Lucas 15,11-32
Filho pródigo
Na vida moderna nos acostumamos cada vez mais a usar os aplicativos eletrônicos de localização.
Alguns destes sistemas foram desenvolvidos com objetivos militares e pouco a pouco foram entrando na vida do cidadão comum. Um deles, desenvolvido há mais 40 anos, foi denominado GPS (Global Positioning System, ou Sistema de Posicionamento Global). Através de satélites de rastreamento no espaço é possível enviar e receber sinais que possibilitam definir a localização de um determinado ponto sobre a superfície da Terra.
Muitos conhecem, entretanto, a situação em que nosso aparelho portátil de recepção de repente fica “sem sinal”. Alguns destes aparelhos mostra na tela uma imagem luminosa girando em círculos, como a indicar que está buscando o sinal perdido, mas como um cachorro que tenta morder o próprio rabo, não sai do lugar nem alcança seu objetivo. Algumas vezes a tecnologia moderna é bastante precisa ao utilizar símbolos, ícones ou pequenas imagens (na maioria dos casos simples caricaturas lúdicas) que encontram uma expressão em fenômenos da vida anímica do ser humano. Dependendo da situação em que nos encontremos, temos de repente a sensação:
– E agora? Estou perdido…
Fica aberta a pergunta se estas correspondências – entre as situações da vida humana e os ícones da moderna tecnologia – e é fruto do puro acaso ou surgiram de impulsos intuitivos – com maior ou menor grau de consciência – partir dos citados processos internos do ser humano. Deste modo é possível que eles reverberem inconscientemente em nós. No momento em que visualizamos na tela tais sinais ou símbolos, sentimos que eles nos são afins de algum modo…
Na parábola do filho pródigo ouvimos que o pai por duas vezes menciona que seu filho mais novo estava
“[…] morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado!”
No texto original grego encontramos um verbo ἀπόλλυμι (apóllumi) que significa destruído, totalmente desconectado com o restante da vida, separado daquilo que lhe dá sentido, completamente perdido.
O filho mais novo, por vontade própria se separa da casa do pai, segue seus próprios impulsos e desejos e quando terminam as reservas que trazia consigo, percebe que seu entorno lhe é hostil, que lhe falta o mais básico para suprir suas necessidades e que mesmo no âmbito dos impulsos meramente instintivos (descritos na imagem dos porcos que passa a cuidar) não consegue saciar sua fome. Já não recebe mais do entorno o que lhe preenche de sentido e dignidade. Ele mesmo reconhece que está perdido (ἀπόλλυμι). Sua conexão originária com a Casa do Pai também se perdeu…
Resta-lhe apenas “correr atrás do próprio rabo”? Numa inútil tentativa de se conectar com algo a sua volta que lhe permita talvez, de modo passageiro, preencher por um tempo o vazio interior em que se encontra.
Modernamente, graças ao GPS, se poderia caminhar um pouco para lá ou para cá até reencontrar um novo “sinal”, de modo a redefinir o próprio posicionamento no globo e buscar uma nova “rota” a seguir. Por um tempo tais GPS’s podem ajudar e serem de grande valia certas situações.
O filho pródigo, porém, reconhece que sua situação é mais complexa, sua “desconexão” é mais radical.
Neste momento ele para de “girar em círculos” e diz a si mesmo:
– É hora de me levantar e ir ao encontro daquilo que me preenche de sentido, daquilo que me conecta de novo com a vida e com o mundo visível e invisível.
O texto de Lucas nos diz que o Pai – todo o tempo – esteve lá esperando, olhando atento o horizonte, enviando seu amoroso “sinal”, na expectativa que o filho distante o notasse e se assim o desejasse, poderia tornar a se conectar.
Nos dias de hoje, fica cada vez mais evidente, a urgência em buscar de novo a conexão com aquilo que nos ajude a nos posicionarmos de fato no mundo.
As conexões midiáticas e eletrônicas podem ser uma ajuda temporária e pontual; curiosamente também elas “sugerem” que alguns “sinais” provém do alto (dos satélites na órbita terrestre).
Sem uma conexão com um lugar de fato “mais alto” ou o “lugar de origem”, tal conexão só pode nascer como um desejo interno próprio, corremos o risco de nos perdemos (ἀπόλλυμι) e de deixarmos se perder e se destruir o melhor que o ser humano pode vir a construir no mundo.
Renato Gomes