Reflexão para o domingo

Reflexão para domingo, 27 de novembro de 2022

Referente a Lucas 21

As seguintes palavras de Schiller podem nos fortalecer em muitos momentos: “Procuras o mais supremo e grandioso, a planta pode te instruir. O que ela é inconscientemente e sem intuito, sejas tu com intencionalidade e dedicação”. 

Realmente uma espécie de planta pode vir a se adaptar a várias condições climáticas diferentes e, independente disso, sempre revelar no seu crescimento, nas suas folhas, flores e frutos a força de vida solar. Assim uma mesma planta cresce e se apresenta diferente nas altas montanhas ou nas margens úmidas de um rio! Também quando no ritmo do ano os dias se tornam curtos, a luz e calor do sol no inverno diminuem, muitas árvores deixam previamente cair suas folhas, suas seivas se retiram para dentro da Terra, deixando formado os brotos, quase imperceptíveis. Esses brotos são como um voto de confiança e de reconhecimento das forças de vida, que podem vencer sempre as forças da morte e das trevas. No seu sono invernal a planta se liga interiormente com a sua imagem arquetípica luminosa, que brilha no interior da Terra, aguardando o momento para se revelar no mundo sensorial. Assim, mesmo de maneira inconsciente, no inverno, a planta abdica de seu crescimento, de sua ligação viva com o ambiente formando o pequeno broto. No momento certo ele se abrirá e um novo ciclo de vida se iniciará. 

Neste primeiro domingo de Advento se inicia um novo ciclo do ano cristão, durante o qual, nas celebrações das festas anuais, podemos vir a crescer no nosso envolvimento e comunhão com as forças solares do Cristo. Temos caminhado com Cristo desde a sua ressurreição para podermos alcançar nossa meta espiritual; a comunhão eterna com os seres divinos. No Advento devemos nos retirar de tudo o que procura desviar nossa atenção do nosso interior, da nossa alma, pois dentro dela vai se formando a imagem luminosa do Filho do Homem – nossa meta espiritual. Hoje esse movimento para dentro exige muito esforço. A enorme tecnologia com seus ruídos, com a imensidão invasiva de imagens exteriorizadas quer ocupar completamente a alma humana. Também todas as vivências dramáticas das catástrofes atuais nos querem tomar completamente. A alma fica paralisada. 

Em comunidade podemos juntos virar as costas para todas as ações frenéticas e exteriores e criarmos o espaço de calma e atenção para ascender da consciência espiritual própria, vislumbrando o Filho do Homem, que vem ao encontro de cada um. Acendemos as velas do altar, o representante sacerdotal do Filho do Homem começa a atuar no altar. Ele vem ao encontro de cada um no momento da comunhão. Ele concede a cada um a substância da paz. Na alma humana vai se formando o germe de uma existência espiritual que preenche a alma de confiança, esperança e fortaleza para aguentar os desafios do mundo e com coragem construir o futuro.

Todas as tendências destrutivas da civilização atual podem parecer então, como a condição necessária para que cada um largue as preocupações para preservar a vida puramente terrena e transitória, a velha condição de existência, o velho mundo e começar a construir a sua nova morada, a sua veste espiritual. Com esta veste ele vai ser acolhido na comunidade universal de todos os seres divinos e ter acesso à fonte da água da vida. Este processo já não começou?

Helena Otterspeer

Conto: A boa lanterna

Há muito tempo atrás numa aldeia, viviam três camponeses que eram muito bons amigos. Certo dia eles ouviram dizer que havia nascido o Menino-Deus, lá em Belém, num curral. Contaram também do milagre que aconteceu quando, por onde Maria havia pisado, nasceram pequenas florezinhas brancas e brilhantes que mais pareciam estrelinhas luminosas caídas do céu. Animados os três amigos disseram:
– Para lá também iremos!
Pegaram seus casacos, seus gorros – pois lá fora fazia muito frio – e já estavam quase saindo quando um deles disse: – Não levaremos nada para a criancinha? Dizem que seus pais são muito pobres.
– Ó sim, disse Knut, o mais velho. eu levarei uma garrafa de leite fresquinho.
– E eu levarei um pouco de açúcar e de semolina para que sua mãe lhe faça um mingau bem docinho – disse Holley, o do meio.
Hannes, o mais novo, ficou pensando no que levar. Foi quando viu em cima da mesa o cesto de ovos que acabara de colher no galinheiro e disse:
– Eu levarei uma cesta de ovos – e colocou entre eles feno bem cheiroso para que não se quebrassem no caminho.
Os três então partiram, levando consigo suas lanternas, pois já estava escurecendo. Iam caminhando com pressa pois não viam a hora de conhecer o Menino-Deus. Já tinham andado um bom trecho quando encontraram uma criança sentada num tronco de árvore, chorando.
– O que tens, porque choras? – perguntaram os camponeses ao menino.
– Está escuro e não consigo encontrar o caminho de volta para casa. Meus pés e minhas pernas estão doendo e estou tão cansado que nem consigo mais andar.
Hannes olhou bem para o menino e disse:
– Eu te conheço, você não é o filho do moleiro? Venha Holley, pegue minha lanterna e o cesto de ovos que eu carrego o menino para casa.
– Ah não – disse Knut – eu não vou com vocês, pois o moleiro mora muito longe daqui e eu quero ser o primeiro a ver o Menino-Deus.
– Espere um pouco – disse Hannes – andaremos rápido e logo estaremos de volta!
Mas Knut nem ouviu seus dois amigos e saiu correndo morro abaixo. Chegou numa encruzilhada e, como não sabia qual caminho tomar, uma rajada de vento apagou sua lanterna e, desorientado, ele só encontrou o caminho que o levou de volta para sua casa.
Hannes e Holley chegaram logo ao moinho e encontraram os pais do menino muito aflitos, procurando e chamando por ele. Aliviados, abraçaram o filho e agradeceram muito aos dois camponeses.
Os dois amigos retomaram então o seu caminho pela estrada, até que se embrenharam pela floresta. Já estava muito escuro e somente as estrelas cintilavam por entre as árvores. De repente Hannes segurou Holley e disse:
– Psiu, tem alguma coisa se mexendo por trás daquele arbusto!
Devagarinho, com cuidado, foram se aproximando quando viram um veadinho por trás das folhagens. O coitadinho parecia estar machucado, pois nem se movia. Parecia ter machucado uma perna, pois não conseguia se levantar.
Hannes ficou ali pensando em como ajudar o animalzinho. Holley, porém, foi logo dizendo:
– Vamos continuar nossa caminhada, não podemos perder mãos tempo, não quero ser o último a ver o Menino-Deus!
Como Hannes ficou parado, Holley foi embora sozinho atravessando a floresta. Chegando a uma clareira, soprava um vento tão forte que apagou a sua lanterna. Desorientado na escuridão, só encontrou o caminho que o levou de volta para casa.
Enquanto isto, Hannes pegou um graveto, rasgou um pedaço do seu lenço e com eles fez uma atadura para do bichinho. Depois carregou-o para uma pequena caverna, onde ficaria protegido do vento frio da noite. Pegou um pouco de água do seu cantil, colocou nas mãos e deu de beber ao veadinho que estava com muita cede. E pensou:
– O bichinho deve estar com fome… – e lembrou-se do feno que havia colocado entre os ovos; pegou com cuidado da cesta e deu de comer ao veadinho que comeu com vontade.
Tranquilo, pegou o cesto com os ovos, a lanterna e retomou a caminhada para levar seu presente ao Menino-Deus.
Quando Hannes saiu da floresta, viu que a luz da sua lanterna estava diminuindo e logo a chama se apagou. Temendo perder o caminho, ou mesmo tropeçar em alguma pedra, ou cair num buraco, foi andando bem devagarzinho olhando atentamente para o chão, quando viu um pouco adiante uma florzinha branca, brilhante como uma estrela. Ao acercar-se dela, notou que havia outra um pouco mais adiante e assim foi seguindo as florezinhas, percebendo, cheio de alegria, que as florezinhas foram as que nasceram aos pés de Maria e lhes indicariam o seu paradeiro.
Finalmente avistou o curral e já de longe ouviu o maravilhoso canto dos anjos. Com suas flautas, violinos e harpas tocavam melodias jubilosas, jamais ouvidas por ele.
Da manjedoura irradiava uma intensa luz, onde Maria deitara a Criança Divina. Maria acenou para que ele chegasse mais perto e Hannes aproximou-se devagarinho e, ao ver o lindo Menino, sentiu-se como um sedento a saciar a sede e como um faminto a saciar a fome.
Estava tão feliz e contente que não conseguia tirar os olhos do Menino Jesus, de tão lindo que Ele era!
Até que se lembrou que havia levado um presente para o menininho. Pegou a cesta de ovos e a entregou a Maria dizendo:
– Somente uns ovos eu trago para a criancinha, como gostaria de dar-lhe algo melhor e mais bonito! Então perguntou a Maria:
– O que será que o menino Jesus desejaria?
Maria sorriu e lhe disse:
– Os homens tem muitos desejos, mas o Menino Jesus tem um só: que todos os homens da Terra, pequenos e grandes, se amem e se entendam.
Depois, olhando para a lanterna de Hannes, disse:
– A luz da sua lanterna se apagou. Aqui tens uma vela para reacende-la e regressar à sua casa.
Hannes agradeceu a Maria, inclinou-se diante do Menino Jesus e, radiante de alegria, com o coração cheio de luz, saiu do curral. Porém, olhando para a velinha que Maria lhe havia dado, pensou:
– Com esse toquinho de vela não conseguirei ir muito longe…
Entretanto, depois de ter caminhado por longo tempo sobre os vales e montanhas, percebeu com admiração que o toquinho de vela não tinha se apagado, apesar do vendo e da tempestade balançarem a lanterna para lá e para cá.
Chegou em casa muito feliz e agradecido por tudo que havia vivenciado. Sua esposa, contente lhe disse:
– Graças à Deus que estás em casa pois, com essa tempestade, temi que a sua luz se apagasse e não encontrásseis o caminho de volta.
Então ela ajudou-o a tirar o casaco, o gorro, e serviu-lhe um chá quentinho enquanto ele se aquecia ao lado da lareira. Hannes contou-lhe tudo sobre o Menino Jesus, sobre o maravilhoso canto dos anjos, sobre as florezinhas brancas e brilhantes que lhes indicaram o caminho e também sobre a vela que havia ganhado de Maria e que não apagara nem com a tempestade.
Quando finalmente foram dormir, tentaram apagar a vela da lanterna, mas esta não queria se apagar, e não se apagou, e continuou brilhando no dia seguinte, e no outro, e no outro, e assim por muito tempo.
Certo dia, porém, quando a mulher foi à cozinha para preparar o café da manhã, reparou que a vela da lanterna estava apagada. Então foi acordar o seu esposo e viu que ele tinha se posto a caminho, a seu último caminho, levando a luz consigo, de volta para o céu.

Conto: Rosa Huettner
Tradução: Jacy Mendonça
Adaptação: Karin Stach e Viviane Aranha

Reflexão sobre o Evangelho de João, 4 de maio

“Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: ‘Eu sou o pão que desceu do céu.’
E diziam: ’Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz ele: Desci do céu?’
Respondeu, pois, Jesus, e disse-lhes: ‘Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.
Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim. Não que alguém visse ao Pai, a não ser aquele que é de Deus; este tem visto ao Pai. Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto, e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo.’
Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: ‘Como nos pode dar este a sua carne a comer?’
Jesus, pois, lhes disse: ‘Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre.’”

João 6, 41-58

“Eu Sou o pão da vida” é a primeira das sete afirmações “Eu Sou” do Evangelho de João. Por ela adentramos no mistério do “Eu” divino e do “Eu” humano. Vemos que aqui não se trata do pão num sentido comum, mas da própria carne do Cristo, na qual o pão da Eucaristia se transubstancia e que tomamos parte na Comunhão. Nesse momento central da celebração do Ato cúltico, adentramos na profundidade do Mistério, mas isso não significa que não possamos vivenciá-lo a cada momento em que carregamos na consciência nossa ligação com o Cristo. O mistério de alimentar-se do Eu divino é o mesmo que nos torna conscientes de que nosso ser não é terreno, mas celeste, que somos filhos de Deus e que alcançar o “não eu, mas o Cristo em mim” equivale a tomar consciência de que a verdadeira vida não tem fim, mas é eterna. “vida eterna” tem aqui duas acepções. Uma é a ideia de um tempo infinito que se estende desde a criação e ultrapassa o limite da morte física. O outro é o de poder vivenciar a vida eterna no momento em que estamos intimamente ligados ao Cristo como fonte de vida. Assim, quando comemos do pão da vida, obtemos esperança, propósito e direção. Quando comemos do pão da vida, crescemos em paz, justiça e sabedoria. Quando comemos do pão da vida, sentimos conforto na angústia e vencemos o medo. Quando comemos o pão da vida, seguimos o exemplo de Cristo e desenvolvemos a capacidade de compaixão, a capacidade de amar. Essa relação fortalece nossa fé e fornece apoio e significado à vida, força perante as adversidades e crises.
Na crise atual, continuamos celebrando o Ato de Consagração do Homem, embora sem a presença física da Comunidade. No momento da Comunhão, o sacerdote permanece por um tempo em silêncio, distribuindo o pão e o vinho, imaginativamente para a Comunidade. Se os membros estão sintonizados e interiorizados nesse momento, recebem o pão da vida da mesma maneira como se estivessem presentes e tomassem parte na Comunhão. Tal é a força de Cristo, que não se limita às leis comuns do tempo e do espaço.

Carlos Maranhão

Pontos de vista espirituais para compreender uma epidemia

Resumo de uma palestra proferida online no EcoSocial, no dia 20 de abril de 2020

Nesse momento, em que todos falam da pandemia do coronavírus, poderia nos surgir o sentimento de que os vírus são sempre organismos nocivos. Mas isso não é assim. Os vírus, como tantos outros microrganismos, fazem parte da nossa vida e, sem a presença deles, não poderíamos viver. Sobre as bactérias o conhecimento já é bem mais profundo e difundido. Provavelmente todos sabemos da importância das bactérias em nosso organismo. Sem a flora intestinal não nos seria possível a digestão. O conhecimento sobre os vírus é muito mais recente e só nas últimas décadas se pôde fazer pesquisas a seu respeito. Na natureza os vírus são os agentes dos processos transgênicos. Eles têm a possibilidade de alterar o material genético de um outro organismo. Por isso os vírus exerceram e exercem um papel fundamental na evolução das espécies na natureza, e também em nossa própria evolução. Disso decorre que tanto as bactérias como os vírus nos ajudam em nossa vida. É um caso excepcional quando um vírus se torna um agente provocador de uma doença.
Mas, quando isto acontece, temos um sistema imunológico que nos protege. Nosso sistema imunológico tem a possibilidade de reconhecer o que faz parte de nós e nos é saudável, e aquilo que não nos pertence e nos faz mal. Normalmente o sistema imunológico tem a possibilidade de nos defender contra os vírus provocadores de doenças. É o sintoma de uma fraqueza do nosso sistema imunológico quando não conseguimos nos proteger e ficamos doentes.
Assim, quando surge uma epidemia como a atual, podemos nos fazer duas perguntas:
– Por que um vírus se torna patogênico?
– Por que tantas pessoas estão enfraquecidas em seu sistema imunológico?
Em relação ao aparecimento do coronavírus podemos ser levados a formar uma consciência do relacionamento que temos atualmente com os animais. É do reino dos animais que surgem os vírus patogênicos. É necessário olhar para o modo como tratamos os animais na produção de alimentos e outros derivados. O modo como os tratamos é tão terrível que não se pode mais falar da criação de animais como antigamente, mas de um enorme processo industrial de produção de carne, leite, ovos, etc. O grande problema dessa realidade é que não apenas produzimos aquilo que queremos obter como produtos, mas também as doenças que criamos. No âmbito veterinário isso já se mostra evidente: 70% a 80% de toda produção de antibióticos é destinada para impedir que os animais morram nesse processo industrial. Somente 20% a 30% dos antibióticos produzidos no mundo são destinados para seres humanos.
Mas, em um âmbito espiritual, há um outro relacionamento que não se mostra tão evidente. O modo como lidamos com os animais na produção industrial provoca neles um sofrimento imensurável. Surgem assim, do reino animal, os vírus que provocam doenças em nós. Os sofrimentos que temos com a epidemia está num prato da balança e, no outro lado, o sofrimento que nós provocamos aos animais. Em um âmbito moral podemos sentir a grande culpa que temos perante os animais. Existe uma tendência no mundo de criar um equilíbrio entre o sofrimento que provocamos e o sofrimento que nos é provocado. Podemos sentir essa necessidade de equilíbrio como uma forma de justiça. E só então pode surgir o impulso de mudar o nosso comportamento em relação aos animais.
Uma outra pergunta que podemos nos fazer é o que os vírus necessitam para sobreviver, do que eles se alimentam. Existe com certeza uma resposta no âmbito biológico. Mas esse não é o nosso tema no momento. Também nós, como seres humanos, não necessitamos apenas de uma alimentação no âmbito biológico. Para nos desenvolvermos necessitamos também de um alimento anímico, de uma atmosfera social adequada. Nesse sentido podemos perguntar do que os vírus patológicos se alimentam animicamente. A resposta é surpreendente: eles se alimentam do medo e se desenvolvem em um ambiente de mentira.
A pandemia do coronavírus pode nos levar à consciência da culpa que temos perante os animais e da atmosfera de mentira e de medo que criamos em nossa sociedade. A curto prazo precisamos de um medicamento que nos ajude a superar a doença. A longo prazo precisamos dar um passo a frente em nosso desenvolvimento moral.
A segunda pergunta é: por que tantas pessoas estão enfraquecidas em seu sistema imunológico e se tornam doentes pela atuação do coronavírus?
O sistema imunológico é um reflexo da individualidade, do Eu de cada um de nós. Esse sistema reconhece, no âmbito metabólico, o que nós somos e o que nós não somos. O que enfraquece o nosso sistema imunológico já foi muito pesquisado pela salutogênese:
– Uma alimentação que sacia o nosso estômago mas não nos nutre.
– O sono perturbado que não nos revitaliza.
– A falta de movimentos sadios.
– A poluição da água e do ar.
– A poluição sonora.
– A poluição eletromagnética!
– Estresse.
– Sentimento de insegurança.
– Falta de confiança.
– Medo.
– Falta de criatividade.
– O hábito de criticar tudo e todos de uma forma destrutiva.
– Pensamentos negativos.
– Mágoa.
– Rancor.
– Ódio.
– Um modo materialista de pensar e sentir.
A lista é grande e poderia crescer muito mais. Mas a qualidade daquilo que nos enfraquece já nos fica bastante evidente.
A epidemia do coronavírus pode nos levar a perguntar: como está a nossa vida, a vida real de cada um de nós? Estamos vivendo um modo de vida que está nos enfraquecendo? E o que podemos fazer para fortalecer o nosso sistema imunológico? Para responder a essas perguntas é necessário apenas olhar para o oposto do que nos enfraquece.
O que nos fortalece no nível do corpo é uma alimentação saudável que realmente nos nutra, um sono que nos eleve ao espiritual e revitalize as nossas forças vitais, movimentos do corpo que façam sentido e o fortaleçam de uma maneira sadia.
O que nos fortalece no nível anímico são os sentimentos de gratidão, confiança e positividade.
O que nos fortalece no nível espiritual são pensamentos que superam o materialismo, a possibilidade de reconhecer um sentido em nossa existência, de reconhecer o espiritual no mundo e no outro, e desenvolver a força do Eu que assume a responsabilidade pelos seus atos.
Quando falamos da epidemia, falamos de uma doença e pensamos que ela é causada pelo coronavírus. Mas o vírus não causa a doença, ele apenas a provoca. A diferença entre causar e provocar é muito importante. No âmbito anímico nós conhecemos essa diferença muito bem. Se alguém me provoca a partir do modo de falar comigo, pode ser que eu reaja com agressão. A provocação vem de fora, da pessoa que me provoca. Mas o fato de eu reagir com agressão não é determinado pela outra pessoa, é algo determinado por mim. A causa da maneira como eu reajo está apenas em mim. E no decorrer do tempo é possível que se aprenda a não reagir com agressão a uma provocação. O vírus é uma provocação, ele provoca a doença. Mas se ficamos realmente doentes, ou não, é uma questão individual. A maioria das pessoas não fica doente. Assim surge a pergunta: por que eu fico doente? É possível se aprender algo com a doença? No nível fisiológico o sistema imunológico aprende com a doença e se cria uma imunidade. Mas de uma doença podemos aprender também em um nível anímico espiritual. Essa é a grande diferença entre uma doença nos animais e em nós. No reino animal, na natureza, as doenças têm um papel regulador. Quando um animal selvagem adoece, ele morre. Ele nada aprende com a doença. Para nós as doenças são oportunidades de aprender algo.
Existem as doenças comuns que acompanham a biografia de cada um de nós. Na infância e na juventude são, em geral, as doenças infecciosas, que têm como tarefa ajudar o organismo a desenvolver o sistema imunológico. Entre os 20 e 40 anos de idade as doenças psicossomáticas são as mais frequentes, que acompanham os processos de se encontrar a si mesmo, de encontrar a tarefa na vida, de formar os relacionamentos com os outros. Nesse período as doenças têm mais a tarefa de desenvolver, por assim dizer, um “sistema imunológico anímico”. A possibilidade de reconhecer quem somos e de nos aceitarmos tal como nós somos. Na terceira idade estamos mais sujeitos às doenças crônicas. Apesar dos sofrimentos que nos trazem, elas têm a grande tarefa de nos levar a experiência existencial de que nós temos um corpo que está fenecendo continuamente e um dia morrerá, e também que nós não somos em realidade o corpo, mas seres espirituais. Formamos como que “um sistema imunológico espiritual”.
Mas existem também as doenças inesperadas, que não estão ligadas com o desenvolvimento geral do ser humano, mas que nos levam a um desenvolvimento individual. Essas doenças estão ligadas com o destino, com o carma de cada um de nós. A pergunta “porque fiquei doente, e por que eu?” pode nos levar a descobrir aquilo que devo aprender nesse momento e qual a tarefa de aprendizado é provocada pela doença.
No caso de uma pandemia não se trata apenas de uma tarefa de aprendizagem para o indivíduo que adoece, mas a tentativa de despertar toda a humanidade para a tarefa que temos num âmbito global. Assim, perante a crise do coronavírus podemos perguntar: o que temos de aprender nesse momento como humanidade?
Muitas pessoas estão perguntando o que, e quem está por trás dessa pandemia? Quem está manipulando e regendo os eventos sobre a humanidade? Políticos? Grupos econômicos? O sistema financeiro? Círculos ocultos com poderes mágicos? É difícil saber.
Mas existe, com certeza, algo que já há muito tempo vem regendo a humanidade: uma determinada forma de pensar!
Desde o século 19 o modo de pensar materialista, mecânico vem regendo o mundo, um modo de pensar que vê o ser humano como uma máquina, e procura mecanizar todos os âmbitos da nossa vida. As consequências desse modo de pensar determinam sempre mais o nosso dia a dia.
E o modo como nós pensamos revela, em um nível espiritual, a qual senhor estamos servindo.
Albert Einstein disse as seguintes palavras: “O modo de pensar que criou um problema jamais terá a possibilidade de resolvê-lo”.
A pandemia, e o modo como lidamos com ela, é apenas um dos grandes problemas da atualidade. Todos os problemas globais gritam para despertar-nos. Para que mudemos o nosso modo de pensar temos de espiritualizar o nosso pensar, criar um pensar que reconheça o espiritual no mundo, na natureza, no ser humano. Essa é a ajuda que podemos receber da Antroposofia. Servir esse pensar significa atuar para que nós e a nossa sociedade não sejamos vistos e tratados como máquinas, mas que sejamos o palco onde a qualidade humana possa se desenvolver em liberdade e responsabilidade.
Como será a nossa vida depois da pandemia do coronavírus?
Albert Einstein disse também estas palavras: “A maior forma da loucura é deixar tudo como estava no passado e, ao mesmo tempo, ter a esperança que no futuro algo vá mudar”.
A crise atual nos obrigou a fazer, por um momento, uma pausa. É um espaço de tempo valioso para se perguntar como queremos viver daqui para a frente. Espero que possamos aproveitar a grande chance da pandemia para mudar algo em nossas vidas, tanto no âmbito pessoal, como no âmbito social.

João F. Torunsky