A vivência da luz e da escuridão é algo essencial para a nossa vida. Na natureza vivenciamos a grande polaridade do dia e da noite. Vivenciamos luz durante o dia e escuridão durante a noite. Mas, na realidade, não vemos a luz. A luz é, em si, invisível para nós. O que nós vemos são as coisas, iluminadas pela luz. A luz possibilita que nós vivenciemos a natureza. Também a escuridão, nós não a vivenciamos diretamente. Quanto está tudo completamente escuro, não vemos nada. Podemos vivenciar a natureza iluminada pela luz, ou nada vivenciar, quando está tudo preenchido pela escuridão. Tanto luz, quanto escuridão, são, para nós, algo para o que normalmente não temos uma percepção. Necessitaríamos de outros órgãos de sentido para ter uma percepção direta da luz e da escuridão. O que nos dá a vivência de luz ou de escuridão, é a possibilidade de ver o mundo, ou de nada ver.
A luz e a escuridão se diferenciam, entre si, também pelo fato de que a luz irradia de um ponto, de uma fonte de luz, enquanto a escuridão não tem uma fonte, preenchendo todo o espaço, imediatamente, quando não há luz. O sol é a grande fonte de luz do nosso universo, mas também temos a possibilidade de criar uma fonte de luz, seja um fósforo, uma vela ou a luz elétrica. A escuridão preenche todo o espaço que não está iluminado, e não temos a possibilidade de acender ou apagar a escuridão. Só nos é possível acender uma luz, afastando assim a escuridão; ou se desligamos a luz e a escuridão volta a ocupar imediatamente o espaço. Isso é evidente no âmbito da natureza, mas no âmbito anímico esse fenômeno também se repete e é muito importante reconhecer que, em nossa alma, não temos a possibilidade de nos libertar da escuridão que nos preenche, a não ser que possamos criar uma luz interior. A luz que nos ilumina interiormente tem a possibilidade de afastar a escuridão. Não somos nós mesmos que podemos afastar a escuridão, o que podemos fazer é gerar luz.
Normalmente se fala da luz como algo real, mas da escuridão somente como ausência de luz. Fisicamente é difícil reconhecer a realidade da escuridão, mas podemos vivenciar animicamente, tanto luz como escuridão, como coisas opostas e reais. Mas o pensamento e o sentimento de que o espaço, tanto físico como anímico, possa realmente estar preenchido de luz ou preenchido de escuridão, pode nos levar a uma compreensão mais espiritual do mundo. Esse espaço nunca está vazio.
Resumindo, podemos dizer: não vemos nem a luz, nem a escuridão. Vemos, ou o mundo iluminado pela luz, que irradia de uma fonte, ou nada vemos, quando o espaço está preenchido pela escuridão.
Quando dizemos que vemos algo, por exemplo uma árvore, o que estamos vendo de fato? Na realidade não vemos uma árvore, mas formas e cores que reconhecemos como uma árvore. Vemos uma superfície verde, numa determinada forma, e a reconhecemos como uma folha. Uma outra, de tonalidade marrom, de forma alongada, reconhecemos como um caule, ou um galho. Outra forma, redonda e vermelha, reconhecemos como uma maçã. E assim por diante, vamos reconhecendo o todo, como uma macieira. Mas o que nós realmente vemos são distintas cores, sob distintas formas. As cores se nos mostram, ou mais claras, ou mais escuras. Se prestamos atenção, vemos que a luz e a escuridão estão mescladas nas cores. É possível aguçar a sensibilidade para perceber a luz e a escuridão em todas as cores, e ver como elas se mesclam de diferentes modos, formando diferentes cores e diferentes tonalidades. Uma superfície amarela não é idêntica a uma outra superfície amarela. Os amarelos podem ser muito diferentes entre si, mais claros ou mais escuros, com mais luz ou mais escuridão. Assim, as diferentes cores apresentam, também, uma relação particular com a luz e com a escuridão. Existem amarelos claros e amarelos mais escuros, e existem azuis-claros e azuis profundos. Mas o amarelo é, em si, diferente do azul, pois o amarelo se relaciona mais com a luz e o azul, mais com a escuridão. Os pintores desenvolvem uma possibilidade imensa de sentir as diferentes qualidades das cores e o seu relacionamento com a luz e a escuridão. Mas podemos também prestar cada vez mais atenção para o modo como luz e escuridão se mesclam e se revelam nas cores.
Uma outra vivência é o fato de que algo possa estar exposto à luz, ou envolto em sombras. O encontro da luz e da escuridão forma as cores, mas forma também as sombras. Podemos prestar atenção que, em tudo que olhamos, vemos as cores e vemos a diferenciação entre superfícies, ora mais iluminadas, ora com mais sombra. Aqui também podemos prestar atenção como a nossa vivência do mundo nos revela a atuação da luz e da escuridão, seja nas cores, ou nas sombras. Uma possibilidade muito valiosa está na observação das nuvens. Principalmente quando o céu está completamente nublado, poderíamos pensar que as nuvens são sempre cinza. A vivência prolongada do céu nublado, cinza, pode até nos deixar um pouco depressivos, cinzas em nossa própria alma. Mas é um exercício muito frutífero procurar prestar atenção nas diferentes intensidades do cinza, e descobrir que o cinza tem, muito suavemente, também uma cor. Existem cinzas mais vermelhos, outros mais azuis, e assim por diante. As cores não estão apenas em superfícies muito coloridas, mas também na sombra, no cinza. Em tudo o que vemos na natureza, podemos perceber a atuação da luz e da escuridão que se revelam como cor.
Goethe pesquisou bem as cores e reconheceu duas fontes para a sua formação, a partir da atuação da luz e da escuridão. A primeira é quando a fonte de luz está atrás da escuridão, ou seja, a escuridão está entre nós e a luz. Aí se formam as cores mais vermelhas, amarelas. Esse fenômeno conhecemos bem na vivência do nascer e do pôr do sol. Quanto mais escuridão existe na atmosfera, por exemplo pela poluição do ar, mais belos são esses momentos da aurora e o do crepúsculo. A outra fonte temos quando a escuridão surge por detrás da luz, ou seja, a luz está entre nós e a escuridão. Aí se formam as cores mais azuis. Esse fenômeno conhecemos muito bem no azul do céu. A escuridão do universo está atrás da atmosfera preenchida pela luz do sol.
Quando a luz ilumina o mundo e nos dá a possibilidade de vivenciar as cores, as sombras, toda a natureza, nós sempre estamos vivenciando o lado externo das coisas. A luz revela o lado exterior do mundo. No interior das coisas sempre temos escuridão. Por exemplo, numa pedra vemos a sua superfície externa, mas não o seu interior. Dentro dela é escuridão. Normalmente se queremos ver o que existe dentro da pedra, nós a quebramos ao meio. Mas podemos também pensar que, no momento em que a quebramos, apenas criamos uma nova superfície exterior para a pedra. Temos então duas pedras, menores que a original, e vemos, novamente, somente a superfície externa das pedras. O interior continua escuro e se ocultando a mim. A luz natural sempre nos dá a possibilidade de ver o exterior das coisas, mas não o seu interior. No interior, o mundo é escuridão. Mesmo quando o sol está irradiando no céu, e todo o mundo está iluminado, revelando-se nas mais belas cores, o mundo permanece, em seu interior, preenchido por escuridão.
A luz é uma entidade espiritual, imaterial, não visível para nós, e nos revela o lado exterior do mundo material. A escuridão também é uma entidade espiritual, também não visível, mas relacionada com o lado material do mundo, com a matéria. Todo o espaço em que vivenciados algo, onde vivenciamos matéria, está preenchido pela escuridão. A luz nos dá a possibilidade de vivenciar o lado exterior do espaço preenchido por matéria, preenchido por escuridão, se revelando em cores e sombras.
Onde podemos encontrar a origem da luz e da escuridão? Nos primeiros versículos de Gênesis vemos a descrição de que, no início, existia a escuridão. Então Deus criou a luz e separou a luz da escuridão, surgindo, assim, o dia e a noite. A escuridão existe como base para toda a criação. Depois é criada a luz, a partir da escuridão. Podemos também encontrar ajuda na Antroposofia e ver como Rudolf Steiner descreveu o início do desenvolvimento do mundo, em seu livro Ciência Oculta. Nele encontramos uma relação com a Bíblia. Pois, no início do mundo, Rudolf Steiner descreve um primeiro estado de desenvolvimento, o chamado antigo Saturno. Nesse primeiro estado, temos apenas calor e escuridão. Todo esse primeiro estado de desenvolvimento acontece na escuridão. Somente no segundo estado de desenvolvimento planetário, o chamado antigo Sol, é que surge a luz. Existe uma transição entre o estado de escuridão e a criação da luz. Mas, com a criação da luz, não se extingue a escuridão, ela continua tendo uma tarefa. Surge então a polaridade entre luz e escuridão, entre dia e noite. Podemos agora perguntar: o que, de fato, foi criado nesse estado original de escuridão, no antigo Saturno? Foi criada toda a base espiritual para o físico. Todo o físico, que nós vivenciamos como matéria, tem a sua origem, sua criação, nesse primeiro estado de desenvolvimento, na escuridão, antes da criação da luz. Isso pode nos ajudar a compreender por que aquilo que vivenciamos como matéria, a realidade física do mundo, é preenchida por escuridão. Com a criação da luz, no antigo Sol, inicia-se um caminho que leva à formação de consciência. E, na interação entre luz e escuridão, entre consciência e corporalidade, se forma a vida. Podemos encontrar esses processos em nosso dia a dia. Quando o sol nasce e preenche o mundo de luz, normalmente nós acordamos, despertamos a nossa consciência. Quando vem a noite e o espaço se preenche com escuridão, nós dormimos, perdemos a nossa consciência, mas revitalizamos o nosso corpo. A nossa ligação com a luz tem a ver com a formação da nossa consciência. A nossa ligação com a escuridão tem a ver com a formação e revitalização do nosso corpo.
Como nós vivenciamos animicamente a luz e a escuridão? A luz tem a tendência de nos despertar, de nos tornar conscientes. A escuridão tem a tendência de nos adormecer, retirar a nossa consciência. A maioria das pessoas se sente, num dia muito claro e luminoso, mais dispostas, mais alegres, preenchidas interiormente. A luz reforça o sentimento de estarmos em nós mesmos. Quando vivenciamos a natureza repleta de luz, é como se a luz iluminasse o interior da nossa alma. Pode nos surgir até mesmo o sentimento de estarmos alimentados animicamente, pela vivência do mundo iluminado pela luz. Mas a luz também pode vir a ser excessiva, e dela temos de nos proteger. Já, da escuridão, podemos ter uma vivência bem diferente. A maioria das pessoas vivencia a escuridão como algo que está nos sugando, como que nos afasta de nós mesmos. Muitas vezes, num lugar muito escuro, desconhecido, podemos ter esse sentimento de ser sugado, de nosso ser estar sendo levado, o que muitas vezes forma o medo. O sentimento de medo, perante a escuridão, tem também um aspecto natural, sentimos que estamos sendo sugados pela escuridão, correndo o risco de perdermos a nós mesmos. A luz nos ajuda a estarmos despertos, e preenchidos de luz, e nos ajuda a vivenciar o exterior do mundo. Mas a luz natural, como a vivenciamos na natureza, nos afasta da realidade espiritual. Pois, tanto na vivência subjetiva de nós mesmos, quanto na vivência objetiva do lado exterior do mundo, não chegamos a vivenciar a realidade espiritual do mundo. Já, a escuridão, nos afasta da vivência do exterior do mundo e nos conduz a questionar a nós próprios, nos levando ao limiar da nossa consciência e provocando o medo. Mas a escuridão nos aproxima de uma realidade espiritual. A luz tem a sua essência espiritual e, ela própria, é imaterial, mas nos leva à vivência de nós próprios e do lado material do mundo. A escuridão é, também, uma entidade espiritual, mas ela preenche o mundo com a qualidade física, que vivenciamos como matéria, ela nos afasta de nós mesmos e entramos num caminho totalmente inseguro, que provoca medo, mas que pode nos levar a vivenciar o interior do mundo, o espiritual.
Assim, podemos ver a origem do caminho do nosso desenvolvimento na escuridão, como uma entidade espiritual, que formou a base para o físico material. Temos então a criação da luz, que, como luz natural, nos possibilita desenvolvermos a nossa consciência e vivenciarmos o exterior do mundo material. O nosso caminho de desenvolvimento nos leva a desenvolver sempre mais a atenção para a luz, para as cores, para as sombras, para então procurar na natureza a realidade espiritual. Esta realidade espiritual é, para nós, escuridão, pois não se revela na luz natural. Aquilo que se revela pela luz como aparência do mundo não é uma realidade espiritual. Mas o que está oculto por detrás dessa aparência, que ainda está coberto pelo véu da escuridão, isso podemos pressentir. Precisamos vivenciar conscientemente o mundo e sentir a realidade espiritual que se oculta no mundo material. Quando conseguimos penetrar nessa escuridão espiritual, que está por detrás da luminosidade natural, podemos seguir o caminho para encontra a luz espiritual na escuridão. Partimos inconscientes de uma escuridão espiritual, desenvolvemos uma consciência a partir da luz natural, encontramos agora conscientemente, na luz natural, a escuridão espiritual, para então encontrar conscientemente, na escuridão espiritual, a luz espiritual.
Em nossa vida fazemos esse mesmo caminho. Durante a gravidez onde, no calor e na escuridão do ventre materno, nosso corpo físico é formado. É a qualidade do estado do antigo Saturno. No momento do parto, a criança é dada à luz. Entramos agora na esfera da luz natural e seguimos o caminho de desenvolver a nossa consciência. Mas, diariamente, voltamos a nos relacionar inconscientemente com a escuridão, durante a noite, no sono, para revitalizar o nosso corpo. Nessa polaridade de luz e escuridão, de dia e noite, de vigília e sono, trilhamos o nosso caminho de desenvolvimento. E temos, como meta, desenvolver a consciência no âmbito da luz natural, para podermos ter uma consciência no âmbito da escuridão espiritual e encontrar, assim, a luz espiritual. O que nos possibilita esse desenvolvimento é a polaridade entre luz e escuridão, é o ritmo entre vigília e sono, o equilíbrio entre matéria e espírito. Não vivemos somente na luz ou na escuridão. Vivemos num mundo de cores, tanto na natureza quanto em nossa própria alma. Perdemos a qualidade humana quando perdemos o equilíbrio, e ligamo-nos demais com a luz ou com a escuridão. Pois viver demais no âmbito da luz nos leva ao perigo luciférico, que quer nos levar a uma realidade espiritual, imaterial, mas que nos deixa vivenciar apenas a nós próprios, e somente a aparência do mundo. Já viver demais no âmbito da escuridão, nos leva ao perigo arimânico, de perder a nossa consciência individual e nos ligarmos existencialmente com a matéria, sem despertar para a realidade espiritual. A qualidade do equilíbrio entre luz e escuridão, a qualidade das cores, é a qualidade do Cristo.
João F. Torunsky