Reflexão para o domingo, 9 de agosto

Referente ao perícope Lucas 15, 11-32

Nossa pátria primordial é o mundo espiritual. Desta casa partimos para realizar nossa missão de vida terrena. Trazemos conosco uma herança celestial. Sobre nosso semblante brilha nossa estrela, centelha divina, nosso mais elevado e puro ser. Nosso tortuoso caminhar pelo mundo terreno, nos leva a esbanjar nossa herança. Trevas encobrem nossa estrela. Nos perdemos de nós mesmos. Muitas vezes sem saber como prosseguir, nos perguntamos: ‘Como cheguei até aqui? Para onde devo ir?’
Perder-se e encontrar-se fazem parte de nossa missão na Terra.

“Viver é uma questão de rasgar-se e remendar-se”
João Guimarães Rosa

“Cair em si” representa o momento onde tomamos consciência de nossos atos, de nossa situação. Talvez de maneira não totalmente consciente miramos nossa estrela, recordamos a casa de onde viemos. “Cair em si” é vermo-nos perante a encruzilhada com a pergunta: Quero seguir “esbanjando” minha herança divina? Quero assumir que me afastei de mim, da minha meta, da minha estrela? Se a resposta for positiva, vemos um ser humano ereto, erguido, permitindo que seu Eu permeie seus atos na Terra. Neste momento a encruzilhada transforma-se em caminho estreito, mas que conduz diretamente ao coração. Nosso relicário, o recôndito mais íntimo de nossa alma. E é nesse espaço onde posso admitir para mim mesma(o): ‘Pequei’ perante os céus (as hierarquias espirituais), perante o Pai e perante meu ser mais elevado. Reconhecer a separação e desejar voltar-se para o plano espiritual requer humildade. Assim como requer humildade dizer: “Faça de mim teu servo, tua serva”. “Não a minha vontade seja feita, mas a Tua”. “Não eu, mas o Cristo em mim”.
O retorno consciente à casa do Pai, durante nossa vida terrena gera imensa alegria no mundo espiritual. Este ato prepara a possibilidade de recebermos uma nova veste: Um corpo de luz radiante. Um anel: A aliança com as hierarquias divinas. Sandálias nos pés: Estrutura e fundamento na Terra e nos céus.
No mais, encerro esta reflexão com Guimarães Rosa…

“Rezar muito e ter fé. Porque as coisas estão todas amarradinhas em Deus”

Viviane Trunkle

Reflexão para o domingo, 2 de agosto

Época de Trindade

Referente ao Perícope Mateus 7, 1-14

“Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.
E por que reparas tu no cisco que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o cisco do teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o cisco do olho do teu irmão.”

Mateus 7, 1-5

O olho é um órgão muito sensível. Qualquer impureza nos incomoda bastante e nos impede de olhar o mundo. Um minúsculo grão de areia no olho pode ser tão dolorido, que faz com que a nossa atenção se volte completamente para essa sensação, talvez até tenhamos de fechar os olhos e não vejamos mais nada. Ter algo no olho e tentar ver o “cisco no olho do irmão” é, assim, algo impossível.
Isso é, fisiologicamente, assim. Mas, animicamente, não é assim que acontece, e muitas vezes ocorre até o oposto. Desenvolvemos uma atenção especial para as nossas fraquezas, precisamente quando outros também as têm. E não só desenvolvemos uma atenção, mas também uma aversão quando percebemos nos outros as fraquezas que temos, por vezes inconscientemente, em nós mesmos. Aquilo que fisiologicamente é impossível, “ver o cisco no olho do irmão e não reparar a trave no próprio olho” é, animicamente, a situação comum.
Por que isso é assim? Por que conseguimos ver tão claramente as fraquezas do outro, se nós mesmos não somos perfeitos? Isso ocorre porque não temos em nossa alma apenas as nossas fraquezas, mas também um sentimento do que seja o ideal do ser humano. Todos nós trazemos, profundamente semeado em nossa alma, os ideais humanos, aquilo que deveríamos ser, à imagem e semelhança divina, pela qual se iniciou a nossa criação. A realidade de todos nós é que ainda não realizamos esse ideal, pois ninguém é perfeito. Cada um está a caminho, com os seus dons e com as suas fraquezas. E cada um tem um pressentimento da meta a alcançar nesse caminho do ideal humano. Esse pressentimento do ideal é o que nos dá a possibilidade de perceber o que não está de acordo com esse ideal. Podemos reconhecer isso, apesar de que nós mesmos não sejamos perfeitos. Ver o cisco no olho do irmão é possível, apesar da trave em nosso próprio olho. Esse paradoxo é exatamente o que nos faz sermos seres humanos. Isso é possível porque temos em nós o pressentimento do ideal, e é o que oferece a possibilidade de nos desenvolvermos.
O problema não está em ver o cisco no olho do irmão. Está em não ver a trave no próprio olho. Podemos desenvolver uma atenção muito aguçada para as fraquezas dos outros e não perceber as nossas próprias. O presságio do ideal do ser humano, em nós, pode nos levar a duas direções: o conhecimento do outro e o autoconhecimento. Os dois caminhos são valiosos. Isso pode então nos levar a dois impulsos: querer educar o outro e a autoeducação. O impulso da autoeducação também é valioso, mas o impulso de querer educar o outro é a fonte dos grandes problemas sociais. Frutífero se torna apenas o caminho do autoconhecimento e da autoeducação.
O evangelho nos mostra um caminho sadio de desenvolvimento. Primeiro percebemos o cisco no olho do irmão, o que é normal. Mas essa percepção deveria nos ajudar a reconhecer a trave em nosso próprio olho. A percepção das fraquezas dos outros pode nos ajudar a ir um caminho de autoconhecimento. Então, nossa tarefa passa a ser a de tirar a trave do nosso próprio olho, ir um caminho de autoeducação. Então, e só então, teremos o direito de oferecer ajuda ao nosso irmão, para que ele próprio possa tirar o cisco do seu olho, caso queira aceitar a nossa ajuda.

João F. Torunsky

Reflexão para o domingo, 26 de julho

Época de Trindade
Referente ao Perícope Marcos 8, 27-33

Nesta breve conversa com os discípulos, Pedro nos surpreende: Num primeiro momento ele diz: “Tu es o Cristo!”, mostrando assim que é capaz de explicitar o que com certeza pulsava talvez não tão claramente na alma dos demais discípulos, mas logo a seguir, repreende o mestre, exigindo que não pronuncie aquelas palavras, pois ele, Pedro, não quer que aquilo aconteça (compare-se aqui o paralelismo com a narrativa mais detalhada de Mateus 16, 22). Pedro, neste momento, se advoga o direito de pedir a Cristo que silencie, que Ele se cale…

Pode o ser humano pedir a Cristo que se cale?
Ele, que é o Verbo, a própria essência da Palavra, pode ser calado?
Que sentido haveria se a força da palavra se calasse?

O poeta e escritor argentino, Horacio Guarany, compôs certa vez os seguintes versos:

Si se calla el cantor calla la vida
Porque la vida, la vida misma es todo un canto
Si se calla el cantor, muere de espanto
La esperanza, la luz y la alegría
Se se cala o cantor, cala-se a vida,
Porque a vida, a vida mesma, é toda uma canção,
Se se cala o cantor, morrem de medo
A esperança, a luz e a alegria.

O poeta aponta em seus versos que há situações que não podem ser silenciadas. Calar-se significa omitir-se, não querer se comprometer com situações injustas e opressoras que estão à nossa volta, por medo ou por comodidade…

“… pois o Filho do homem teria que padecer muito, seria rejeitado pelos anciãos e príncipes dos sacerdotes, pelos escribas, e seria morto (por eles)”

São estas as palavras que Pedro tencionava “calar”…
Enigmaticamente, em nossa época, estamos vendo um massivo desmantelamento de incentivos e estímulos a muitas iniciativas relacionadas à vida cultural (também neste contexto se encontram as atividades religiosas) que subitamente, deixaram de acontecer de forma livre e aberta e que agora estão diante de enormes dificuldades para reencontrar um caminho de volta… Em nosso país, mais explicitamente, se preconiza abertamente a censura e a proibição a muitas formas de manifestação cultural e ideológica que contrarie a maneira de pensar “dominante” do momento. É importante estar atentos às tais tentativas de querer fazer calar o que é diferente ou discordante daquilo que pensamos. Pedro estava tão próximo das intenções do mestre, ao reconhecê-lo como o Cristo, o Messias, mas no momento seguinte ficou tão distante…

“… afasta-te Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus!”

A atualidade desta narrativa do Evangelho (e de certo modo também do poema-protesto de Horácio Guarany) é surpreendente, se quisermos meditá-la à luz dos acontecimentos atuais. A essência do impulso espiritual que Cristo trouxe à Terra não pode ser calada, do contrário se “calaria” também a própria vida.

Que se levanten todas las banderas
Cuando el cantor se plante con su grito
Que mil guitarras desangren en la noche
Una inmortal canción al infinito
Que se levantem todas as bandeiras
Quando o cantor se instale com seu grito,
Que mil violões sangrem na noite
Uma imortal canção ao infinito

Que sempre nos seja possível lembrar que a mensagem de Cristo é comparável a um ‘canto’ que não pode nem deve ser silenciado pelo medo, pela opressão nem pelo comodismo. A tarefa é deixar soar Sua Voz, Sua Palavra, numa ‘canção’ que reverbere como mensagem do ser humano de volta ao infinito, ainda que para tanto tenhamos que suportar desafios e sofrimentos, inerentes ao próprio ato sacrificial de Cristo.

Renato Gomes

Segue abaixo o texto completo do poema, para aqueles que se interessarem.

Si se calla el cantor
Canção de Horacio Guarany, nome artístico de Eraclio Catalin Rodríguez Cereijo (Las Garzas, 15 de maio de 1925 – Luján, 13 de janeiro de 2017), foi um cantor nativista e escritor argentino. Esta canção tornou-se mais conhecida após a sua gravação pela cantora Mercedes Sosa.

Si se calla el cantor calla la vida
Porque la vida, la vida misma es todo un canto
Si se calla el cantor, muere de espanto
La esperanza, la luz y la alegría
Si se calla el cantor se quedan solos
Los humildes gorriones de los diarios,
Los obreros del puerto se persignan
Quién habrá de luchar por su salario
Que ha de ser de la vida si el que canta
No levanta su voz en las tribunas
Por el que sufre, ´por el que no hay
Ninguna razón que lo condene a andar sin manta’
Si se calla el cantor muere la rosa
De que sirve la rosa sin el canto
Debe el canto ser luz sobre los campos
Iluminando siempre a los de abajo
Que no calle el cantor porque el silencio
Cobarde apaña la maldad que oprime,
No saben los cantores de agachadas
No callarán jamás de frente al crimen
Que se levanten todas las banderas
Cuando el cantor se plante con su grito
Que mil guitarras desangren en la noche
Una inmortal canción al infinito
Si se calla el cantor calla la vida.

Reflexão para o domingo, 19 de julho

Época de João Batista

Referente ao Perícope Mateus 14

Na vida seguimos em determinada direção fazendo planos para o futuro e cumprindo nossas tarefas com esperança de que poderemos tranquilamente chegar a bom termo com nossos planos. De repente, surge uma tempestade, não prevista que destrói nossos planos e nos remete a uma situação de emergência. Precisamos nos acalmar, nos recolher, buscar forças, remanejar, planejar de novo, buscar recursos externos e internos. Onde podemos encontrar forças? O que nos consola e traz paz interior para continuar? Será que a crise imprevista nos aponta para algo que havíamos ignorado? O que ela nos indica? O que negligenciamos? Pode ser que ela nos aponte justamente para o que é nossa missão, que no plano inicial não havia sido contemplada, ou talvez tenha ficado adormecida e precisa ser reavivada.
Quando Jesus soube da morte de João Batista ele se retirou para rezar e depois voltou a efetuar curas. Sobre a morte trágica e violenta que João sofreu, Jesus não pronunciou nenhuma palavra. Mas certamente em seu íntimo sentiu a dor da partida de seu amigo e precursor. Qualquer pessoa que tenha visto alguém com quem se importa morrer pode entender por que Jesus buscou a solidão quando soube da morte de João. Jesus viu no destino de João um prenúncio da cruz que estava no fim de sua vida na Terra. No entanto, como João, Jesus não se esquivou do custo de sua missão. João sai de cena, pois como ele mesmo havia dito ele devia diminuir para que Jesu pudesse crescer. Isso não significa que sua partida devesse ser de uma forma tão terrível. Mas a realidade espiritual por trás dos fatos é a que Jesus pôde vivenciar ao retirar-se. Constatou que João partiu da Terra, mas continuou presente em espírito, ele havia cumprido sua missão e deixava o palco para o que deveria seguir: a obra do Messias. Ao perceber a multidão que o seguia, não permitindo que pudesse ficar só em seu luto, poderíamos imaginar que lamentasse, mas ao contrário Jesus tem compaixão por aqueles que o buscam e, podemos dizer que ele honra o martírio de João ao continuar o seu trabalho e a sua missão, porque afinal era isso que João havia anunciado e indicado aquele que viria para tirar o pecado do mundo. Embora Jesus sofra a perda de seu querido amigo, seu sofrimento o capacita para cumprir seu trabalho. No meio de sua dor emocional, Jesus se voltou para fora, em vez de para dentro. Em vez de se entregar e pensar ‘ai de mim’, ele se volta para servir e amar as multidões. Na vida nós sofremos perdas, algumas muito dolorosas e é natural que nesses momentos queiramos apenas nos retirar para, no luto processar a perda. Mas a vida nem sempre permite essa retirada, ela continua com suas demandas. É necessário muita força de espírito para dar conta disso. Quando isso acontece podemos nos lembrar que aquele que sempre nos acompanha na alegria e no sofrimento nos consola, pois por experiência conhece o que sentimos. Ele é a fonte de onde retiramos força para continuar nossa jornada.

Carlos Maranhão

Reflexão para o domingo, 12 de julho

Época de João Batista
Referente ao Perícope João 5, 31–38

Neste perícope Cristo fala de três formas de testemunhos verdadeiros. O testemunho do outro, das obras e do mundo espiritual. Essas três formas podem nós ajudar no caminho do desenvolvimento interno?
O que recebemos do outro como testemunho, é como um espelho para nós. Através do espelhamento percebemos os efeitos dos nossos pensamentos, sentimentos e ações no mundo. Eles podem estar em harmonia com o nosso redor ou criar conflitos. Assim recebemos em cada encontro um testemunho da nossa atuação no mundo. Isso pode nos ajudar no nosso desenvolvimento.
Com nossas obras podemos estar voltados para o mundo físico, para o material. Nesse caso elas provavelmente darão testemunho do nosso sucesso na vida, da nossa riqueza e da nossa posição social. Nossas obras também podem estar mais voltadas para o social e para o espiritual. Nesse caso, elas talvez não sejam visíveis no mundo, mas também darão testemunho sobre nós. Nossas obras dão testemunho de nosso caminho aqui na Terra. Eles podem nós lembar do foco da nossa vida, do nosso eu.
O mundo espiritual também dá testemunho de nós. Ele o dá da essência espiritual divina no eu de cada um de nós. De nosso potencial em sermos um ser espiritual encarnado na Terra e de transformarmos a Terra através do espiritual. Esse testemunho, recebemos incondicionalmente. A nossa tarefa é desenvolvermos esse potencial.

Julian Rögge

Reflexão para o domingo, 5 de julho

Época de João Batista
Referente ao Evangelho: João 1, 19-34

„Quem és tu?

Eu sou a voz que clama na solidão: preparai o caminho do Senhor …“

João 1, 19 e 23

Duas das perguntas mais importantes da nossa atualidade são: “quem sou eu?“ e “quem és tu?“ A primeira pergunta “quem sou eu?“ tem a ver com o caminho do ser humano de se individualizar, de se libertar dos relacionamentos sociais que, no passado, definiam as pessoas na sociedade: membros de um povo e de uma família, com uma determinada profissão e posição social. Hoje, a procura da resposta para a pergunta “quem sou eu?“ nos leva sempre mais a perceber que a nossa verdadeira individualidade, o nosso eu, não pode ser definido pelos relacionamentos sociais. O relacionamento com os outros é muito importante para nos encontrarmos a nós mesmos, muitas vezes percebendo no outro quem nós não somos e como nós não queremos ser. A procura da resposta para a pergunta “quem sou eu?“ nos leva a prestar atenção para uma voz que fala no íntimo de cada um de nós, que nos dá uma orientação para aquilo que queremos realizar nesta vida, para aquilo que é ou não coerente com nós mesmos, que nos dá um sentimento de autenticidade.
Mas seguir o caminho de se libertar das coações sociais, que querem determinar quem eu sou e o que eu tenho de fazer, de procurar quem realmente somos, traz o perigo de nos tornarmos indivíduos associais, que pensam somente em si mesmos, que têm como meta na vida somente “se realizar“, que perdem o interesse pelo outro, e não assumem suas responsabilidades perante a sociedade. Por isso, quanto mais vivemos com a pergunta “quem sou eu?“, tanto mais precisamos viver, ao mesmo tempo, com a pergunta “quem és tu?“. É muito difícil encontrar a resposta para a pergunta “quem sou eu?“. Pois ainda mais difícil é encontrar a resposta para a pergunta “quem és tu?“.
Facilmente reconheceremos que não nos agrada sermos determinados pela sociedade, mas nem sempre nos é evidente que determinamos o outro por aspectos sociais: membro de um povo ou uma família, com uma determinada profissão e posição social. E ainda mais problemático é nossa tendência de definir o outro pelas experiências que tivemos com ele no passado. Se não posso ser definido por esses aspectos, tampouco posso eu definir o outro assim. É necessário abrir mão de todos os nossos preconceitos sobre o outro, reconhecer que, na verdade, não nos conhecemos uns aos outros, é necessário despertar o interesse de querer encontrar o outro no seu eu verdadeiro, e realmente viver com a pergunta: “quem és tu?“. Também no outro existe uma voz, no seu íntimo, a qual ele está procurando. Meu impulso pode ser ajudá-lo a encontrar essa voz, para que ele seja autêntico consigo mesmo.
João Batista é o grande precursor nesse caminho de procura da voz que clama na solidão de cada um de nós. A sua resposta pode ser a resposta arquetípica para cada um de nós: “o Eu é a voz que clama na solidão da alma: prepare o caminho para que possamos encontrar o Cristo em nós, mas também o Cristo no outro“.

João F. Torunsky

Reflexão para o domingo, 28 de junho

Época de João Batista
Referente ao Evangelho: Marcos 1, 1-12

“… e logo que saiu da água, viu os céus abertos”

João Batista introduzia as pessoas nas águas do rio Jordão. Este ato pode ser considerado como o início do próprio Cristianismo, pois a intenção era abrir, mudar, transformar a consciência daqueles que se submetiam a este procedimento, a fim de que se tornassem mais receptivos ao que (e a Quem) estava por vir. João conclamava o povo a fazer a experiência da “metanoia” (palavra grega que significa mudança, transformação). O ato de mergulhar (também do grego “baptimós” = imersão) era em si o próprio batismo. A intenção de João era batizar, ou seja, submergir as pessoas nas águas do rio Jordão. Em algumas igrejas cristãs esta cerimônia de imersão é repetida até os dias de hoje. Tradicionalmente, em muitas vertentes do cristianismo, este ato se simplificou ao contato apenas da testa com uma pequena porção de água, em geral realizado na primeira fase da vida, pois ser batizado, muitas vezes foi entendido como ser acolhido na comunidade de Cristo, algo que deveria acontecer o mais cedo possível na biografia humana. O batismo sempre foi entendido, portanto, como um ato sacramental que não se repete na vida, pois ao ser batizado, o ser humano se introduz (ou foi introduzido) na corrente espiritual do próprio cristianismo que flui dentro do fluir da história da humanidade. Esta compreensão sobre o batismo se ancora na vivência de que este ato deixa uma marca profunda e duradoura na constituição do ser humano. Entretanto, nos tempos modernos, quando nossa maneira de ver a vida está bem mais orientada para as impressões que nos são dadas pelos sentidos, fica cada vez mais difícil observar ou perceber esta “marca”, pois é imperceptível exteriormente. Pode então surgir a pergunta: Uma vez “imersos/batizados” neste fluir espiritual, não poderia talvez ocorrer uma saída deste fluxo? E se chegarmos a sair do fluxo, é possível retornar a ele? Estas são perguntas importantes que todos nós deveríamos fazer, para que o profundo significado do batismo não se limite a algo nebuloso, obscuro ou apenas com importância tradicional na consciência do cristão moderno. Retornemos ao ato do batismo imersão original. Os Evangelhos não nos dão muita informação, contudo, é óbvio que todos que eram submersos nas águas, depois de um tempo emergiam.

“(…) e logo que saiu da água (…)”

Independentemente do tempo que João mantinha as pessoas dentro das águas do rio, o mais importante era o efeito sutil deste processo. Trata-se de uma forte experiência sensorial, sair do elemento terra, que nos dá sustentabilidade e equilíbrio, onde nos sentimos firmes e confiantes, e entrar no aquoso. Ali “perdemos o chão”, desaparecem muitos pontos de apoio conhecidos. Debaixo d’água, estamos também privados de outro elemento: o ar.  Para submergir é preciso levar “certa reserva” de ar nos pulmões. Submergir, portanto, significa deixar o mundo conhecido, entrar em contato com um elemento onde regem outras forças, além de ser necessário levar consigo uma reserva, “um hálito” daquilo que conhecemos no mundo onde nos acostumamos a viver. Se transportamos tudo isto para  uma vivência anímico espiritual, poder-se-ia então dizer, que a principal intenção do Batista, era, por meio deste batismo na água, ajudar a alma humana a deixar o terreno firme das vivências que se apoiam exclusivamente no seguro terreno sensorial, para que ela pudesse então adentrar noutro elemento, que possui leis e regras próprias, onde num primeiro momento os pontos de apoio e referência conhecidos desvanecem.  Para não “sucumbir” neste mundo diferente, é necessário levar um “hálito” do que conhecemos, pois do contrário não conseguiríamos permanecer ali. A cada noite nossa alma adentra neste elemento espiritual, contudo nossa consciência adormece e deixamos de ter a capacidade da lembrança do que vivenciamos por lá. O trabalho espiritual e religioso visa, em sua essência, nos capacitar com este “hálito”. Quanto mais, durante nossa vida em vigília, exercitemos adentrar os conteúdos espirituais com consciência, tanto maior será, com o tempo, nossa capacidade para permanecermos “imersos” e conscientes neste elemento do espírito.  Neste sentido poderíamos entender o batismo de João como um exercício, um treino, para o que estava por vir. O mais importante acontece num âmbito sutil da vida. Desta forma, na atualidade, poderíamos também dizer, que o batismo no sentido cristão moderno, não é um ato que termina no final da cerimônia, mas que o indivíduo, se assim o desejar, pouco a pouco vai aprendendo a exercitar e a repetir o batismo mergulho cada vez que adentra com consciência os conteúdos e as vivências espirituais.  O cristão moderno, pode se “batizar/imergir” repetidamente no fluxo espiritual de Cristo, em cada oração ou meditação de conteúdo cristão, em cada vivência sensorial espiritual do culto cristão. É necessário “mergulhar” cada vez de novo, no fluxo do espírito; do contrário, corre-se o risco de ficar apenas na “margem”, vendo o fluxo passar, mas sem conseguir alcançar uma experiência verdadeira. Se assim ocorresse, nosso cristianismo se tornaria pouco a pouco um discurso teórico.
Do mesmo modo que não é possível aprender a nadar, apenas com teoria, mas é necessário se atirar à água em algum momento. Assim também com a vivência do espírito. Tudo isto é um enorme desafio para a consciência moderna, apoiada quase que unicamente no seguro terreno das vivências sensórias!

“(…) e logo que saiu da água, viu os céus abertos (…)”

Entretanto, se algo disto faz sentido para nós, podemos com coragem mergulhar nesta “aventura” (no sentido literal: “aventura” provém do latim “advenire”, lançar-se ao que está por vir). Somente assim os “céus se abrem”, ou seja, os conteúdos espirituais se tornam realidade para a alma humana, pois se rasgam os véus que nos impedem hodiernamente vislumbrá-los de modo direto. João Batista continua sendo para nós a voz que nos encoraja a nos atirarmos à corrente do Espírito!

Renato Gomes

Reflexão para o domingo, 21 de junho

Época de Trindade
Referente ao perícope João 17

É alentador ouvir de Cristo em sua oração sumo sacerdotal que ele orou pela unidade de seus discípulos: “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela tua palavra hão de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” Vemos quão importante era a questão da unidade para ele, pois sabia muito bem que na humanidade de então e do futuro somente a união com ele poderia ajudá-la a superar o mundo de separação e de conflito.
Porque pelo fato de o Filho de Deus estar aqui no mundo e ter completado sua missão, algo fundamental mudou para nós. Não estamos mais separados de Deus, mas Cristo nos uniu a Deus. Quando ele veio ao mundo, somente ele era a ponte para o céu. Mas então ele começou a construir uma ponte permanente na terra, ensinando seus discípulos e compartilhando-os nas obras de Deus, em seus milagres e curas. Isso os fez parte da ponte. E essa ponte que ele edificou entre nós e o Deus Pai é o que nos permite estabelecer a conexão uns com os outros sobretudo em momentos de crise. Na crise atual há a recomendação de isolamento social, mas há também a realidade de estarmos unidos em uma pandemia que abarca todo o planeta. Nunca estivemos tão separados e ao mesmo tempo nunca estivemos tão unidos na mesma condição. Cristo ora para que tenhamos olhos para próximo, para que não temamos estabelecer contato, para que nos coloquemos no lugar do outro, para que perguntemos o que o outro necessita e trabalhemos para satisfazer sua necessidade, para que possamos dar conforto e esperança, seja qual for o meio de conexão que tenhamos disponível. Quando as pessoas estão conectadas, elas são receptivas ao segredo do amor divino. Cristo orou por nós e sabia das nossas necessidades. Apesar das diferenças tão gritantes em nossa época no que diz respeito a renda, oportunidades, convicções religiosas, políticas, filosóficas, o fato é que somos todos concidadãos desse planeta. A consciência em Cristo nos une em nossa condição fundamental, substancial de sermos todos filhos de Deus.

Carlos Maranhão

Reflexão para o domingo, 14 de junho

Para domingo, 14 de junho de 2020

Época de Trindade
Referente ao perícope João 4, 1-42

No encontro da mulher samaritana com Jesus, após o diálogo entre eles, um detalhe passa despercebido: “A mulher deixou o seu cântaro e foi à cidade(…)”.
Na imagem acima, vemos a samaritana chegando ao encontro, no poço de Jacó, com seu cântaro na cabeça.
O que é um cântaro? O cântaro (bilha, ânfora) é um artefato usado desde a antiguidade como urna decorativa ou mesmo um receptáculo. Por ter a forma sempre com uma abertura em cima traduz também uma noção de receptividade das coisas celestes. Em diversas culturas seu simbolismo está vinculado ao sentido de que guarda os tesouros. Traduz para muitos também o simbolismo de reservatório de vida, onde sob diversas formas guardaria: o tesouro da vida espiritual, o elixir da vida, o segredo das metamorfoses, etc.
O cântaro é símbolo de espaço receptivo, seu formato, muitas vezes se assemelha a um útero. O receptáculo a ser preenchido com a nova vida. Nossos corpos físico e vital são cântaros que recebem a alma e o espírito. Por sua vez, a esfera do pensar, cujo órgão é a cabeça, representa o cântaro para a receptividade da ideia pura, a que é emanada do Logos. A esfera do sentir, no coração e pulmão recebe o amor divino. E a esfera do querer traduz em atuação no mundo, ideia pura e amor divino. Uma imagem complementar ao pensar, sentir e querer é a que encontramos nos céus, na imagem da constelação de Aquário. Antigas culturas, tinham ainda a percepção dos seres que permeavam as constelações. O ser da esfera de Aquário era o que vertia de seu cântaro a fluidez para curar o que estava enrijecido, seco e estanque. Talvez não tenhamos mais a consciência desperta para os seres das constelações, mas nem por isso eles deixaram de atuar… Aquário em nós, representa o auxílio para equilibrarmos as forças do pensar, sentir e querer. Para que o pensar não seja enrijecido, o sentir não seja seco e o querer, nosso atuar no mundo, não se estanque.


Voltemos à samaritana. Ela traz para o encontro seu cântaro preenchido das forças espirituais que atuavam até então na humanidade. Tudo o que já tendia para o enrijecimento. Em seu encontro com Jesus, ela se permite perceber a fluidez da água viva. A samaritana está em equilíbrio com suas forças do pensar, sentir e querer. Ela realiza com Jesus a chegada da transição dos tempos. Tudo o que pertencia ao passado, pode dar lugar ao novo. Ao Logos encarnado que está diante dela: “Eu Sou, quem fala contigo.” Ela está preparada para deixar o seu cântaro (imagem acima) até então receptor das antigas correntes e tornar-se ela mesma cântaro preenchido pela água viva, pelo Logos, pelo Verbo. Sua ação no mundo? Anunciar.
“Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será ele o Cristo?”
E: “Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus por causa da palavra da mulher que testemunhava”
Que a maravilhosa mulher samaritana nos inspire a deixarmos nossos cântaros onde se acumulam antigas estruturas enrijecidas, secas e estanques a impedir nossa evolução. Que nos inspire a nos tornarmos cântaros receptivos da Água Viva, do Eu Sou e termos forças para anunciar e testemunhar!

Viviane Trunkle

Reflexão para o domingo, 31 de maio

Reflexão para domingo 31 de maio de 2020.
Época de Pentecostes
Referente ao Perícope de João 14, 23 – 31

O Ato dos Apóstolos, em seu segundo capítulo, nos conta que no dia de Pentecostes  os discípulos estavam reunidos na casa onde haviam celebrado a Última Ceia e que, subitamente, um fogo dos céus apareceu sobre eles se fragmentando em línguas de fogo que descenderam e repousaram sobre cada um dos doze discípulos de Cristo. A partir deste momento eles ficaram “plenos do Espírito” e começaram a anunciar a Boa Nova de Jesus Cristos a todos os povos.  Eles tornaram-se apóstolos (palavra grega que traduzida quer dizer “enviado”) e, até o final de suas vidas, se dedicaram a levar esta mensagem a todos os lugares que visitaram. Esta “flama divina” jamais se extinguiu de seus corações e de suas consciências.  Desde então a tradição cristã relembra todos os anos, nos 50 dias após a páscoa, a vinda do Espírito Santo.
Na Comunidade de Cristãos, temos o costume de ler na celebração deste dia o trecho final do capítulo 14 que inicia com as palavras:
“… Quem me ama de verdade, guarda minhas palavras”
Podemos refletir sobre esta frase à luz da narrativa do acontecimento de Pentecostes: O que significa “guardar” sua palavra?
– Guardar na consciência, estudá-la, memorizá-la, aprofundar-se na compreensão de seu significado.
– Guardar no coração e deixar que Sua Palavra seja em nós um depurador de nossa alma, um lapidador de nossos sentimentos. Há inúmeras passagens nos Evangelhos, em especial nas parábolas, que podem nos ajudar em momentos de dificuldades, quando sentimos medo, solidão ou angústia. São palavras que trazem fortalecimento e consolo.
– Guardar Sua Palavra no mais profundo do nosso ser e utilizar os ensinamentos de Cristo como impulso para atuar na vida, impulsos para vencer o próprio egoísmo, para atuar de forma coerente na vida.
Tudo isto pode ser entendido a partir desta exortação: “guardar!”
Pode-se ainda ampliar o processo:
No início do evangelho de João, o evangelista se refere a Cristo como o “Verbo Divino”, o “Logos”, ou seja, a “Palavra”. Se tomamos esta expressão não apenas como uma alegoria, mas como uma realidade, significa que a força do ser de Cristo vive na palavra, Cristo mesmo vive em Sua Palavra. Neste sentido, guardar Sua Palavra, significa incorporá-la e incorporá-lo ao mesmo tempo, significa compenetrar-se com esta palavra que representa seu Ser. O texto do capítulo 14 prossegue:
“… e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.”
Guardar a palavra de Cristo é permitir que Ele adentre em nossa alma e que habite em nós, em nossa consciência, em nosso coração, nos impulsos que nos levam a atuar no mundo.
Vimos como o impulso de Pentecostes permaneceu aceso nos discípulos por toda sua vida terrena. Foi esta “chama divina” que os levou a todos os lugares onde deviam ir e lhes deu coragem quando tiveram que superar dificuldades.
Num sentido moderno, podemos dizer que Pentecostes hoje pode ser vivenciado a partir da exortação expressa pelo próprio Cristo no capítulo 14 aos discípulos, ou seja, a todos aqueles que, também na atualidade, querem se tornar Seus discípulos. Pentecostes acontece hoje, cada vez que nos esforçamos para “guardar” em nós algo de seu impulso espiritual. Cada vez que nos esforçamos para vivificar em nós este impulso transformador e nos sentimos imbuídos da vontade de ir ao encontro do outro para ajudá-lo, para consolá-lo, para nos confraternizarmos com ele. Nosso tempo urge por este impulso, urge por seres humanos que estejam imbuídos genuinamente de impulsos fraternos e solidários com o próximo. Tais impulsos devem também se estender a todos os seres da natureza, no cuidado, no respeito e na proteção aos seres vivos e ao meio ambiente.
Pentecostes, portanto, não é uma festa para recordar algo que já aconteceu. Trata-se do desafio diário de cuidar para que Sua Palavra não se perca ou se enrijeça no coração humano, mas que se torne algo vivo, para que a “vida pura de Cristo” vibre como fogo espiritual em nós.
Imbuídos deste fogo, fica então evidente o que Ele mesmo quis dizer ao final desta exortação: “… ergamo-nos, agora podemos sair deste lugar!”
Pentecoste não é algo para ficar limitado a uma pessoa ou a um pequeno grupo ou a um determinado lugar. É preciso sair pelo mundo e levar a todas as criaturas a força espiritual que flameja em Sua Palavra e que se tornou viva dentro de nós.

Renato Gomes