O sonho de Vera – Parte 2 – Quarta-feira Santa
Naquela noite Tia Filomena prosseguiu contando para as crianças o que aconteceu com Jesus naqueles dias da Semana Santa:
Jesus entrou no templo e viu que o pátio interno havia se transformado num grande bazar, com muitas mesas e tendas de comerciantes vendendo e oferecendo aos gritos suas mercadorias. As pessoas falavam alto e havia muita algazarra. De repente Jesus começou a derrubar as mesas dos cambistas, que trocavam as moedas estrangeiras, por moedas judaicas, empurrou as bancas dos que vendiam animais e todos ficaram muito assustados.
Ele clamava:
– O Templo, a casa de Deus, deveria ser um lugar de respeito e oração para todos os povos. Vocês a transformaram num grande e barulhento mercado, onde só se importam em comprar e vender!
Os sacerdotes do templo, que haviam autorizado a presença dos vendedores, pois receberiam parte dos lucros de suas vendas, olhavam tudo a distância… O povo estava admirado com a coragem e a força de Jesus e sabiam que o que Ele dizia era correto. No final daquele dia Jesus e os discípulos deixaram a cidade e foram passar a noite na casa das irmãs Marta e Maria, na aldeia de Betânia, que ficava próximo a Jerusalém.
No dia seguinte, retornaram à Cidade Santa. Aqueles sacerdotes e doutores da lei que não gostavam de Jesus haviam tramado um plano. Pediram a seus auxiliares que fizessem muitas perguntas a Ele, perguntas difíceis de responder, perguntas que o deixassem confuso ou que talvez Ele não soubesse a resposta, pois deste modo o povo iria perceber que Jesus não era o Filho de Deus, mas apenas o filho de um humilde carpinteiro da Galileia.
Quanto mais perguntas lhe faziam, mais admirados ficavam com a sabedoria das respostas que Ele dava. No final da tarde a fama de Jesus e a admiração, que o povo tinham por Ele, haviam crescido!
Neste ponto, tia Filomena interrompeu a narrativa.
Vera lhe pediu:
– Conta mais um pouquinho, tia Filomena! O que aconteceu no dia seguinte?
– Meus queridos, agora já é tarde. Amanhã poderemos ouvir um pouco mais. Desejo a todos vocês uma boa noite!
As crianças se despediram da tia-avó e foram para seus quartos.
Vera sabia que tia Filomena terminara de contar as histórias mais cedo, para que Catarina, a mais nova, não fosse dormir tarde. Se fosse apenas por causa dela e de Rômulo, que eram os mais velhos, a anciã poderia continuar contando aquelas histórias por horas…
Vera e Catarina dormiam no mesmo quarto. As meninas se deitaram e apagaram a luz do abajur. Em poucos instantes, Catarina havia adormecido. Vera permaneceu longo tempo de olhos abertos no escuro, pensando no que havia ouvido:
– Não entendo – refletia a menina em silêncio – por que as pessoas não reconheciam que Jesus era o Filho de Deus? Ela já havia demonstrado isto tantas vezes…
Naquela tarde, na pequena aldeia de Betânia, havia muita atividade na casa de Marta e Maria. Jesus e os doze discípulos haviam regressado mais cedo de Jerusalém. Marta, a mais velhas das irmãs, era quem administrava a casa e distribuía as tarefas entre as serventes pois estavam preparando o jantar para todo o grupo. Maria sua irmã mais jovem, havia ido ao poço buscar água.
Marta olhou para Vera e lhe disse:
– Veja se os pães já estão assados.
Vera foi até o canto da cozinha onde ficava o enorme forno a lenha e retirou a tampa de ferro. Olhou e viu treze pãezinhos de coloração dourada. Nisto saiu do forno um hálito quente que trouxe o gostoso cheiro de pão assado. Vera gritou para Marta:
– Sim estão prontos, ficaram lindos! Vou retirá-los.
A menina pegou uma comprida pá de madeira, foi retirando com ela os pães um a um e colocando-os numa grande cesta.
Marta cozinhava o caldo numa panela de barro e parecia inquieta, preocupada se tudo estaria pronto à hora certa para servir o jantar, olhou em volta e perguntou com voz nervosa:
– Onde está minha irmã Maria? Preciso que ela nos ajude!
Vera, que trazia a grande cesta com os pães, lhe respondeu:
– Eu vi quando ela saiu para buscar água no poço.
– Então vá lá fora – disse Marte – e diga a Maria que se apresse, preciso dela aqui.
Vera correu até o poço. Não encontrou Maria. Quando voltava à casa, viu Maria se dirigir para a sala onde estavam reunidos os hóspedes, carregando uma bacia e uma ânfora. Vera a seguiu. Os discípulos e Jesus estavam sentados na sala sobre almofadas, como era o costume do lugar. Maria entrou na sala, encaminhou-se em silêncio até o lugar onde Jesus estava sentado, fez sinal para que Vera se aproximasse e lhe entregou a ânfora. Colocou a bacia no chão e delicadamente posicionou os pés de Jesus dentro dela, pediu por sinais que Vera vertesse água. Maria lavou com suas mãos os pés do mestre e os secou com uma toalha, que trazia atada a sua cintura. Retirou de uma sacola de pano um precioso frasco de alabastro, quebrou a parte mais fina do gargalo e um olor agradável perfumou todo o ambiente. Maria começou a gotejar o perfume suavemente sobre a cabeça de Jesus. Vera observava extasiada o que acontecia, também os discípulos assistiam caldados a cena. A medida em que as gotas do perfume caiam, o olor se intensificava e Vera começou a sentir algo no ambiente que lhe deixava triste… De repente Judas, um dos discípulos, quebrou o profundo silêncio:
– O que você está fazendo? – indagou dirigindo-se a Maria – Por que tamanho desperdício? Este óleo perfumado é muito precioso, poderia ter sido vendido por muitas moedas de prata e poderíamos com isto comprar alimentos para os pobres…
Jesus fez um sinal para que ele não prosseguisse importunado Maria e falou:
– Não a incomodem. Ela fez algo importante: está perfumando meu corpo, pois pressentiu que em pouco tempo morrerei!
Todos ficaram chocados ao ouvir aquelas palavras! Também Vera, que permanecia parada, segurando a ânfora com água…
Marta havia chegado um pouco antes da cozinha e assistira à cena. Aproximou-se da irmã e sussurrou-lhe algo ao ouvido. Maria terminou o que estava fazendo e acompanhou a irmã. Ao passarem por Vera, Marta lhe disse:
-Vem ajudar-nos a trazer a comida!
Primeiro levaram as cumbucas de madeira para o caldo e a cesta com os pães. Marta levou ainda uma grande jarra com vinho e Vera trouxe a bandeja com os copos. Já haviam levado quase todas as coisas, quando Marta perguntou a Vera:
– Você já preparou os potes com as frutas secas e as amêndoas?
Por causa da interrupção que ocorrera quando Maria havia gotejado o óleo perfumado na cabeça de Jesus, Vera havia se esquecido de realizar aquela tarefa. Rapidamente separou alguns potes de madeira e foi colocando neles figos, tâmaras e damascos, colocou num deles uma porção de amêndoas, enquanto Marta preparava um pote maior com azeitonas. Os potes foram colocados sobre a bandeja.
– Faltas as passas de uva! – exclamou Marta.
– Onde estão? – perguntou Vera
– Devem estar naquela cesta, sobre a prateleira, respondeu Marta apontando para o local.
Vera retirou a cesta da prateleira e notou que estava vazia.
– Não estão aqui! – exclamou a menina
Neste instante Maria se aproximou de Vera. Trazia em suas mãos um grande punhado de passas de uva e pediu que a menina juntasse as próprias mãos em concha para receber as passas. Vera estendeu os braços e Maria começou a verter as frutinhas sobre as mãos da menina. As passas de uva rapidamente encheram o oco das mãos de Vera, mas eram tantas que começaram a transbordar… Vera observava admirada como das mãos de Maria um fluxo sem fim de pequenas passas chovia sobre suas mãos e braços e ela não sabia como conter toda aquela quantidade…
Vera acordou um pouco agitada. O dia estava clareando. Catarina estava de pé ao seu lado.
– Tudo bem, Vera? Você estava dormindo tão agitada, mexendo as mãos…
Vera tranquilizou a prima e disse que havia tido um sonho que a deixara agitada, mas agora estava tudo bem. Levantou-se e começou a arrumar a cama. Foi neste instante que percebeu que debaixo de seu lençol havia inúmeras passas de uva espalhadas sobre o colchão…
Catarina exultante falou:
-Veja Vera! Você achou passas de uva como o Rômulo! Deve ter sido por causo do sonho! Conta!
Vera pediu a prima que a ajudasse a recolher as frutinhas. Juntaram dois grandes punhados em suas mãos e as levaram para Tia Filomena, que na cozinha preparava o café-da-manhã das crianças. Rômulo já estava lá, ajudando a colocar a mesa. Catarina foi quem falou primeiro:
– Vejam! Vejam! Hoje à noite as passas de uva apareceram para Vera! Foi por causa do sonho que ela teve…
Enquanto tomam o desjejum, Vera contou aos demais, em todos os detalhes, o sonho que tivera. No final tia Filomena acrescentou:
– Foi exatamente isto que aconteceu na quarta-feira da Semana Santa! – olhando para Vera, disse ainda: Minha querida, você havia me pedido ontem à noite para contar um pouco mais da história, mas foi você quem nos contou como as coisas aconteceram!
Catarina tomou a palavra:
– Tia Filomena, por que somente o Rômulo e a Vera sonharam com Jesus? Eu também queria ter um sonho assim…
– Catarina, quase nunca podemos decidir com o que vamos sonhar… Sonhos são como presentes. Podemos desejar que eles aconteçam, mas temos que esperar com paciência. Hoje, depois do jantar, vou lhes contar o que Jesus fez com seus discípulos na noite da quinta-feira.
Renato Gomes