Conto: A Ilha das Pedras

Parte II

Certa manhã o Bardo disse: “A filha do rei está à sua procura. Ela tem um coração puro, e te ama profundamente.”
O rapaz muito se surpreendeu, e disse: “Eu não a conheço; como pode ela me amar?” “Ela escutou seu canto e reconheceu a sua alma. Vá até o castelo, pergunte-a sobre a velha lira do falecido Rei, voltem os dois até mim o mais rápido possível, pois eu quero lhes cantar uma música antiga, desconhecida.”
O rapaz saiu bem depressa. Porém em toda a ilha já havia brigas e caos. As pessoas não mais se entendiam direito entre si.  O que uma pedra dizia no coração, não combinava mais com aquilo que outra dizia. Era como se todas falassem línguas diferentes entre si. E os dons das pedras desvaneciam e murchavam, assim como rosas que um dia foram maravilhosas, mas cuja decomposição agora não podia mais ser estancada.
O caminho até o castelo era longo, e o rapaz tinha que parar várias vezes para se orientar e não errar o caminho. Quando enfim chegou no castelo, viu pela primeira vez a filha do rei, seu cabelo escuro e longo, os olhos luminosos, suas mãos delicadas. Ele perdeu a fala, e assim eles apenas se olharam por um longo tempo. Com isto passou-se um tempo precioso, pois o velho bardo estava morrendo. Calada, a filha do Rei conduziu o rapaz pelos seus aposentos, ele então viu a antiga lira dourada do Rei encostada na parede. Imediatamente ele se lembrou que tinham que ir imediatamente até o velho doente, que estava morrendo. Ele disse: “Querida criança das estrelas, venha comigo com a lira dourada de seu pai, até o meu professor que está morrendo. Ele quer nos cantar uma canção que nós precisaremos na luta contra o Rei Trevas com as 11 bestas.”
Imediatamente ela pegou o precioso instrumento, embrulhou-o num pano, e juntos saíram do castelo. Enquanto isso a noite havia chegado: soprava um vento gélido sobre a ilha. As duas crianças mal conseguiam seguir adiante.
Ao mesmo tempo o Bardo percebeu que seu tempo havia terminado, no entanto ele estava completamente só. Onde estava o rapaz, onde estava a filha do rei?
Naquele mesmo instante – a milhões de quilômetros de distância – o Rei Trevas, com as suas 11 bestas, havia aprisionado o marinheiro que certo dia havia partido da Ilha com os outros 11 moradores. O marinheiro havia ficado velho e grisalho. 
Há muito tempo ele havia percebido os erros que cometera e estava muito arrependido. A pedra em seu coração não havia esfriado totalmente; no entanto como ele poderia resguardá-la do Rei Trevas, em cujo poder ele havia caído? Certo de seu negócio, o Rei Trevas disse: “Se você me der voluntariamente a pedra do seu coração, eu te darei a vida. Bem, você poderá ser o cuidador dos meus cães”.  “Nunca, jamais!” disse o velho marinheiro. “Minha pedra você não terá.” O Rei acenou irritado para uma de suas bestas. Esta mostrou seus dentes e o fedor de sua fuça sufocou a respiração do marinheiro. Ele parecia desmaiar. 
Nesse momento a vida do velho bardo expirou, sem ele ter tocado a canção na lira dourada; pois neste mesmo instante, a filha do rei e o rapaz tinham se desviado do caminho e caído dentro de um buraco, e a lira caiu na lama. No momento da morte a pedra do amor brilhou no coração do Bardo e uma luz revigorante projetou-se sobre o rapaz, a filha do rei, e também sobre o ameaçado marinheiro, de tal maneira que o assustado Rei Trevas ficou ofuscado por um momento.
Do âmbito espiritual ressoava a voz de um ser sublime: “Esses três agora deverão resistir com a sua ajuda, Bardo”. Era o falecido rei da ilha que, de distantes esferas solares, participava de tudo o que acontecia. Grande inquietude tomou conta das 11 bestas. Elas começaram a se atacar mutuamente. O Rei Trevas chamou-as à ordem, mas nesse instante, elas não mais o obedeciam.
No mesmo instante o rapaz tirou a lira dourada do barro e, por acaso, tocou nas cordas. Neste momento, ele e a filha do Rei souberam que o Bardo havia morrido. Mas aconteceu o milagre que o rapaz, na voz do Bardo, cantou e tocou a velha canção, que nunca se fizera ouvir. Era como se o velho Bardo tocasse e cantasse através dele. A filha do rei acolheu essa canção profundamente em seu coração.
Ao mesmo tempo o marinheiro, em meio ao perigo, ouviu essa canção, sua coragem retornou e a pedra em seu coração ganhou vida. O próprio Rei Trevas, que estava à sua frente de adaga erguida, ficou mudo. O marinheiro então cantou conforme lhe mandava o coração, com a voz rouca e destreinada. As bestas acompanharam uivando horrivelmente, o Rei Trevas se irritou profundamente, no entanto ele estava impotente. Afinal o marinheiro escapou da ameaça do Rei Trevas; ele foi levado nas asas do Canto e a alma do falecido velho o conduziu de volta à sua pátria, na ilha, para o buraco com barro, junto ao rapaz que estava cantando com a lira dourada e a filha do rei.
Do que tratava a canção nunca ouvida? No fundo não era nem velha nem nova. Ela vinha do “não-nascido”. Ela só poderá ser ouvida por seres humanos cuja vontade de sacrifício é tão grande, que eles conseguem se apartar daquilo que se tornou, daquilo que existe. Para aqueles que ainda estão ancorados na solidez, na riqueza desse mundo, essa canção é incompreensível, certamente quase inaudível.
Assim cantava o jovem, com a lira dourada que havia caído no barro, ao lado da filha do rei que tremia de emoção, e do velho marinheiro que havia sido enviado pelo falecido Bardo. 
Quanto ao Rei da Ilha originária de remotas distâncias solares, o rapaz cantou sobre a transformação do Mal.
Este é o segredo do Mal, que ele quer ser transformado. O Pai Divino permeia tudo, até o Rei Trevas e as 11 bestas. E era disto que falava o canto do rapaz: que tudo pode ser renovado. 
No caminhar do mundo nada precisa ficar para trás. Sua melodia passava por 11 tons, que ao tecer transformava esses 11 tons em um vibrante tapete sonoro. 
E naquela noite ficou claro, nesta ilha no imenso mar, que nada é mais forte do que o amor, que compreende. O Mal não consegue inferir o destino do mundo. O Mal não leva a harmonia alguma. Por isso, a harmonia dos corações consegue superar o Mal e transformá-lo.


Steffen Hartmann