Referente à perícope do Evangelho de João 14, 23-31
Esse retábulo era propriedade de uma fundação particular e foi adquirido pelo Museu Kolumba da diocese de Colônia, na Alemanha. Nessa ocasião ainda não se conhecia o seu lugar de origem. Pesquisas feitas por profissionais do museu concluíram que se tratava de um retábulo encomendado por um mecenas do Hospital do Espírito Santo para uma capela lateral da igreja anexa a esse hospital. Nessa capela lateral este mecenas foi sepultado com sua família.
A sequência iconográfica é bem especial. No meio, o acontecimento de Pentecostes, com Maria no centro. A descrição desse acontecimento, segundo o Ato dos Apóstolos, não menciona Maria. No entanto, Maria aparece tradicionalmente assim em muitas dessas imagens. Nesse retábulo especialmente aparece Maria também em três das outras quatro imagens laterais. As quatro imagens laterais representam a Anunciação do anjo Gabriel à Maria, o nascimento do menino Jesus no pobre estábulo, a ressurreição de Jesus Cristo e a morte de Maria segundo a lenda. Naturalmente levanta-se a questão de como se relacionam estas imagens umas com as outras e qual a mensagem do retábulo nessa igreja, que era diretamente ligada ao hospital. Vamos fazer uma tentativa nesse sentido e descobrir qual o significado e papel da alma humana para o desenvolvimento do ser humano e do mundo.
Seja a alma humana na sua relação com o feito do Cristo o tema principal desse retábulo. A alma vive alternadamente no mundo suprassensível em comunhão com outras almas e com os seres espirituais e no mundo sensível com os reinos da natureza e toda a humanidade. Ela vive entre espíritos na vida pós-morte e pré-natal, e incarnada num corpo na vida terrena em meio da natureza. Nesse ritmo alternado, nessa evolução rítmica, o mundo, o Cosmo, o ser humano vai se transformando.
De um lado temos os seres divinos que preparam e anunciam a vinda de uma alma individual para a Terra, do outro lado a Terra empobrecida de valores e força espiritual, dependendo sempre de uma renovação vinda de cima.
Nesse caminho alternado vai se formando um novo ser espiritual, o Filho do Homem. Este ser nasce na Terra quando Jesus Cristo se eleva do túmulo no dia da Páscoa. A partir daí o palco da atuação das forças divinas formadoras e renovadoras passa a ser a Terra, pois a força primordial do Logos se ligou a Jesus Cristo e permanece ligada à Terra através da alma humana. Em Pentecostes o espírito de Cristo consagra a alma humana como o germe de um novo mundo.
Em Pentecostes a alma humana conquista a consciência do significado do feito do Cristo para si mesmo e para toda a evolução futura. Esse acontecimento tem o potencial para transformar tanto os destinos individuais do ser humano, como dos reinos da natureza, de todo o planeta e de todo o Cosmo. É uma vivência no âmbito da consciência, como o acender de uma nova luz que concede à alma humana uma nova visão, um novo sentido.
Essa vem a ser uma vivência íntima da própria identidade, do Eu Sou e ao mesmo tempo de uma unidade, uma comunidade com todos os seres humanos e todos os seres vivos. Esse novo sentido preenche a alma humana de um amor profundo pela obra divina, pela obra do Pai e do Cristo. No seu processo de espiritualização a alma humana está intrinsecamente ligada com a evolução de todo o Universo, desde o âmbito atômico até o âmbito cósmico das galáxias.
Com esta única e ao mesmo tempo significativa vivência, a alma humana se torna equipada para deixar esse lugar, a Terra, seja pelo portal da morte, seja no final da evolução planetária da Terra.
De fato, nas costas desse retábulo foi pintado o juízo final com a seleção das almas que vão poder ser acolhidas pelo mundo divino no final dos tempos.
Sim, a alma humana deve estar consciente de que sua vida terrena tem um importante propósito, não só para si mesma, mas para todo o Universo. Na hora da morte ela já deve estar preparada para ser acolhida na esfera da vida de Cristo (na última imagem lateral, a alma de Maria é representada no mundo pós-morte como uma criança no colo de Cristo). Também num âmbito menor, no ritmo diário de sono e vigília, a alma humana antes do adormecer não deve esquecer de levar o “pão de cada dia” para poder participar da comunhão com os anjos e seres divinos que nos convidam a cada noite a tecer o vir a ser do novo dia.
A celebração de Pentecostes, esse ínfimo instante no ritmo anual, pode nos sensibilizar para criar esse instante também no íntimo da alma. Na celebração cúltica do Ato de Consagração do Homem criamos este instante. O instante em que conscientemente podemos perceber aquele que é o alfa e o ômega, o princípio e a meta final, que atua agora e sempre, que confere o sentido da minha própria existência, de mim, do meu Eu, e ao mesmo tempo o sentido da Terra e do Universo! Nos cabe, então, na vida continuar esta celebração como na imagem central do retábulo!
Helena Otterspeer