a humanidade poderá começar a suprir a falta do vinho da tradição, das forças naturais e espirituais que nos nutriram até o presente. Está cada vez mais claro para muitas pessoas, que para prosseguirmos numa direção evolutiva em nosso mundo é urgente encontrar o vinho novo, um novo caminho nos encontros humanos, na vida econômica, na relação com a natureza.
Este vinho não surgirá pronto, ele poderá surgir a partir de cada ser humano que queira se conectar com a videira primordial e verdadeira, e que assim aprenda a produzir a partir de si os frutos que serão colocados a disposição da coletividade humana. A pergunta mais urgente não é, portanto, em que momento a quarentena ou o isolamento social terminarão, mas se a partir da experiência de tudo que vivemos nos últimos tempos conseguiremos ser capazes de produzir frutos que possibilitarão, como vinho novo, a transformação positiva que a humanidade necessita.

Renato Gomes

Reflexão para o domingo

Reflexão para domingo 26 de abril de 2020
Referente ao pericópio: João 10,1-21

É notório que Jesus seja “o” bom pastor, não um bom pastor. Ele é único assim como cada um de nós é único. A imagem de sermos pequenas ovelhas que seguem cegamente um pastor é incômoda pois denota um espírito de rebanho, em que todos são iguais e preservam uma consciência de massa. Mas trata-se de um equívoco interpretar a parábola sob esse ponto de vista. O bom pastor atenta para cada uma das ovelhas e, caso uma delas se perca, ele vai atrás daquela que se perdeu para resgatá-la. A parábola não é literal, pois cada individualidade tem o livre-arbítrio de seguir ou não seguir, mas o não seguir traz consequências que levam a situações em que se desperta o desejo de retorno e de seguir. Há também que se reconhecer a voz do pastor e a voz do ladrão. Distinguir entre o chamado de Deus e o chamado do mundo. O pastor não dirige as ovelhas por trás, mas as precede para mostrar o caminho. O ladrão se espreita para levar o que não lhe pertence, mas usa de subterfúgios para enganar, seduzir, desviar.
Como “pastor”, Jesus não representa um Deus distante e inacessível, mas garante a verdade para a alma que o busca. Em outras palavras: como bom pastor, Jesus não representa uma doutrina, uma tradição, um conceito metafísico, mas a própria substância espiritual da qual partilhamos e almejamos. O ser o bom pastor pertence a uma das afirmações do “Eu Sou” no Evangelho de João, e é, portanto, uma das formas de nos aprofundar e realizar, em liberdade, a nossa identidade como filhos de Deus. Em tempos de crise, em que surge o sentimento de abandono, de medo, de insegurança diante do futuro. O sentimento de que estamos protegidos por aquele que nos conhece melhor do que nós mesmos nos conhecemos não é apenas alentador, mas fundamental para adquirirmos força interior para enfrentar todas as dificuldades. O bom pastor é aquele que nos dá essa força, nos protege, nos guia e aponta para um futuro melhor.

Carlos Maranhão

Reflexão para o domingo

Reflexão para o domingo,19 de abril de 2020
Referente ao pericópio João20, 19-29

“Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos, com as portas fechadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles. Disse: ‘A paz esteja convosco’. Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, se alegraram por verem o Senhor. Jesus disse, de novo: ‘A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou também eu vos envio’. Então, soprou sobre eles e falou: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos’.
Tomé, chamado Gêmeo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos lhe contaram: ‘Nós vimos o Senhor!’ Mas Tomé disse: ‘Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei’. Oito dias depois, os discípulos encontravam-se reunidos na casa, e Tomé estava com eles. Estando as portas fechadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco’. Depois disse a Tomé: ‘Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!’
Tomé respondeu: ‘Meu Senhor e meu Deus!’
Jesus lhe disse: ‘Creste porque me viste? Bem-aventurados os que não viram, e creram!’”

Quantas vezes quisemos ‘ver para crer’?
Estamos ainda em uma fase do desenvolvimento da humanidade onde os sentidos nos são de suma importância. Assim o era para Tomé. Ele ainda não havia atingido o grau de iniciação cristã que consiste o ‘Crer’. Este grau, não representa uma força qualquer, mas uma força vidente interior, tendo como base o Mistério do Gólgota.
Ao caminharmos, em nossas meditações e orações, em direção a nos permearmos com essa força interior, paulatinamente não precisaremos mais do sensorial para reconhecer e viver a verdade.
Passamos agora por momentos delicados da evolução humana. Estamos apartados, os sentidos que tanto nos alimentam estão restritos. Aos poucos, angústia e medo tendem a se apoderar de nossa vida interna. Eis o momento de grande oportunidade. Fortificar com orações e meditações a força interior. Não nos vemos, mas podemos formar comunidades cristãs que sentem em si o Cristo. Não frequentamos igrejas físicas, mas temos em nosso coração a catedral de onde pode vir a irradiar a força vidente interior: ‘O Crer’.

“Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer(…)”
Antoine de Saint-Exupéry

Viviane Trunkle

Reflexão para o Domingo de Páscoa

Ao acompanharmos os acontecimentos da Semana Santa, pudemos torná-la viva em nosso interior. Da entrada do Cristo em Jerusalém com todo júbilo e brilho, via purificação do templo e confronto com as autoridades judaicas, até a unção do Cristo e a Santa Ceia. Pudemos perceber como os acontecimentos se intensificaram e como a atmosfera ficou cada vez mais densa. O júbilo e o êxtase se transformaram no curso da semana em uma luta interior. Tudo estava direcionado para os acontecimentos mais importantes no desenvolvimento da humanidade. Na noite da Quinta-feira Santa começou a luta do Cristo com a morte.

E ele afastou-se deles, à distância do arremesso de uma pedra. Pondo-se de joelhos, começou a orar, dizendo: ‘Pai, se quiseres, afasta este cálice de mim; porém não a minha, mas a tua vontade se faça.’ Apareceu-lhe um anjo do céu que o confortava. Em estado de angústia, ficou a orar com mais afinco e o suor tornou-se em coágulos de sangue, que caíam na terra. Levantou-se depois da oração (…).” Lucas 22, 41-45

Esse trecho mostra o combate do Cristo com a morte que prematuramente queria se apossar dele, antes do comprimento de sua missão na Terra.
D
epois disso, o Cristo Jesus por vontade própria, colocou-se nas mãos dos adversários e seguiu para o julgamento até a morte na cruz. O Ser Divino, o Cristo, tornou-se inteiramente humano, até poder morrer na cruz. Ele foi baixado ao túmulo da Terra e vinculou-se totalmente a ela. Um grande silêncio se espalhou. O desenvolvimento do cosmos chegou a um momento decisivo e parou por um átimo. O mundo prendeu a respiração. O que acontecerá?
muito tempo não vivenciamos essa atmosfera da Paixão tão forte como nas últimas semanas. O medo, a dor e o sentimento de desamparo perante a morte invisivelmente ameaçadora. Medo de chegar no ponto final da vida. Dor em ver pessoas queridas lutando com a morte. Sentimento de desamparo por não poder acompanhá-los nesse caminho, por perdê-los. A morte parece, facilmente, o ponto final do desenvolvimento da vida humana. Nas semanas passados pudemos sentir como o mundo prendeu por um instante a respiração. Percebemos um grande silêncio se espalhando pela Terra. O que acontecerá?

Maria Madalena tinha ficado perto do túmulo, do lado de fora, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se para olhar dentro do túmulo. Ela enxergou dois anjos sentados, vestidos de branco, um na cabeça, outro aos pés, no lugar onde tinha sido posto o corpo de Jesus. E eles perguntaram: ‘Mulher, por que choras?’. Ela respondeu: ‘Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram.’ Dizendo isto, Maria virou-se para trás e vê Jesus de pé e não sabia que era Jesus. Jesus perguntou-lhe: ‘Mulher, por que choras? Quem procuras?’. Ela, pensando que ele fosse o jardineiro, disse: ‘Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o colocaste, e eu irei buscá-lo’. Então, Jesus falou: ‘Maria!’. Ela, voltou-se e exclamou em hebraico ‘Rabuni!’ (o que quer dizer Mestre). Jesus disse: ‘Não me toques. Ainda não ascendi para o Pai.’” João 20, 11-17

Em profundo luto, Maria Madalena fica em frente ao túmulo. O luto lhe oculta o acontecimento que mudou o mundo. Somente após ser chamada pelo nome (ser tocada em seu eu superior), ela desperta e reconhece o Ressuscitado à sua frente. Alguns discípulos também tem dificuldade em reconhecer o feito do Cristo. Eles tem dúvidas, isso se mostra claramente na passagem onde Tomé, para crer no ressurrecto, precisa tocar as feridas do Cristo. Pouco a pouco os discípulos perceberam as mudanças que se operaram no mundo.
A morte, não é mais o ponto final da vida. Ela se tornou, como o nascimento, a transição entre dois mundos. O desenvolvimento da humanidade tomou para sempre um novo caminho. O feito do Cristo na Páscoa, a vitória sobre a morte, é para todos e a qualquer momento factível.
Esse fato pode mudar nossa vida profundamente, ao nos tirar o medo da morte. Podemos vivenciar isso a cada dia: ao adormecer e ao acordar. Nessas situações transitamos entre o mundo terrestre e o mundo espiritual. Normalmente não temos medo de adormecer, de ir para o mundo espiritual. No dia seguinte podemos acordar com novas ideias e novos impulsos para a vida aqui na Terra. A morte não é muito diferente do sono. Nela também transitamos de um mundo para o outro. Nela também continuamos nosso caminho no mundo espiritual até um dia voltarmos com novos impulsos para a vida na Terra. Nela ficamos ligados com os nossos entes queridos. O nosso medo da morte, as nossas preocupações e o nosso luto, facilmente ocultam esse fato. Nós nos sentimos à mercê da morte. Em nosso desamparo não percebemos que o Cristo caminha à nossa frente. Ele faz esse caminho, esse sacrifico pelo amor aos seres humanos. Ele nos deu a possibilidade de segui-lo e nos prometeu:

E eis que eu estou convosco, todos os dias, até o fim dos tempos.” Mateus 28, 20

Somos chamados a sucedê-lo a vencer a morte. Ele estará conosco!

Julian Rögge