Conto: Ateliê de Dona Satiko

Fernanda era uma menina órfã. Sua mãe havia falecido quando ela nasceu. Ela vivia com seu pai no sítio dos seus avós paternos. Seus avós a haviam criado, pois seu pai trabalhava muito e estava pouco em casa. Fernanda convivia a maior parte do tempo com os avós, de quem gostava muito. Um dia seu pai chegou à casa com a notícia que havia conseguido um trabalho noutra cidade, distante dali, e que queria mudar pra lá com Fernanda. Ele pensou que a menina ficaria contente com esta ideia, mas Fernanda se entristeceu muito: teria que se separar da vovó e do vovô; tal pensamento a deixava muito preocupada. Os avós conversaram com a menina e disseram que assim seria melhor, pois na cidade onde o seu pai a levaria, havia uma escola, ela poderia fazer amizade com outras crianças, com certeza gostaria muito de lá. Mesmo assim Fernanda estava triste. Sua avó decidiu então lhe fazer um presente.
– Fernanda, disse a avó, está chegando o inverno. Vou costurar pra você um casaquinho de lã de um tom de azul bem intenso e bonito – porque Fernanda gostava muito da cor azul – e sempre que você usar o casaquinho vai se lembrar de mim, não é uma boa ideia? 
A ideia serviu de consolo e Fernanda ficou mais alegre. O casaquinho ficou muito bonito. A avó costurou nele alguns botões cor de prata, havia gola, mangas compridas, e inclusive um cinto para ajustar bem na cintura. O casaco era comprido para protegê-la do frio. Quando Fernanda o vestia, não sentia frio e percebia que isto também a ajudava a se lembrar da sua querida avó, do avô e dos alegres anos da infância passados no sítio… Pouco tempo depois ocorreu a mudança. 
Fernanda e o pai foram então viver numa cidade. A menina, que havia crescido no campo, estranhou a vida na cidade. As casas eram construídas bem juntinhas umas das outras, muitas vezes não tinham terreno onde uma criança pudesse correr e brincar. Justamente numa destas ruas Fernanda foi morar. Era uma rua pequena, sem saída, todas as casas estavam construídas lada a lado. O espaço enorme do sítio do vovô e da vovó fazia falta à Fernanda. 
O pai matriculou a filha numa escola do bairro, e logo ela começou a assistir às aulas. Naquela cidade fazia muito frio no inverno, portanto o presente da vovó era muito útil. Fernanda acordava cedo, vestia o uniforme do colégio e colocava o casaco azul por cima, isso a deixava um pouco mais alegre. Fernanda era uma criança tímida, no início não fez amizades na escola. As lembranças e as saudades da sua infância no sítio eram mais fortes que as vivências de sua vida nova. Deu-se o caso que a maioria de seus colegas de classe moravam longe de sua casa e na rua onde a menina morava não havia crianças, apenas adultos. Fernanda passava uma boa parte do tempo sozinha em casa, já que o seu pai trabalhava o dia todo. Assim transcorreu o primeiro inverno na casa nova. Quando chegaram os dias mais quentes a menina guardou o casaquinho azul da avó, colocou-o numa prateleira bem no alto e no fundo do armário.
– Não vou precisar dele agora – pensou – somente no inverno que vem.
O verão trouxe mais alegria para a menina, ela fez amizades com alguns colegas de classe e passou a ser convidada a visitar amigos em suas casas. Agora a vida transcorria um pouco diferente. É claro que Fernanda lembrava ainda dos avós e do sítio! Seus novos amigos, porém, ajudavam a menina a se sentir mais feliz na sua nova vida. Assim passou o primeiro ano naquela cidade.
Quando chegou de novo o inverno, Fernanda lembrou do casaco azul e pensou: – Que bom que tenho o casaquinho azul. Vou poder usá-lo esse ano de novo, não sentirei frio. Ele me lembra o abraço gostoso da vovó. 
Tirou o casaco do alto da prateleira e, para sua surpresa, como havia ficado muito tempo guardado no armário, quando ela abriu o casaco viu que estava cheio de buraquinhos: as traças haviam devorado a lã em vários lugares. Havia muitos buracos, uns bem pequeninos outros um pouco maiores espalhados por todo a roupa. A menina se entristeceu:
– Eu não vou poder ir com ele para a escola, tão esburacado ele está! Era um presente da minha vovó querida. 
Naquele dia Fernanda se sentiu tão triste que não foi à escola. O pai lhe perguntou: – Minha filha, que está acontecendo? 
Ela, chorando, mostrou o casaquinho azul, repleto de furinhos, dizendo: – Papai, e agora? Oque eu vou fazer? Tenho que jogar o casaco fora? Era um presente da vovó, para eu usar e me lembrar dela? – e chorava mais ainda.
O pai, naquele momento, não sabia o que fazer. Procurou a ajuda de alguns vizinhos. As senhoras que moravam na rua disseram: – Não se preocupem, vocês estão aqui há pouco tempo, por isto ainda não sabem. No final da rua, na última casinha, mora uma costureira, a Dona Satiko. É uma costureira muito boa! Por que não levam o casaco para ela? Talvez possa consertar e se não for possível, quem sabe ela consegue fazer um novo casaco para a menina. 
Fernanda não queria um novo casaco, queria o casaco azul que a vovó lhe havia feito de presente. O pai foi com a menina até a última casinha da rua para encontrar a costureira chamada dona Satiko. Logo ao entrar no ateliê de Dona Satiko, Fernanda ficou impressionada. Havia muitas prateleiras, repletas de caixinhas e potes, havia cestas com panos de todas as cores, haviam muitos carretéis de linhas coloridas. Parecia a oficina de alguém com poderes mágicos, capaz de usar todas aquelas linhas e tecidos, para confeccionar roupas lindas e especiais. Sentada num canto, estava dona Satiko, uma senhora idosa, de origem japonesa, costurando com toda tranquilidade. Ao vê-los a anciã perguntou o que eles precisavam. O pai de Fernanda mostrou o casaco e disse que havia ficado guardado muito tempo, por isto as traças haviam feito muitos buracos. Eles queriam saber se poderia ser consertado ou se teriam que desprezar e mandar fazer um novo.
– De jeito nenhum! – disse dona Satiko – comigo não existe isso de jogar fora, para tudo há solução, sempre se consegue recuperar uma peça de roupa. 
Ao ouvir essas palavras, Fernanda ficou contente. Dona Satiko olhou para a menina e disse: – O casaquinho é seu, não é? E pelo visto você gosta muito dele! 
A menina sorriu, se sentiu compreendida e disse para a costureira: 
– Sim, eu gosto muito dele. Foi minha avó que me deu de presente! É pena que ele agora esteja cheio de buraquinhos. A senhora acha que consegue consertar? 
– Eu consigo consertar – disse a dona Satiko – e espero que você fique contente com o que eu fizer.
– O que a senhora pretende fazer?
– Posso fazer muitas coisas– disse dona Satiko – posso colocar alguns remendos aqui e ali, depois faço um bordado por cima; ou tento cerzir fechando cada buraquinho e, para que não fique a marca, faço um bordado pequenino no lugar, como uma pequena flor, ou uma pequena estrela. O que você prefere? 
– Eu acho que com remendos não vou gostar muito! – disse Fernanda – se a senhora fizer estrelinhas nos buraquinhos, acho que vai ficar bem mais bonito! 
– Pode deixar! – disse dona Satiko – voltem daqui a alguns dias. 
Deixaram o casaco no ateliê da costureira e Fernanda voltou para casa com seu pai. Passados alguns dias retornaram ao ateliê da costureira. Dona Satiko apresentou o casaco consertado para a menina. No azul-escuro do casaco ela havia feito vários bordados em formas de estrelas. O casaco parecia um céu estrelado. Ela não só havia preenchido os buraquinhos com as estrelas, mas havia colocado estrelas em todos os lugares: na gola, na manga, no cinto e quando a menina o vestiu ficou impressionada. Olhou no espelho e ficou admirada:
– Dona Satiko, a senhora é uma fada da costura! Fez o meu casaco parecer novo!
– Assim deve ser, minha querida, todas as coisas ficam velhas e se estragam, mas a gente sempre consegue, com carinho e dedicação, transformá-las e dar-lhes um toque de juventude!
A partir daquele dia criou-se uma amizade entre Fernanda e dona Satiko, que se tornou uma “nova” avó para a menina. Fernanda, sempre que voltava da escola e terminava suas lições, se dirigia ao ateliê e pedia para ajudar, observar e aprender alguma coisa com a costureira. Um dia Fernanda, enquanto ambas trabalhavam, ouviu uma linda história japonesa: A história da dona Satiko.
Ela contou que veio do Japão para o nosso país num barco com sua família, quando era muito pequena. Naquela época eles tinham poucas condições financeiras. Eles trouxeram apenas um baú com as roupas de toda a família, dos avós, dos pais e dos seis filhos, dona Satiko e seus cinco irmãos. As roupas de toda a família cabiam num único baú, que não era muito grande.
Eles foram morar no campo. Os irmãos, com seu avô e com seu pai, trabalhavam na horta e no pomar. As mulheres da casa cuidavam da comida, das tarefas da casa e também das roupas. Com o tempo as roupas que trouxeram começaram a se desgastar e a estragar. Eles eram tão pobres, que não tinham condições de comprar roupa nova. Deste modo sua avó e sua mãe ensinaram à Satiko, que ainda era menina, a arte de concertar as roupas. Com capricho e com carinho, lhe ensinaram uma técnica muito antiga usada no Japão que se chama Bôro: Se um tecido está muito velho e desgastado, retira-se dele os melhores pedaços para serem usados como remendo para roupas. Deste modo, quando surgem buracos, furos de traça ou rasgos nos tecidos, pode-se aproveitar aqueles remendos costurando-os sobre a roupa com bonitos pontos de bordado, formando desenhos em linhas retas ou curvas, em forma de flores, estrelas, do jeito que se quer. Assim Fernanda aprendeu a antiga técnica do Bôro, a arte de transformar aquilo que é velho, aquilo que parece que já não possui mais utilidade em algo novo. Era um prazer para Fernanda passar várias horas do dia ajudando dona Satiko a remendar as roupas das pessoas que iam ao ateliê da costureira. Pouco a pouco a menina foi aprendendo a magia de consertar e de aproveitar, por meio desta antiga arte, materiais que às vezes parecem não servir para nada, mas que na verdade, com carinho e empenho, fazem surgir coisas lindas e maravilhosas. Os clientes de dona Satiko sempre saiam do ateliê muito felizes com as roupas concertadas e tão lindamente remendadas.
Fernanda usou o casaquinho azul de fundo estrelado durante todo o tempo em que lhe coube. Quando já não cabia mais, ainda assim decidiu guardá-lo. Desta vez não o colocou na prateleira no fundo do armário, mas guardou dentro de uma caixinha com flores de lavanda para que o cheiro não permitisse a entrada das traças. O casaco azul da vovó, de quem ela lembrava com muito carinho, foi conservado por muitos e muitos anos. Também lembrava com especial carinho as aulas de costura e bordado sobre a técnica do Bôro que havia aprendido com a fada da costura chamada Dona Satiko.
Renato Gomes