Reflexão para domingo, 16 de abril de 2023

Tomé entrou para a história do cristianismo como o discípulo incrédulo.

É necessário ver para crer!, diz-se popularmente.

Quando vemos, ouvimos, tocamos algo, temos em geral a sensação de que a experiência sensorial nos confronta com algo real, existente fora de nós, independente de nós.

Nossa consciência, por assim dizer, “toca” (ou “foi tocada”) pela “coisa real”.

A partir das experiências que nos chegam através dos órgãos dos sentidos construímos nossa noção de realidade.

Outro tipo de percepções, que não nos chegam por meio dos sentidos exteriores, denominamos subjetivas. Na maioria das vezes não lhes atribuímos o caráter de “algo” real no mundo, mas de uma vivência interna, que não pode ser percebida ou comprovada por outros. Ela é real para nós, enquanto experiência subjetiva.

Quando vivenciamos um sentimento ou desenvolvemos um pensamento ou simplesmente vislumbramos uma ideia, tudo isto se passa dentro de nós, no interior de nossa alma. Só podemos compartilhar isto com outros por meio de palavras.  Podemos contar-lhes o que se passou conosco, na expectativa de que os ouvintes compreendam e tentem formar dentro de si aquela ideia, aquele pensamento ou evocar aquele sentimento que mencionamos.

Nesta situação se encontra Tomé.  Seus companheiros relatam:

“Vimos o Senhor!”

Tomé responde:

“Se eu não puder ver as marcas dos pregos e tocá-las, não poderei crer!”

Em outras palavras poderíamos dizer:

Tomé entende que seus companheiros vivenciaram algo, mas lhe é muito difícil recriar esta vivência como processo interno. Ele necessitar apoiar esta vivência em experiências sensoriais. Somente então elas sairão do âmbito subjetivo de seus companheiros e se tornarão objetivas para ele.

Oito dias depois os discípulos estão reunidos. Tomé está com eles. O Ressuscitado aparece no meio deles e exorta Tomé a tocá-lo, a pôr o dedo no lugar das marcas dos pregos.

O Evangelho de João deixa em aberto se Tomé de fato o tocou!

Jesus lhe diz ainda:

Porque me viste, conquistaste a confiança que necessitavas.

Nos tempos atuais, praticamente todos temos algo similar a Tomé.

A fé, a experiência religiosa pertence em grande parte ao âmbito subjetivo da alma.  Em geral são vivências difíceis de compartilhar e podemos no máximo nos esforçar para pôr em palavras o que vivenciamos e aguardar que nosso interlocutor, se assim o desejar, deixe surgir em sua alma algo equivalente ao que relatamos…

A dúvida de Tomé, entretanto, é uma questão central para compreensão da mensagem do Evangelho.

Tratam-se apenas de processos interiores, subjetivos da alma humano ou há em algum lugar, de alguma forma, um local onde o subjetivo toca o que conhecemos como mundo objetivo?

Não é casual que Tomé se refira ao lugar das marcas dos pregos.

O próprio Cristo direciona sua atenção para estes lugares.

Nestes pontos seu corpo foi pregado na cruz.

São pontos que lhe causaram extrema dor e extremo sofrimento. Ao mesmo tempo por meio destes pontos Ele foi “pregado” (unido fortemente) ao mundo sensorial.

Parece então que as feridas da crucifixão se tornaram, no Ressuscitado, algo que poderíamos chamar de interface entre a vivência interior da alma e o mundo exterior. Entre o subjetivo e o objetivo.

Com sua dúvida e com suas questões Tomé se colocou próximo desta interface.

Cristo também se dirige a Tomé dizendo que se aproxime destes lugares especiais…

Esta interface surge a partir da dor e do sofrimento.

Dor e sofrimento que o uniu profundamente ao mundo.

Aqui encontremos, portanto, uma ajuda para tratar este central mistério do Cristianismo. Tomé também pode nos ajudar neste processo.

Não é ruim ter a dúvida, ela mobiliza algo em nós. Ela nos tira da zona de conforto e nos leva a buscar uma compreensão nova para aquilo que não entendemos.

Assim é também com tudo aquilo que nos causa dor e sofrimento. Eles podem nos trazer muitas dúvidas, mas podem nos mobilizar internamente para buscar respostas, novas formas de compreensão.

 Dor e sofrimento muitas vezes são a expressão de que algo nos prende, nos conecta profundamente com alguma coisa ou situação da vida.

Dor e sofrimento podem conectar de maneira muito intensa nosso mundo interior com o que vive fora de nós. Eles possuem em si a capacidade de unir-nos profundamente ao nosso destino na Terra.

Dor e sofrimento, que não são negados nem entorpecidos, mas que procuramos entender e trabalhar, podem chegar a criar em nós um lugar sensível, uma interface que conecta nossa vida interior com uma dimensão maior.

Talvez este aspecto seja a contribuição que Tomé nos deixa. Não é ruim ter dúvida, não é mal reconhecer que precisamos chegar ao limite, chegar até esta interface.

Aquele que viveu profundamente a experiência da dor e do sofrimento, aquele que quis assim unir-se com o destino da humanidade na Terra, Ele conhece bem esta interface…

…e se aproximando desde o “outro lado” Ele pode tocar e ser tocado neste local sensível.

Renato Gomes

Pastor da Comunidade de Cristãos de Berlim – Havelhöhe.

Reflexão para o domingo, 9 de abril de 2023

Referente à perícope do Evangelho de Mateus 16, 1-18

No primeiro dia da semana, quando as mulheres chegaram ao túmulo, pouco a pouco perceberam que algo havia mudado radicalmente. O sol do novo mundo começou a brilhar e a iluminar os corações entristecidos delas. O sol da ressurreição, o sol de Cristo levantou-se.

Vivemos em um mundo com várias crises. Crises pessoais, locais e mundiais.

Conhecemos bem os sentimentos da paixão, da morte e do fim dos tempos. Temos o risco de nos acostumar com esses sentimentos.

As vivências das mulheres no domingo de Páscoa mostram-nos que as crises trazem uma maior abertura para o espiritual. Quando os corações estão agitados, eles ficam mais abertos. Assim as mulheres conseguiram perceber os anjos e o ressuscitado.

Os momentos de crise trazem a possibilidade de que os nossos corações estejam abertos e que comece a brilhar neles o sol do novo mundo. No silêncio desse primeiro raiar ouvimos o júbilo do mundo inteiro: Cristo ressuscitou! Ele venceu a morte e deu sentido à nossa vida terrena. Ele verdadeiramente ressuscitou!

Julian Rögge

Reflexão para o domingo, 2 de abril

Referente ao Evangelho de Mateus 21

A entrada de Jesus em Jerusalém

O acesso à árvore da vida havia sido vedado à humanidade no momento em que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso para começar num corpo terreno o seu desenvolvimento com seres espirituais. A Árvore da vida permaneceu sobre a proteção do espírito solar. Por isso o ser humano passou a viver uma parte da sua trajetória na Terra e depois da morte uma parte da sua trajetória nos céus, onde ia de encontro ao espírito solar. Também na Terra o ser humano vive uma parte do dia em vigília e outra parte da noite no sono de volta ao mundo divino. Assim o espírito solar em comunhão com os seres divinos ainda deixavam fluir a vida para o desenvolvimento da humanidade. A árvore da vida foi passo a passo pelo mérito de iniciados se entrelaçando com a árvore do conhecimento do bem e do mal. Suas sementes foram sendo semeadas na humanidade.
Agora chegara a hora em que a árvore da vida não deveria mais ficar protegida por Deus, mas o ser humano mesmo deveria conscientemente ter acesso a essa árvore e poder gozar da vida eterna. A vida eterna compartilhada na comunidade com todos os seres divinos desde os anjos até os querubins e serafins. Estes no entanto tinham se afastado para que nesse momento único da humanidade no coração do homem pudesse ser preparada uma nova morada para a vida, para esses seres. Também na vida pós morte o ser humano não encontrava mais a assistência divina para continuar o seu caminho na Terra.
Um grande desafio chegou para o homem na hora em que estava mais fraco e sem o amparo divino. Foi nesse momento em que Cristo, o Filho de Deus, o Logos se despojou da sua natureza divina para se tornar homem e passar conscientemente pela morte. Deixou descer o seu espírito como uma semente na Terra, para morrer e frutificar.
Jesus Cristo foi crucificado. A cruz em que foi cravado foi, segundo a lenda, feita com a madeira madeira tirada da árvore da vida entrelaçada com a árvore do conhecimento. Assim Ele pôde resgatar a morte como a chance de transformação, de superação para o desenvolvimento do ser humano e ele inicia uma nova e esperançosa jornada para a humanidade, que o pode seguir.
Seu sangue fluiu para dentro da Terra. Agora o espírito do sol vive na Terra com os homens. Os homens que vão se ligando ao Cristo seja na contemplação interior, seja nas celebrações das festas cristãs vão transformando a sua natureza mortal, o seu corpo físico para que um dia sejam espíritos entre outros espíritos, eternamente.

Helena Otterspeer

Reflexão para domingo 26 de março de 2023

Referente ao Evangelho de João 8, 48-59

Admiramos uma rosa por sua beleza e perfeição. Cada rosa, em sua existência, realiza todo o potencial do seu ser e todas as rosas em todos os tempos repetem esse ideal num eterno retorno. Isso é o que acontece com todas as plantas e animais. Já o ser humano se caracteriza não pela sua perfeição, mas pelo seu constante aperfeiçoamento, ou pela sua condição de liberdade, também pela sua degeneração. A condição de cada um de nós, como seres humanos, nos leva inelutavelmente a questionar sobre nossa origem e sobre nosso destino. Se sentimos íntima e profundamente que não somos meros seres casuais numa existência efêmera e repetitiva diante do Universo, mas seres espirituais e eternos em constante aperfeiçoamento, então as afirmações de Jesus nessa disputa com os líderes religiosos judeus, relatada na passagem do Evangelho de João acima indicada, nos traz a essência do que significa ser humano. Jesus afirma existir antes de Abraão e se declara “Eu sou”, o que é uma referência direta ao nome de Deus no Antigo Testamento. Essa reivindicação de divindade de Jesus pode nos encorajar a refletir sobre nossas próprias crenças. Ele não é apenas um sábio, um mestre ou mesmo um profeta, mas é o Filho de Deus. É a entidade divina que veio à Terra para redimir a humanidade de sua condição indigna de separação do mundo divino. Essa afirmação junto com o fato da Ressurreição forma a essência do que chamamos Cristianismo. Como dizia Paulo, se não houvesse acontecido a ressurreição de Cristo, toda nossa fé seria em vão. E se considerássemos todas as afirmações de Cristo e mantivéssemos a ideia de que ele era um mestre, um líder espiritual, enfim um homem especial, mas nada mais que um homem, então poderíamos considerá-lo um louco como os fariseus e escribas o consideraram e assim o Cristianismo perderia toda a razão de existir. A nossa profissão de fé baseia-se no fato de Ele ser o Filho de Deus. Ele é o “Eu sou”, Ele é a promessa do destino de cada ser humano, que não completará sua humanidade se não vier a realizar o “Eu sou” em si. Esse é o nosso próprio destino. É o que nos mantém firmes no propósito de nos aperfeiçoarmos e nos aproximarmos cada vez mais de nossa humanidade, a exemplo daquele que veio e nos mostrou o que é ser plenamente humano e ao mesmo tempo divino.

Carlos Maranhão

Reflexão para domingo, 19 de março de 2023

A multiplicação dos pães

Todo dia, ou melhor, toda noite no sono, fazemos uma travessia da margem do mundo físico- sensorial para a outra margem da nossa existência, o mundo anímico-espiritual. O nosso corpo fica na cama entregue à providência divina e a nossa alma e espírito se elevam à nossa pátria espiritual ao encontro dos seres espirituais. Durante toda a nossa vida na Terra se alternam vigília e sono. Na vigília, despertos, acompanhando a trajetória do sol, percebemos o mundo externo, percebemos a atuação do espírito em todos os seres, nos ocupamos com a nossa vida terrena, com o pão quotidiano! No sono fortalecemo-nos interiormente, em comunhão com o Espírito solar e todos os seres espirituais. Ao acordar, continuaremos na vigília a espiritualizar a nossa natureza terrena, para podermos transformar o nosso corpo mortal, emprestado dos deuses,  em corpo imortal centrado no Eu Sou, no Espírito Solar de Cristo!

O ser humano é por si um ser inacabado, ainda em processo de formação. Tendo recebido dádivas divinas – a  sua própria corporalidade e existência terrena – ele se propõe em plena autonomia, em plena consciência a formar uma corporalidade espiritual e continuar a obra divina então como cocriador! Somos espiritualmente ainda pequenas crianças, que encerram na alma já poucas qualidades espirituais eternas, ainda coexistentes com as qualidades transitórias. Não temos muito a apresentar para preservar a fonte de vida e luz eternas. Mas o pouco que temos devemos apresentar a Cristo. Ele mesmo formou o seu corpo espírito, o corpo da ressureição pela sua paixão.

Ser homem significa receber com gratidão, na Terra, as dádivas divinas e utilizá-las num processo de aprendizado, de desenvolvimento para se tornar um ser espiritual. Este ritmo alternado entre vigília e sono, entre mundo e espírito será sempre bem conduzido por Cristo. Ele conduz nossa alma no sono à sua luz, à sua força. Ele permeia nossa alma na vigília com a consciência do Eu Sou. O Eu Sou em Cristo.

Esse maravilhoso ritmo da alma, instituído no ritmo de vigília e sono, poderá ser conquistado pelo Eu Sou, que a cada momento poderá em plena fé se elevar às alturas do espírito, receber as bênçãos das palavras de Cristo para poder superar todas as trevas e fraquezas da alma!

Cristo é o guia das almas, o pão da vida. Sigamos a caminhada da vida com Ele. A sua luz e sua força, em nossa alma, irão cada vez mais permeando e transformando o nosso corpo, curando-o das doenças e atribulações, elevando-o ao espírito.

Helena Otterspeer

Reflexão para o domingo, 12 de março de 2023

Referente ao perícope do Evangelho de João 8, 1-12

Ao entramos na luz de Cristo percebemos onde adulteramos nossas metas e não seguimos o nosso destino. Nesses momentos facilmente queremos nos ‘apedrejar’. Nós nos julgamos maus, fracos e insuficientes. Podemos perder a esperança de transformar algo em nós ou de fazer uma diferença no mundo.

O Cristo não julga. Nem a mulher no Evangelho, nem a nós. Ele acolhe nossos erros. Ele acorda a consciência e ilumina nosso ser. Nessa luz, ele nos deixa reconhecer em liberdade em que ponto saímos de nosso caminho e onde queremos nos transformar.

Esse é um caminho árduo e longo. Com a ajuda de Cristo podemos trilhá-lo e, pouco a pouco, transformar e iluminar todo nosso ser eterno.

Julian Rögge

Reflexão para o domingo, 5 de março de 2023

Referente ao perícope do Evangelho de Mateus 17, 1-13

Caspar- David Friedrich- O caminhante acima das nuvens

Sublimes alturas estão reservadas para o ser humano! No entanto, na caminhada até lá, passará por perigos e vales sombrios! Alcançar as alturas é possível para aqueles que seguem seu chamado espiritual e se tornam testemunhas da atuação divina no âmbito da Terra. Como testemunhas, poderão vislumbrar no mundo sensorial a revelação de Deus e assim se entusiasmar para servi-lo. Um novo sentido lhes revela um conteúdo, uma verdade espiritual, tornando-se imagens de uma realidade além dos limites do mundo sensível. Tais imagens da realidade do mundo divino estão contidas nos antigos mitos, no Antigo e no Novo Testamento. Quanto tem sido conquistado pelos grandes guias da humanidade como Moisés e Elias, fiéis servidores de Deus! Ao longo do desenvolvimento, tais guias espirituais foram dando a mão uns aos outros para que a humanidade alcançasse um nível mais elevado. Hoje desfrutamos de uma rica vida cultural e espiritual nas ciências, na arte e na religião! A nossa alma desfruta de sensações diferenciadas, de conhecimentos e impulsos da vontade!

Paralelamente a este desenvolvimento, o ser humano foi se tornando cada vez mais autoconsciente, com a tendência de atribuir todos os seus dons ao seu próprio mérito e querer aplicá-los sobretudo para proveito imediato na Terra. Assim, a humanidade foi se tornando cada vez mais exploradora dos recursos naturais e espirituais da Terra! A sua perspectiva não chega mais além do que preservar as suas conquistas materiais. O sentido para ouvir o chamado que provém das metas futuras da humanidade foi se extinguindo! Este é o chamado do Cristo, que poderia hoje soar assim:

Agora já sois capazes de vos tornardes filhos de Deus, portadores do espírito divino! Isto se deve ao imenso empenho dos deuses até agora, ao imenso sacrifício dos deuses para derramar suas graças na humanidade! Agora chegou o momento em que podeis retribuir aos deuses e ao Universo, colaborando para um desenvolvimento futuro. Para isso devereis vos tornar seguidores do Cristo, sobretudo no que concerne à sua capacidade de se sacrificar por amor à vida, à verdade, à existência de outros seres!

Sim, hoje temos todos os recursos exteriores e anímicos para nos elevarmos até as alturas de uma sabedoria ancestral, de visualizar metas espirituais! No entanto nos falta ainda que o nosso coração se inflame para seguir o Cristo, que abdicou da sua elevada natureza divina para penetrar nos vales escuros da Terra e da alma humana!

Com o início da época da Paixão podemos confiar que todo o empenho para aceitar e enfrentar voluntariamente os imensos desafios do destino possibilitará ao ser humano compartilhar das forças do Cristo para a sua superação. Cristo concede à humanidade a força para poder vencer a destruição, a decadência, enfim, as trevas e a morte. Ele é luz e vida!

Helena Otterspeer

Reflexão para domingo, 26 de fevereiro de 2023

Referente ao Evangelho de Lucas 18, 18-34

O jovem de nossa história leva a religião a sério. Ele está determinado a fazer tudo certo. Ele está ansioso para fazer a Jesus a pergunta que arde em sua alma: “Como posso herdar a vida eterna? O que eu tenho que fazer?”. Ele vem ansioso. Ele vem de bom grado. Quando questionado, ele afirmou que havia guardado todos os mandamentos desde a juventude. Quem de nós seria capaz de dizer algo assim sobre nós mesmos hoje?  Mas então Jesus faz uma pergunta que o jovem não esperava: Você está disposto a desistir de todas as suas posses e andar comigo como um pobre andarilho?  O jovem falha neste teste. Ele teria que renunciar a suas aparentes riquezas: valores não só materiais, convicções também, visão de mundo também. Obrigado, então melhor não.  Então, quem pode ser salvo?

Ele não é diferente da grande maioria das pessoas hoje, ricos e pobres. Todos os orgulhosos de seus valores. Mas a realidade era que ele estava total e completamente falido, pois quem se apega apenas às riquezas do mundo, materiais e imateriais, não sabe o que realmente é riqueza. O jovem sai triste, mas Jesus não o condena. Ele não condena a ninguém, simplesmente espera que ele volte. E quem garante que ele não tenha voltado? Ele se sentiu amado pelo seu olhar e ficou triste por não poder dar o passo que Jesus requeria. 

Alguém imaginou que esse jovem poderia ter sido o evangelista Marcos, que era rico e nobre, ou Lázaro que também era rico. Isso é muito possível, pois não se diz que ele não tenha superado a crise depois de partir. Quem pode ter um encontro como este e não passar por um grande abalo em toda sua estrutura existencial? O encontro com o Cristo pode ter desencadeado a doença que leva à salvação, pois nada é impossível para Deus, nem mesmo um camelo passar pelo buraco de uma agulha. 

Carlos Maranhão

Reflexão para domingo, 19 de fevereiro de 2023

Referente ao perícope do Evangelho de Mateus 4, 1-11

No Antigo Testamento fala-se pela primeira vez na tentação quando a serpente (Lúcifer) insiste para que Eva coma do fruto da árvore do conhecimento do Bem e do Mal.

Eva viu que o fruto era atrativo aos sentidos e o saboreou, entregou-o também a Adão, para que o comesse.

A tentação no Paraíso começa com a atração do ser humano por certo alimento. Um alimento que lhe apetece.

Ao comê-lo seus olhos se abrem, ou seja, os sentidos humanos se direcionam com maior intensidade para a realidade sensorial do mundo.

Se antes Adão e Eva viam diretamente a Deus, depois de haver comido do fruto da árvore do conhecimento, perdem este contato imediato com Ele e precisam deixar o Paraíso.

O fruto da árvore do conhecimento possibilita ao ser humano mergulhar com maior profundidade no seu organismo físico e por conseguinte seus sentidos para o mundo exterior se abrem, ao mesmo tempo que os sentidos para o mundo divino (Paraíso) começam a se fechar.

O impulso para provar da árvore do conhecimento, porém, provém do âmbito inconsciente do sistema digestivo (“o fruto apetitoso, bom para comer”).

Os alimentos que comemos ajudam a unir nosso organismo corpóreo com a própria Terra, nos dão força e disposição. Ao mesmo tempo nos ajudam a estar vigilantes na consciência e ser capazes de usar nossos sentidos para investigar e compreender o mundo que nos rodeia.

Este é o caminho da encarnação do ser humano na Terra. Neste caminho fomos nos afastando cada vez mais dos céus.

Nos afastamos tanto que hoje, na maioria das vezes, não temos dúvidas que somos cidadãos da Terra, mas vivem em nós muitas questões quanto à nossa origem celeste e se um dia retornaremos à pátria divina ou se sucumbiremos, seguindo o mesmo destino da matéria do mundo, que compõe nosso corpo físico.

Para trazer à humanidade uma nova possibilidade de retornar ao mundo celeste, ou à Casa do Pai, como é chamada nos Evangelhos, Cristo veio ao mundo.

Logo após o Batismo no Rio Jordão, Cristo vai ao deserto. Ali ele é tentado.

Nesta cena do Evangelho de Mateus temos uma descrição imaginativa do processo que se repete desde a cena descrita no início do Antigo Testamento.

Cada espírito humano que se encarna, entra numa relação mais profunda com seu organismo corpóreo. Seus sentidos se abrem cada vez mais intensamente para perceber o mundo físico, mas ao mesmo tempo percebe que o seu próprio corpo também reclama por algo que somente se supre por meio do alimento.

A vida no espírito não necessita do alimento terreno. O corpo, porém, precisa dele.

O tentador apelou principalmente ao lado instintivo que o alimento provoca. No princípio, identificado como serpente no Paraíso, ele confundiu Eva e lhe disse que se comesse não sofreria as consequências da encarnação no organismo corpóreo.

Na descrição de Mateus o tentador almeja mais uma vez confundir os âmbitos, pois a partir do instinto da fome, que surge do organismo corpóreo, ele quer direcionar a essência divina de Cristo (“Tu, que és o Filho de Deus”) a identificar-se com a essência terrena (“Transforma estas pedras em pão”).

Cristo tem plena consciência do que está passando e coloca as coisas no seu devido lugar:

“Não só de pão vive o homem” (apenas seu organismo corpóreo),

“mas de toda palavra que provém da boca de Deus” (pois este é o alimento do Espírito).

No Antigo Testamento foi descrito o caminho dos Céus a Terra.

A partir da tentação no deserto, Cristo nos mostra o caminho para reencontrar o acesso ao mundo divino: não permitir que nossa essência divina se confunda com a terrena. Dar ao Espírito o alimento que lhe é necessário.

Então será possível que os seres humanos, pouco a pouco, recomecem a abrir os olhos da alma para enxergar de novo o Paraíso que abandonou há tanto tempo.

Renato Gomes

Reflexão para domingo, 12 de fevereiro de 2023

Referente ao perícope do Evangelho de Lucas 8, 1-16

Um lavrador prepara primeiro a terra. Depois ele tomará todo cuidado para que as valiosas sementes caiam só na terra boa. Ele nunca iria desperdiçá-las na terra não preparada.

O semeador da parábola atua de maneira diferente. Ele deixa cair as sementes em todas as qualidades de terra. Diferente do lavrador, ele aparentemente não se preocupa com o desperdício das sementes. Isso nos mostra uma grade diferencia entre os dois semeadores.

Deus está contando com o fato de que toda a terra pode se transformar. Que a terra ruim, a terra não preparada, pode se converter em terra boa. Ele está prevendo a possibilidade de que nós mesmos preparemos a terra da nossa alma. Temos sempre de novo essa possibilidade. Nunca será tarde demais para essa transformação.

Nossa tarefa é começar a trabalhar e a lavrar nossa alma. Transformar os espinhos das preocupações excessivas e prazeres exagerados. Tirar as pedras do medo e da desconfiança. Através do trabalho de transformar e preparar a nossa alma receberemos cada vez melhor as sementes, a palavra de Deus.

Julian Rögge