Tomé entrou para a história do cristianismo como o discípulo incrédulo.
É necessário ver para crer!, diz-se popularmente.
Quando vemos, ouvimos, tocamos algo, temos em geral a sensação de que a experiência sensorial nos confronta com algo real, existente fora de nós, independente de nós.
Nossa consciência, por assim dizer, “toca” (ou “foi tocada”) pela “coisa real”.
A partir das experiências que nos chegam através dos órgãos dos sentidos construímos nossa noção de realidade.
Outro tipo de percepções, que não nos chegam por meio dos sentidos exteriores, denominamos subjetivas. Na maioria das vezes não lhes atribuímos o caráter de “algo” real no mundo, mas de uma vivência interna, que não pode ser percebida ou comprovada por outros. Ela é real para nós, enquanto experiência subjetiva.
Quando vivenciamos um sentimento ou desenvolvemos um pensamento ou simplesmente vislumbramos uma ideia, tudo isto se passa dentro de nós, no interior de nossa alma. Só podemos compartilhar isto com outros por meio de palavras. Podemos contar-lhes o que se passou conosco, na expectativa de que os ouvintes compreendam e tentem formar dentro de si aquela ideia, aquele pensamento ou evocar aquele sentimento que mencionamos.
Nesta situação se encontra Tomé. Seus companheiros relatam:
“Vimos o Senhor!”
Tomé responde:
“Se eu não puder ver as marcas dos pregos e tocá-las, não poderei crer!”
Em outras palavras poderíamos dizer:
Tomé entende que seus companheiros vivenciaram algo, mas lhe é muito difícil recriar esta vivência como processo interno. Ele necessitar apoiar esta vivência em experiências sensoriais. Somente então elas sairão do âmbito subjetivo de seus companheiros e se tornarão objetivas para ele.
Oito dias depois os discípulos estão reunidos. Tomé está com eles. O Ressuscitado aparece no meio deles e exorta Tomé a tocá-lo, a pôr o dedo no lugar das marcas dos pregos.
O Evangelho de João deixa em aberto se Tomé de fato o tocou!
Jesus lhe diz ainda:
Porque me viste, conquistaste a confiança que necessitavas.
Nos tempos atuais, praticamente todos temos algo similar a Tomé.
A fé, a experiência religiosa pertence em grande parte ao âmbito subjetivo da alma. Em geral são vivências difíceis de compartilhar e podemos no máximo nos esforçar para pôr em palavras o que vivenciamos e aguardar que nosso interlocutor, se assim o desejar, deixe surgir em sua alma algo equivalente ao que relatamos…
A dúvida de Tomé, entretanto, é uma questão central para compreensão da mensagem do Evangelho.
Tratam-se apenas de processos interiores, subjetivos da alma humano ou há em algum lugar, de alguma forma, um local onde o subjetivo toca o que conhecemos como mundo objetivo?
Não é casual que Tomé se refira ao lugar das marcas dos pregos.
O próprio Cristo direciona sua atenção para estes lugares.
Nestes pontos seu corpo foi pregado na cruz.
São pontos que lhe causaram extrema dor e extremo sofrimento. Ao mesmo tempo por meio destes pontos Ele foi “pregado” (unido fortemente) ao mundo sensorial.
Parece então que as feridas da crucifixão se tornaram, no Ressuscitado, algo que poderíamos chamar de interface entre a vivência interior da alma e o mundo exterior. Entre o subjetivo e o objetivo.
Com sua dúvida e com suas questões Tomé se colocou próximo desta interface.
Cristo também se dirige a Tomé dizendo que se aproxime destes lugares especiais…
Esta interface surge a partir da dor e do sofrimento.
Dor e sofrimento que o uniu profundamente ao mundo.
Aqui encontremos, portanto, uma ajuda para tratar este central mistério do Cristianismo. Tomé também pode nos ajudar neste processo.
Não é ruim ter a dúvida, ela mobiliza algo em nós. Ela nos tira da zona de conforto e nos leva a buscar uma compreensão nova para aquilo que não entendemos.
Assim é também com tudo aquilo que nos causa dor e sofrimento. Eles podem nos trazer muitas dúvidas, mas podem nos mobilizar internamente para buscar respostas, novas formas de compreensão.
Dor e sofrimento muitas vezes são a expressão de que algo nos prende, nos conecta profundamente com alguma coisa ou situação da vida.
Dor e sofrimento podem conectar de maneira muito intensa nosso mundo interior com o que vive fora de nós. Eles possuem em si a capacidade de unir-nos profundamente ao nosso destino na Terra.
Dor e sofrimento, que não são negados nem entorpecidos, mas que procuramos entender e trabalhar, podem chegar a criar em nós um lugar sensível, uma interface que conecta nossa vida interior com uma dimensão maior.
Talvez este aspecto seja a contribuição que Tomé nos deixa. Não é ruim ter dúvida, não é mal reconhecer que precisamos chegar ao limite, chegar até esta interface.
Aquele que viveu profundamente a experiência da dor e do sofrimento, aquele que quis assim unir-se com o destino da humanidade na Terra, Ele conhece bem esta interface…
…e se aproximando desde o “outro lado” Ele pode tocar e ser tocado neste local sensível.
Renato Gomes
Pastor da Comunidade de Cristãos de Berlim – Havelhöhe.