Parte 2
Passaram os anos. Yohanan e Yehoshua se tornaram adultos, a amizade entre eles se fortaleceu. Os amigos se aprofundavam no aprendizado dos textos sagrados e conversavam muito sobre isto. Yohanan nunca mais esqueceu a cena que viu no buraco no muro da cidade de Jericó. Refletia em como seria possível ajudar as pessoas a sair daquela vida tão pobre e no meio de tanta sujeira.
Certa vez disse ao amigo:
-Yehoshua, vou pedir ao mestre Yehudah para me autorizar sair por um tempo da nossa comunidade para poder ir pelas aldeias e cidades. Quero tentar levar às pessoas um pouco de tudo isto que nós aprendemos aqui sobre o Messias.
Yehoshua lhe perguntou:
— Como você pretende fazer isto?
Yohanan respondeu:
— Ainda não sei bem. Nós vivemos aqui de maneira muito simples, não há luxo. Acordamos cedo, fazemos nossas orações, trabalhamos para produzir nossa comida e mesmo tendo que cuidar bem da água, tão rara aqui no deserto, sabemos que é importante manter tudo limpo, pois esta limpeza com as coisas de fora, nos ajuda a manter limpa nossa mente, limpos nossos ouvidos… Creio que é assim que as palavras dos profetas encontram o caminho do ouvido até nosso coração. Deve haver uma maneira de mostrar isto também às pessoas que vivem nas aldeias e nas cidades.
Mestre Yehudah achou que a ideia de Yohanan não fazia muito sentido, pois vários antes deles haviam tentado falar ao povo. Sempre havia algumas pessoas que escutavam, mas logo depois perdiam o interesse. Melhor seria que Yohanan aproveitasse seus dons e prosseguisse os estudos dos textos sagrados ali mesmo, dentro da comunidade dos essênios. Yohanan, porém, insistia:
— Mestre, não disse o profeta Isaías, que os caminhos tortos devem se tornar retos e que o que está áspero deve ser aplainado? Nosso povo não ouve as palavras dos profetas, porque estas palavras não encontram os retos caminhos para seus corações. A miséria, a fome e a opressão são a sujeira que entopem seus ouvidos. De que vale tudo isto que nós cultivamos aqui se lá fora nosso povo vive de maneira tão diferente e sofrida. Deixe-me ir até eles e tentar aplainar o que está áspero na vida das pessoas.
Mestre Yehudah percebeu que naquele jovem monge havia uma vontade muito forte e verdadeira. Mesmo imaginando que não seria fácil o que Yohanan pretendia, autorizou-o a sair e peregrinar pelas aldeias e cidades próximas ao deserto.
Yohanan ao deixar a comunidade dos monges essênios, caminhou em direção ao sul e chegou ao lugar onde ficava o grande lago salgado chamado de Mar Morto. Sentou-se numa pedra à margem do lago e ficou observando como as águas do rio Jordão, límpidas e frescas, chegavam ao mar salgado e se misturavam com aquelas águas turvas e totalmente sem vida. Se algum peixinho fosse levado pela correnteza, morreria se ficasse muito tempo em contato com as águas salgadas.
Yohanan pensou que assim estava ocorrendo com o povo: tudo o que estava acontecendo naqueles tempos deixava o dia a dia das pessoas como aquelas águas turvas e sem vida. Não adiantava muito falar sobre as belas mensagens dos profetas; parecia que na alma das pessoas as belas palavras se misturavam às preocupações, aos problemas, aos medos que eram como águas sem vida; depois de um tempo as pessoas já não se preocupavam mais com o significado da mensagem dos antigos profetas. Foi neste instante que Yohanan pensou: -E se eu trouxer as pessoas aqui, mostrar para elas as águas turvas do Mar Morto e depois mostrar as águas do rio Jordão que são límpidas e borbulhantes de vida. Se eu mergulhar as pessoas nas águas claras do rio Jordão, se eu as ajudar a se limpar, por fora e por dentro, então elas sairão limpas e purificadas das águas e poderão ouvir melhor. Creio que deste modo as palavras das profecias sobre a vinda do Messias vão encontrar os caminhos retos do ouvido ao coração das pessoas.
Yohanan partiu dali, andou por muitos lugares, convocou as pessoas para virem com ele ao deserto. Em cada aldeia ou cidade que Yohanan visitou, sua mensagem impressionou as pessoas, houve vários que pararam para ouvi-lo. Havia força na sua fala! Quando, porém, chegava o momento de acompanhar Yohanan até o deserto, muitos desistiam. houve, entretanto, alguns que o acompanharam. Yohanan então mostrou-lhes o encontro das águas do Jordão com as águas do Mar Morto. As pessoas ficaram muito impressionadas. Depois ele as conduziu até um lugar de águas límpidas do Jordão e as fez mergulhar totalmente no rio. Era surpreendente o que aquele mergulho causava!
Muitos que foram mergulhados (naquela época ser mergulhado se chamava também ser batizado) voltaram diferentes às suas casas, contaram para parentes e amigos o que haviam vivido e que a limpeza pela qual passaram nas águas do Jordão havia retirado muito mais do que apenas a sujeira do corpo. Assim começaram a vir muitas pessoas de vários lugares do país para serem mergulhados nas águas do rio por Yohanan.
Seu amigo Yehoshua também deixou a comunidade dos essênios e veio ajudar Yohanan em sua tarefa de mergulhar e batizar as pessoas. Algumas pessoas começaram a dizer que Yohanan deveria ser o Messias, pois o que ele estava fazendo transformava a vida das pessoas. Yohanan então respondia:
— Eu não sou o Messias. Eu apenas mergulho vocês na água e os limpo. O Messias, quando vier, vai trazer o fogo dos céus e irá acendê-lo no coração de cada um, mas o trabalho de limpeza com a água deve ser feito primeiro. O caminho que vai até o coração deve estar limpo e reto. O Messias é muito maior do que eu. Eu não sou digno nem de desatar a correia de suas sandálias.
Um dia Yohanan estava à margem do rio Jordão batizando e viu que um homem se aproximava. Era Jesus, filho do carpinteiro José de Nazaré da Galileia. Ele se aproximou de Yohanan e lhe pediu para ser mergulhado na água do rio. Naquele instante Yohanan sentiu algo diferente, pois percebeu que para Jesus não havia necessidade daquela purificação com água e respondeu que não iria mergulhá-lo no rio. Jesus, porém, insistiu. Yohanan conduziu Jesus até o rio e o mergulhou nas águas límpidas. Quando Jesus saiu das águas, Yohanan olhou para o céu e viu uma nuvem se rasgando e dela surgiu uma grande luz que foi se aproximando. A luz tomou a forma de uma pomba que voou suavemente sobre a cabeça de Jesus. Ao mesmo tempo Yohanan ouviu no céu uma forte voz que disse:
— Este é meu filho amado! Hoje ele se manifestou na Terra!
Yehoshua, que estava próximo também ouviu a voz, contudo não viu a luz que Yohanan havia visto.
Assim Yohanan cumpriu sua missão ajudando a muitos a se limparem e se preparem para a chegada do Messias, que era Jesus.
Renato Gomes
Nota do autor para os pais:
A intenção deste conto é tentar trazer para as crianças a figura de João Batista (Yohanan) dentro do contexto de sua época a partir das poucas informações que encontramos sobre ele nos Evangelhos. O autor tomou a liberdade de criar personagens e situações, que até certo ponto pareceriam se ancorar em circunstâncias históricas, mas que, mesmo sem confirmação histórica, foram aqui colocadas para criar o ambiente necessário ao conto. O caráter fictício, porém, não invalida a tentativa de aproximar à alma infantil “a força e a intenção” de João Batista.