Para ampliar a nossa compreensão da Trindade iremos ver o impulso que o batismo quer trazer para nos ajudar a nos relacionarmos com o Divino. Primeiro, é importante ver quais são as raízes históricas do batismo. O batismo não surgiu com o cristianismo, sendo sua origem muito mais antiga. Isso se evidencia pelo fato de Jesus ter sido batizado. João Batista, o grande pregador, viveu antes do início do cristianismo. Ele tinha suas raízes espirituais na comunidade dos Essênios, que trilhavam um caminho de aprendizagem e desenvolvimento anímico relacionados com cerimônias ligadas à água. A sede principal do grupo ficava na desembocadura do rio Jordão, no Mar Morto, onde João Batista atuava. No decorrer da história do cristianismo, a intenção do batismo passou por muitas mudanças. Em muitas igrejas da atualidade, o batismo passou a ser o rito para delas se tornar um membro, e também um meio necessário para atingir uma salvação. Essas duas intenções, se tornar membro de uma instituição religiosa e alcançar uma salvação, não relacionamos na Comunidade de Cristãos com o batismo. Para compreender o impulso do batismo, tanto na sua origem, como no sentido em que queremos celebrá-lo hoje, temos de nos libertar de conceitos e sentimentos restritos que se criaram no decorrer da história.
No Novo Testamento temos vários relatos sobre João Batista. Uma frase atribuída a ele, pode nos ajudar na compreensão do seu impulso: „Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus“ (Mateus 3, 2).
A palavra grega, que em contextos religiosos é traduzida como „arrependimento“, é „metanoia“. Mas ‚metanoia‘ tem, na sua origem, um significado muito mais amplo do que ‚arrependimento‘. Metanoia significa a mudança, a transformação interior de uma pessoa, de seu modo de pensar, de seu modo de ver o mundo, do seu caráter. João Batista procurava despertar as pessoas para a necessidade da metanoia, de direcionar a consciência para o divino, para valores de qualidades humanas. Mas como isso é possível? Vemos aqui a segunda parte da sua prédica: „porque é chegado o reino dos céus“. Essas palavras expressam a vivência da proximidade do mundo divino espiritual. A intenção do batismo de João Batista era ajudar as pessoas adultas a ir um caminho de vivenciar a proximidade do mundo divino espiritual e, a partir dessa vivência, mudar a sua consciência, fazê-las passar por uma metanoia. Dentro do caminho espiritual dos Essênios, o batismo era um caminho de autoconhecimento e autoeducação, que culminava na cerimônia de ser mergulhado na água. Somente aqueles, que tinham atingido um determinado grau de desenvolvimento interior, eram batizados, o que podemos ver no Novo Testamento, nos relatos em que João Batista se nega a batizar pessoas que não tivessem feito esse caminho de preparação. Na cerimônia do batismo, esse caminho de preparação, de ser mergulhado na água, tinha como intenção proporcionar a vivência do mundo espiritual e possibilitar a metanoia. Podemos entender o sentido da experiência, que era feita naquela época, nos relatos que pessoas fazem hoje acerca das experiências de quase morte, pois o batismo do João Batista levava as pessoas a essa mesma experiência. A partir de relatos sobre experiências de quase morte, podemos observar que a vivência da realidade do mundo espiritual tem, normalmente, duas consequências: por um lado as pessoas passam a não ter mais medo da morte, pois vivenciaram que a alma possui uma existência independente do corpo e que a nossa vida não está restrita aos limiares de nascimento e morte e, de outro lado, as pessoas passam a ter, no seu dia a dia, uma consciência muito maior para distinguir o que é supérfluo e o que é realmente essencial na vida. Acontece assim uma metanoia, a mudança do modo de pensar e de ver o mundo.
No relato do batismo do Jesus podemos ver como, em poucas palavras, essa experiência é descrita: „Batizado que foi Jesus, saiu logo da água, e eis que se abriram os céus, e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma pomba sobre ele, e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em que me comprazo“ (Mateus 3, 16). Vemos aqui o processo do batismo de mergulhar a pessoa: „saiu logo da água“, e a proximidade do mundo divino espiritual: „e eis que se abriram os céus“. E então são relatadas duas vivências. Uma tem um caráter mais imaginativo, tem a ver com a visão: „e viu o Espírito de Deus descendo como uma pomba sobre ele“. A segunda tem um caráter mais inspirativo, tem a ver com a audição: „e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em que comprazo“. A palavra „comprazo“ é, no grego, „doxa“, o que seria no latim, „glória“. Tem a ver com uma qualidade de luz, de irradiar. Poderíamos traduzir também como: „Este é o meu Filho amado, no qual me revelo“. E, numa tradução mais livre, procurando reconhecer o significado espiritual desse momento: „Este é o meu Filho amado, o qual eu gerei“. No batismo de Jesus temos os céus abertos e o encontro com a Trindade: O Pai que gera o Filho, se revelando no Jesus, que recebe esse impulso pelo Espírito Santo. É o momento no qual o Cristo se une com o corpo de Jesus. A grande metanoia cósmica no batismo de Jesus é que, até este momento, a individualidade do Jesus, seu eu, estava encarnada no seu corpo. No momento do batismo, o eu do Jesus se retira, abrindo a possibilidade do Cristo se encarnar em seu corpo. Jesus chega ao ponto de dizer „Não eu, mas Cristo em mim“, mas no sentido que o seu eu não está mais presente. Isso foi necessário para que o Cristo pudesse cumprir sua tarefa, mas não é essa a meta para nós. O nosso caminho tem de ser um outro, de poder dizer „não eu, mas Cristo em mim”, sem anular o nosso eu.
Qual é o impulso do batismo hoje, como o celebramos na Comunidade de Cristãos? Ele não tem o significado de formar um vínculo como membro de uma instituição ou oferecer uma salvação. É um batismo para crianças, não para adultos, pois tem a intenção de proporcionar uma experiência da realidade do divino espiritual num nível sensorial, inconsciente e, assim, semear um impulso para o futuro. O adulto tem que, conscientemente, procurar esse encontro e a criança, que recebe esse impulso terá como adulto, no futuro, a liberdade de deixar, ou não, crescer essa semente que recebeu na alma. Durante um batismo, a primeira tarefa é formar uma atmosfera anímica, na qual „os céus estão abertos“. Essa é a tarefa das pessoas que estão reunidas como comunidade batismal: formar essa atmosfera, para que a realidade espiritual do batismo possa atuar, possa acontecer um encontro com a Trindade. O segundo motivo, o da metanoia, tem a ver com o impulso que temos ao nos encarnamos. O caminho saudável da encarnação é que a nossa consciência se direcione sempre mais para o mundo sensorial, material. Pois temos, como tarefa, desenvolver conhecimento deste mundo, trabalhar nele e, assim, aprender e nos desenvolvermos. Mas esse caminho saudável da encarnação, quando seguido unilateralmente, pode passar da sua meta e nos levar a uma separação do divino espiritual, a nos tornarmos materialistas. Logo depois do nascimento, até a idade de 14 anos, o batismo tem como impulso semear, na alma, uma experiência que possa nos ajudar, quando adultos, a querer procurar um relacionamento com o divino espiritual, apesar de estarmos encarnados, e assim encontrar um equilíbrio entre os céus e a terra. Antes do impulso do Cristo, os caminhos espirituais procuraram, em sua maioria, direcionar a consciência para uma realidade divino espiritual a partir de uma negação do sensorial terrestre. O Cristo nos traz o impulso de estabelecer um relacionamento com o divino espiritual, sem negar o sensorial terrestre. Isso só é possível pelo caminho de procurar a realidade divino espiritual no mundo sensorial terrestre. Poderíamos dizer que esta é a metanoia cristã: não negar o terrestre para se dirigir ao espiritual, mas procurar o espiritual no terrestre. Esse é o impulso do batismo: semear na alma da criança o impulso de procurar o divino espiritual na Terra.
O batismo tem dois aspectos. Por um lado, tem um aspecto social. As pessoas que estão ligadas socialmente com a criança se reúnem para formar uma comunidade batismal e, deste grupo, duas se oferecem para assumir a tarefa de padrinho e madrinha. Também podemos dizer que se trata de um aspecto social espiritual que o batismo leve a criança a ter um relacionamento com o que chamamos „a comunidade do Cristo Jesus“. Esses aspectos sociais não abordaremos agora.
O segundo aspecto do batismo tem a ver com as substâncias que são utilizadas. A criança é batizada com três substâncias: água, sal e cinza. Essas três substâncias são usadas pelas suas qualidades alquímicas. Isso significa que, pelas suas qualidades terrestres, essas substâncias possuem determinada afinidade com forças espirituais. Esse processo, de que uma substância terrestre se torne portadora de uma força etérica espiritual, conhecemos na medicina, nos processos da homeopatia e, no âmbito religioso, denominamos esse processo como a consagração da substância. Pela sua consagração, uma substância se torna portadora de uma força etérica espiritual, e isso é possível pela atuação do sacramento e pelas qualidades da própria substância. Na alquimia temos os três princípios, do mercúrio, do sal e do súlfur. No batismo temos as três substâncias: água, sal e cinza, e elas são consagradas com três potências divino espirituais. A água com a força da gestação, o sal com o poder da conservação, a cinza com a força da renovação.
Se olhamos para a água, podemos ver que ela é, em si, uma substância mineral, ou seja, não tem uma vida biológica própria. Mas tem a qualidade totalmente única de proporcionar a vida aqui na Terra. Toda a vida surge e se desenvolve com a presença da água. Ela tem um relacionamento com as forças vitais, com as forças etéricas, que podem então atuar através da água. Vemos na Bíblia um detalhe muito significativo: no início da Gênesis já existe a água. É relatado como Deus criou o mundo, mas ele não criou a água. É como uma imagem que nos mostra que também a criação de todo o mundo provém da qualidade da água. A água, durante o batismo, é consagrada e se une a uma força espiritual que é denominada a força da gestação, a força de que possa surgir vida, que algo possa ser criado. A criança é então batizada, com a água tocando-lhe a testa. E assim tem, sensorialmente e inconscientemente, um encontro com essa força espiritual cósmica da gestação, vivenciando a realidade da força da gestação atuando na substância terrestre água. Assim temos o batismo da criança com a água, consagrada com a força da gestação, pela experiência sensorial de ser tocada na testa.
Se olhamos para o sal, por exemplo o sal que usamos na cozinha, podemos ver que se trata de um cristal, tendo sempre a forma de um cubo, mesmo que seja tão pequeno que não possamos perceber. O sal tem qualidades opostas à da água. A tendência de mineralização, de cristalização, é como a polaridade com os processos vitais, não é a força de criar algo novo, mas de manter uma forma. O sal, no passado, não era usado apenas para acentuar o sabor, mas também como possibilidade de conservar alimentos. Esse uso do sal pode ser visto ainda hoje, por exemplo, na conservação do bacalhau, que é desidratado e salgado para sua preservação. O sal, durante o batismo, é consagrado e se une a uma força espiritual que é denominada o poder da conservação. A criança é, então, batizada, com o sal tocando-lhe o queixo. Recebe, assim, sensorialmente através de uma substância, a vivência desse poder espiritual da conservação. Temos, assim, o batismo da criança com o sal, consagrado com o poder da conservação, pela experiência sensorial de ser tocada no queixo.
Se olhamos para as cinzas temos agora uma substância que não está ligada com a criação de vida, como a água, nem com a conservação de formas, como o sal. A cinza é o produto de uma combustão, por exemplo, da queima de uma madeira. A planta teve um período de vida, em que germinou, brotou, cresceu. Aqui vemos a atuação da qualidade gestante da água. A madeira é como a cristalização da forma criada pela vida, mas que perdeu a vitalidade. Quando a árvore foi cortada, perdeu a vida, mas manteve sua forma como madeira. Queimando a madeira chegamos agora ao fim de um ciclo de vida, onde tudo o que foi criado e conservado, é agora destruído. Mas esse fim do processo é, ao mesmo tempo, o início de algo novo. A partir da finalização de um processo vital, de chegar até às cinzas, podemos ter a base para o novo. Quando isso não acontece, temos então processos destrutivos, que carecem de um sentido. Mas quando temos, nos processos de formação de cinzas, o início de algo novo, então a desvitalização e a decomposição trazem um sentido: proporcionar um novo ciclo de vida, a renovação da vida. As cinzas durante o batismo são consagradas e se unem com uma força espiritual que é denominada a força de renovação. A criança é batizada então com as cinzas tocando-lhe o peito. E assim tem, sensorialmente, a vivência da força espiritual da renovação, quando tocada no peito com as cinzas. Temos o batismo da criança com as cinzas, consagradas com a força da renovação, pela experiência sensorial de ser tocada no peito.
Estas três potências, a força de gestação, o poder de conservação e a força de renovação é um modo como a Trindade atua no mundo. Por detrás dessa atuação temos a realidade do Deus Pai, do Deus Filho e do Deus Espírito. Não é possível, nem necessário, tentar fazer um esquema criando um relacionamento direto entre cada aspecto da Trindade e cada modo de atuar. Isso seria não compreender que estamos nos relacionando com um Deus que é, ao mesmo tempo, uma Trindade. A Trindade atua nessas três potências. Essa atuação podemos ver em todos os níveis da nossa existência. No âmbito das plantas podemos ver, por exemplo, como cresce um pé de tomate. No início, semeamos as sementes do tomate. Elas necessitam da água para poder germinar e crescer. Os ramos, que vão se formando, são muito suculentos, densos de água. Se o pé de tomate fosse uma planta que permanecesse por mais de um ano, nele teria que vir mais forte a atuação da qualidade do sal, para nele formar a madeira. Mesmo assim, o sal atua, pois o pé de tomate não cresce indefinidamente. Um dia ele atinge o seu tamanho, a sua forma e para de crescer, se cristaliza. E então começa a florescer e formar frutos. Quando o pé de tomate chegou ao ponto de ter crescido, florescido e ter formado frutos, o seu ciclo de vida se encerra, e podemos ver a atuação da qualidade das cinzas. O pé de tomate não queima como uma fogueira, mas atuam sobre ele forças da mesma qualidade do calor. Os frutos amadurecem, as folhas e o caule secam, a planta vai perdendo toda a vitalidade e morre, se decompõe. Se nós não conhecêssemos os tomates, seria o processo natural que também os frutos apodreceriam. Mas, neste fim, nestas cinzas, está o início de um novo ciclo, a força da renovação. Pois nos frutos se formaram novas sementes que podem, de novo, serem plantadas.
Mas não é só na natureza que podemos reconhecer a atuação das qualidades da Trindade, da gestação, da conservação e da renovação. Também em processos sociais esse modo de compreender o mundo pode ser uma grande ajuda. Normalmente, quando se cria, no âmbito social, algo novo, as pessoas envolvidas trazem muitas ideias, estão entusiasmadas, esperançosas. Se o começo é bom, tudo flui de forma muito fácil. Essa é a atuação da água. Mas, depois de algum tempo, essa espontaneidade do inicio corre o risco de se tornar algo caótico, de não ter assegurada uma continuidade. Surge a necessidade de se fazer acordos, criar formas sociais, ter uma estruturação no organismo social, evitando ou resolvendo problemas. Mas, no decorrer do tempo, se nota que mesmo bem estruturado e regulado, um organismo social corre o risco de continuar funcionando a partir das formas criadas no passado, apenas repetindo o que sempre foi feito, faltando-lhe a vida, a criatividade, inibindo a possibilidade de que surja algo novo. Então é necessário abrir mão daquilo que foi criado no passado, e que agora já não é mais frutífero. Normalmente são processos doloridos, mas necessários. Podemos observar, muitas vezes, como certas pessoas têm uma afinidade com a água, sempre com novas ideias, querendo criar algo novo. Já outras têm o impulso de fazer das ideias algo pragmático, frutífero na vida real, e necessitam de acordos e formas sociais bem determinadas. E ainda há aquelas que sofrem com estruturas criadas no passado, nas quais não veem um sentido e querem tudo renovar. O saudável não está nem em um, nem em outro modo de ver as coisas, mas na harmonia entre esses três princípios: a criação, a conservação e a renovação. Assim como o Divino está na realidade da Trindade, e não na preponderância de um único aspecto.
A criança que está no caminho de se encarnar, e de direcionar a sua consciência para o sensorial material, recebe no batismo uma vivência que semeia na alma o impulso de procurar a realidade do divino espiritual, atuando na Terra. O que foi semeado no batismo é, então, elevado a um nível mais consciente quando a criança chega à idade escolar e começa a participar do culto para as crianças, do Ato Dominical. Nesse momento, ela escuta que podemos encontrar a atuação do Espírito Divino em toda a natureza, nas pedras, nas plantas e nos animais, mas também em nós, seres humanos. E a criança aprende a dizer: „Eu quero procurar o Espírito de Deus“. E, antes de se tornar adulto, o jovem, aos 14 anos, pode vivenciar o sacramento da Confirmação e reconhecer que existe a possibilidade de procurar o Cristo no íntimo da nossa própria alma e encontrá-Lo como nosso guia. São três passos do impulso do batismo, para que o adulto possa, em liberdade, querer ir um caminho de autoconhecimento e autoeducação, fazendo um processo de metanoia, de transformar o modo de pensar, de mudar o modo de ver o mundo apenas voltado ao material, de criar uma consciência que reconhece a realidade do nosso ser, como seres espirituais, e que vive aqui na Terra aprendendo a distinguir o que é essencial e o que é supérfluo.
João F. Torunsky