Era uma vez uma velha ceramista chamada Geni. Ela trabalhava numa oficina, que ficava no pequeno sítio onde morava. Dona Geni era uma ceramista muito habilidosa que tinha uma curiosidade: ela só fazia canecas. Suas canecas eram todas diferentes entre si, de diversos tamanhos e formas, de diferentes cores e desenhos. Por mais que se procurasse entre as muitas canecas que Dona Geni havia feito, nunca se encontravam duas exatamente iguais. Podia haver algumas bem parecidas, mas quando se olhava com atenção, cada caneca era única, diferente de todas as outras.
Uma vez apareceu na oficina da Dona Geni um jovem aprendiz. Ele havia ouvido que lá poderia aprender muitas coisas com a experiência da Dona Geni. A anciã aceitou o rapaz e disse que lhe ensinaria o que ele estivesse disposto a aprender. No início, o jovem aprendiz apenas observou Dona Geni, aos poucos começou a ajudá-la a preparar a argila, a misturá-la bem até chegar ao ponto certo, a fazer as bolas de argila para colocar no torno, a moldar as formas, a assá-las depois que estivessem secas e a pintá-las. Tudo isso na verdade o jovem já havia visto e feito nas oficinas de outros mestres ceramistas. Até aquele momento não havia aprendido ainda nada de novo com Dona Geni. Por que lhe haviam recomendado tanto que fosse até ela? O jovem aprendiz decidiu continuar na oficina e ver o que podia aprender com aquela velha anciã, tão habilidosa e tão artista. No início ele ajudava Dona Geni nos trabalhos mais difíceis e mais pesados, enquanto a velha artesã se dedicava aos acabamentos e às decorações. Quando Dona Geni ganhou mais confiança no trabalho do jovem, lhe propôs que fizesse sozinho alguns modelos de canecas:
– Meu jovem, modele o que sua mão consegue fazer. Não precisa modelar todas iguais. Inspire-se! Faça pelo menos um detalhe diferente em cada uma delas. Veremos como vai ficar o resultado!
O jovem queria causar uma boa impressão em Dona Geni, pensou bastante em modelos de canecas que talvez pudessem surpreender a velha artista. Idealizou dez modelos diferentes. Imaginou colocar arabescos e cores que realmente destacassem cada uma delas. Modelou as dez canecas diferentes, colocou-as no forno para assar e depois, quando as retirou de lá, viu que duas delas tinham ficado um pouquinho tortas durante o cozimento, diferentes da forma que ele havia imaginado e modelado.
Entristecido, ele pegou as duas canecas e jogou-as na pilha de cacos, junto com os restos de louça que eram triturados para se reaproveitar a argila. Ao ouvir o barulho de louca quebrada, Dona Geni veio do fundo da oficina e lhe perguntou:
– O que aconteceu?
– Ah Dona Geni, eu queria fazer-lhe uma surpresa. Pensei em dez modelos de canecas bem diferentes, só que duas delas ficaram um pouco tortas quando saíram do forno. Não ficaram exatamente do jeito que eu queria e eu as descartei na pilha de cacos, depois eu faço outras duas…
– Havia de fato um motivo para quebrá-las? Elas estavam com alguma rachadura grande, ou algum furo que impedisse colocar chá ou outra bebida dentro delas?
— Não, não era bem assim, eram defeitos pequenos, mas, ainda assim, elas ficaram diferentes do que eu havia imaginado. Dona Geni disse:
— Eu nunca desprezo uma caneca só porque ficou um pouquinho torta ou um pouco diferente do que eu imaginei, mesmo quando eu pinto, sempre sai alguma coisa um pouco diferente. Isso não é motivo para desprezar uma obra.
— Como não, dona Geni? admirou-se o aprendiz. – Eu pensei bastante, fiz os desenhos, imaginei todos os detalhes na minha cabeça. Elas tinham que sair exatamente como eu queria. Se não foi assim, não vejo problema algum em descartar uma caneca torta, a gente quebra, tritura a cerâmica e faz de novo.
— Meu jovem, quando eu era criança, minha avó me contou uma história. Ela disse que quando Deus pensou em fazer o primeiro ser humano, Ele o fez de barro, modelou do jeito que nós somos hoje e soprou dentro das narinas, desde então o sopro de Deus vive em nós. Eu penso, meu querido, que cada vez que faço uma caneca, é como se eu também estivesse fazendo algo parecido: modelar uma caneca é, para mim, como se Deus me permitisse fazer uma coisa que é única, cada vez uma coisa diferente. Ele, lá no céu, continua “modelando” as pessoas que nascem aqui na terra. Imagine então se Ele dissesse: ‘ah, esse saiu com o nariz torto, neste outro não gostei do tipo de cabelo, naquele a cor da pele não ficou do jeito que eu queria ou nesse aí as mãos ficaram grandes demais’. Se Ele descartasse as pessoas, seria muito triste, não é certo? Deus não descarta ninguém, todos somos pessoas, mas todos somos diferentes, alguns mais gordos outros mais magros, alguns mais altos, outros mais baixos, alguns mais fortes, outros mais fracos, alguns mais claros, outros mais escuros, há alguns com cabelo liso, ou com cabelo encaracolado. O que importa é que todos somos pessoas. Assim eu penso quando faço minhas canecas, umas tem a boca larga, outras tem a boca estreitinha, numas cabe uma grande quantidade de líquido, outras são pequenininhas, umas têm asas grandes e fortes, outras são bem “delicadinhas”, nenhuma é igual à outra e ainda assim, todas são canecas e podem ser apreciadas por alguém. Olhe, lhe digo mais uma coisa: Há canecas que eu faço que vendo bem rápido, há outras, porém, que ficam aí nas prateleiras por bastante tempo, até que um dia aparece alguém e diz ‘essa caneca é especial para mim!’ Nestes momentos percebo: demorou mas apareceu a pessoa que precisava daquela caneca! Imagina se eu a tivesse descartado na pilha de cacos ou desprezado num canto só porque achei que ela era diferente, não gostei da cor, do tamanho ou achei que não servia para nada.
O jovem aprendiz ficou pensativo e começou a entender porque os outros mestres pelos quais tinha passado lhe haviam orientado ir até a oficina da dona Geni; aquela velha ceramista era uma mulher muito sabia, havia ensinado para ele que a arte de modelar canecas de cerâmica é uma arte muito importante. Dá para aprender a olhar a vida e perceber que cada pessoa tem seu jeito e sua maneira. Deus fez cada pessoa de um jeito diferente, por isto cada pessoa é importante e é única. Todos somos seres humanos, temos muitas coisas em comum uns com os outros, mas temos as nossas diferenças. Assim como as canecas da Dona Geni, não importa a forma o tamanho ou a cor, com todas elas podemos beber chá, água, café, pois para isto serve uma caneca, mas cada uma é especial porque é única!
Renato Gomes