No sétimo dia da criação Deus descansou e Ele abençoou o sétimo dia.
A nossa semana de sete dias tem a sua origem histórica na cultura judaica, e as suas raízes espirituais no processo de criação do mundo em sete etapas. Podemos ter a pergunta sobre qual seria a qualidade desse sétimo dia e onde encontramos essa qualidade em nossa semana. Olhando-se para a história e para a tradição judaica torna-se óbvio que o sábado tem a qualidade do sétimo dia. A palavra sábado vem do hebraico Shabat. O sábado é o dia santo na religião judaica e é celebrado pelo cumprimento das leis do descanso. O domingo sempre foi o primeiro dia da semana e, em português, é interessante observar que o dia seguinte ao domingo é a segunda-feira. O domingo seria a “primeira feira”. O nome ‘domingo’ vem do latim Dominus Dei, dia do Senhor. Assim o chamaram os cristãos por ser o dia da ressurreição do Jesus Cristo, o primeiro dia da semana. O domingo não deveria ter a qualidade do descanso, mas a qualidade do impulso criativo, o início de um novo ciclo. Com a mudança das agendas e calendários, colocando a segunda-feira como primeiro dia da semana e estendendo a qualidade do sábado como dia de descanso para todo o fim de semana, corremos o risco de perder tanto a qualidade do sábado como a do domingo. O sábado é o fim da semana. O domingo é o início da semana. O encontro entre o sábado e o domingo, do fim de um ciclo com o início de um novo, é o momento mais interessante desse ritmo da semana.
A qualidade do sábado é descrita como descanso. Mas o que é descansar? É simplesmente ‘não fazer nada’? No gozo das férias se repete comumente a experiência de que ‘não fazer nada’ não traz uma revitalização. Talvez, em um primeiro momento, seja agradável ‘não fazer nada’ e sair do estresse dia a dia. Mas, muito rapidamente, o ‘não fazer nada’ se transforma em tédio. E, no convívio com outras pessoas, o ‘não fazer nada’ é uma forma bem segura de criar conflitos sociais. Uma experiência de um momento de descanso, que muito provavelmente todos nós já tivemos, ao menos na infância, é brincar em um balanço. O balanço é uma tabuinha como assento, dependurada em duas cordas, de onde se pode balançar para lá e para cá. O movimento do balanço tem sempre dois pontos de uma absoluta falta de movimento, de uma parada, de um descanso: quando ele chega ao seu ponto mais alto à frente e depois atrás. Quando uma criança pequena quer balançar, uma outra pessoa tem que dar o impulso do movimento o tempo todo, pois a criança pequena não é capaz de balançar-se sozinha. A partir de uma certa idade ela consegue balançar sem ajuda. É a idade na qual a criança aprende a ser ativa nesses dois momentos de descanso do balanço. No momento em que o balanço está em descanso é necessário que a criança, a partir se si própria, dê um novo impulso de movimento. Se apenas estamos sentados no balanço e não criamos a renovação do movimento, o balanço vai diminuindo seu curso até chegar à parada total. Se aproveitamos os momentos de descanso para renovar o impulso do movimento, podemos balançar pelo tempo que quisermos.
No sétimo dia da criação Deus descansou. Mas esse descanso divino não significa, de forma alguma, um ‘não fazer nada’. Muito pelo contrário: Ele abençoou o sétimo dia. Abençoar significa renovar um impulso espiritual. É como assoprar num monte de cinzas para que as brasas que estão escondidas comecem, novamente, a criar calor e possam acender uma nova chama.
Em seis dias Deus criou o mundo. No sétimo, Ele criou a possibilidade de renovar o impulso da criação: encontrando no descanso a força renovadora da religação com o espiritual, a força da benção.
O sábado de aleluia é um dia de silêncio onde, exteriormente, não acontece nada. Socialmente é Shabat, é proibido se movimentar em excesso. Jesus Cristo havia sido sepultado no fim da tarde da Sexta-Feira Santa. O sábado é silêncio, espera, insegurança. Hoje esperamos o sábado passar para festejar Páscoa no domingo. Mas, nesse sábado da Semana santa, ninguém sabia que, no domingo, vivenciariam Jesus Cristo ressuscitado. Vivenciaram no sábado realmente o fim, sem saber se haveria um novo começo. É silêncio, espera, insegurança que pode se tornar desespero.
Espiritualmente é o dia com a maior atividade. O corpo de Jesus foi sepultado. Mas Jesus Cristo não está no túmulo, assim como nenhum falecido está em um túmulo. Jesus Cristo está na realidade espiritual do mundo, no âmbito etérico. Os primeiros que O vivenciam são os falecidos. No reino da natureza temos o dia do silêncio, do descanso. No reino dos mortos temos, no sábado, uma grande atividade. Eles são os primeiros que recebem os impulsos do Cristo, os impulsos que possibilitam criar uma nova realidade humana. Eles renovam os ideais humanos e desenvolvem a vontade de atuar na Terra para ajudar a realizar esses ideais. Os falecidos são, no Sábado de Aleluia, os primeiros que se unem ao Cristo ressuscitado. Eles querem atuar servindo o Cristo. Mas não podem! Pois não estão encarnados. Criar a nova realidade humana aqui na Terra só nos é possível enquanto estamos encarnados. A grande esperança dos falecidos é encontrar pessoas que procuram momentos de silêncio, momentos de descanso e, nesses momentos, buscam unir-se com os impulsos espirituais que os falecidos querem nos dar, impulsos de graça, impulsos para humanizar a nossa vida.
Nós, enquanto encarnados, podemos nos sentir na vida como em um balanço, nos movimentando de lá para cá. Nosso Eu é como uma criança que está aprendendo a balançar sozinha. Temos que aprender a renovar o movimento a partir de uma atividade interior, movimentar de uma forma produtiva “as pernas do nosso Eu”. Mas nós não somos deixados sozinhos nessa tarefa. Existem amigos que nos querem ajudar a “balançar”. Os falecidos são os grandes amigos.
Do sábado de Aleluia, do dia dos falecidos, podemos aprender que temos como tarefa abrir a nossa alma para os impulsos que podemos receber dos falecidos. Nenhum trabalho, que se relaciona com os ideais humanos espirituais, é possível de ser realizado sem a ajuda dos falecidos.
Seis etapas teve o processo da criação do mundo. No sétimo dia, Deus descansou e abençoou a criação. Seis passos nós tentamos seguir nesta Semana Santa e nos conscientizamos de impulsos que recebemos do Jesus Cristo e da tarefa que temos para aprender a servir a esses impulsos.
Hoje, no Sábado de Aleluia, talvez seja a tarefa de aprender a vivenciar o descanso como uma atividade da nossa alma, procurando se abrir para um nível superior à natureza e recebendo os impulsos de benção do mundo espiritual, trazidos para nós pelos nossos queridos falecidos.
Amanhã será Páscoa. Exteriormente estaremos separados. Mas interiormente unidos, talvez até mais do que em outros anos, pois sabemos que estamos nos esforçando na mesma direção espiritual, tentando compreender o que Jesus Cristo nos trouxe de impulsos e como podemos aprender a servir a esses impulsos. Cada um está no seu caminho, cada um no desafio em que a vida o coloca. Mas neste ano estamos todos juntos perante o desafio que foi colocado para toda a humanidade. A epidemia atual não traz uma tarefa nova para a humanidade. Ela somente desperta a nossa consciência e nos deixa vivenciar de forma mais real, algo que todos nós já sabíamos: a partir do egoísmo, seja individual ou coletivo, ninguém resolverá o desafio. Somente atuando juntos poderemos ter a esperança de aproveitar o momento para criar um novo futuro, e também uma nova realidade social.
Quando, amanhã, o Sol do Domingo de Páscoa nascer na natureza, desejo a todos que fechem os olhos e sintam como o Sol do Cristo, o Sol espiritual do Ressuscitado, o verdadeiro Sol da Páscoa, quer nascer no coração de cada um de nós.
João F. Torunsky