Reflexão para o domingo, 14 de fevereiro

Época de Trindade

Referente ao perícope de Lucas 18, 18-30

No diálogo com Jesus, o homem rico lhe responde que tudo o que o mestre, a partir dos mandamentos da lei judaica, lhe indica, ele tem observado desde sua mocidade. O diálogo poderia ter terminado aqui e o homem rico poderia ter ido satisfeito e em paz para casa, pois viu confirmados por Jesus seu esforço e dedicação religiosos. Tratava-se de um homem religioso que com certeza cumpria com dedicação os preceitos sagrados de seu povo. Mas ele queria mais…

Para aquele ser humano parecia não ser suficiente o esforço que realizava, nitidamente faltava-lhe algo. Justamente este sentimento de insuficiência, de não estar fazendo ainda o suficiente, de perceber que pode fazer mais, que pode ir além do limite que lhe foi inicialmente pedido, ecoava em sua alma. Esta percepção interna, provavelmente foi o que motivou Jesus a lhe aconselhar para “ir além”:

“…vende tudo o que tens, dá-o aos pobres; então vem e segue-me.”

Esta narrativa de Lucas (que também aparece em Mateus 19, 16-22 e em Marcos 10, 17-27) traz-nos à consciência muitas reflexões. Entre elas poderíamos citar: a força e o poder da pergunta. Quando perguntamos algo, devemos estar minimamente preparados para as novas e talvez surpreendentes perspectivas com as quais a resposta pode nos confrontar. Aqui trata-se de uma pergunta referente ao desenvolvimento interior. Estamos fazendo o suficiente? Estamos nos exercitando neste desenvolvimento a ponto de dizer-nos: agora é suficiente! Com certeza, sempre podemos ir além, mas isto exige novos esforços, novos desafios. Podemos nos acomodar com os sucessos alcançados e achar que o que fizemos nos basta. Então não precisamos nos preocupar em “ir além”… Mas às vezes surge na alma a percepção da própria insuficiência!

Esta percepção é o primeiro passo para querer avançar. Se não estamos satisfeitos com o que já conquistamos no trabalho interior, então podemos começar a pensar e refletir, sobre o que se pode fazer para alcançar novos patamares. Neste sentido Cristo faz alusão à riqueza, que aqui pode ser entendida num sentido amplo, pois riqueza é muitas vezes sinônimo de abundância, de possuir muitas coisas, não apenas bens materiais, mas também conhecimentos, prestígio, fama… Toda riqueza tem a tendência de nos fixar à ela. As riquezas (materiais ou imateriais) exigem cuidado e atenção. Exigem também que nos ocupemos e preocupemos com ela. Neste sentido tais riquezas podem vir a se tornar um lastro que trava ou dificulta avançar, seja na direção que for. Cristo exorta o jovem rico:

“vende tudo e dá-o aos pobres”

Ou seja, vender algo é colocá-lo de volta no fluxo das mercadorias. Num sentido figurado, Cristo também pede aquele homem que deixe sua riqueza circular (De que vale riquezas trancadas em cofres ou acumuladas no interior da alma, se não podem servir e beneficiar a outros?). Pede ainda que as entregue aos pobres, também aqui podemos entender pobres em diferentes aspectos: pobre é todo aquele que necessita receber algo deste rico potencial, que até aquele momento se encontrava estagnado na vida daquele homem. Segue-se a última exortação:

“Vem e segue-me!”

Uma vez liberado daquilo que, de certo modo, travava ou impedia seu desenvolvimento interior, aquele homem estaria então em condições de seguir em frente, “ir além”. Mas seguir a Cristo significa muitas vezes, passar pelo “buraco da agulha”. Não é tarefa simples!

O Evangelho nos deixa em aberto, qual foi a decisão daquele homem. Aqui também vale a reflexão de que uma decisão como esta só pode nascer em foro íntimo. Não pode ser imposta por outrem ou tomada para cumprir um papel social.

O homem trouxe a pergunta, reconheceu no diálogo que o que fazia até então não era, para ele, o suficiente. Percebeu ainda que a partir da sua pergunta, uma nova perspectiva se abriu, que poderia lhe permitir “ir além”. Neste sentido, esta passagem do Evangelho contém algo válido e atual para todos nós, quando aprendemos a formular perguntas verdadeiras e estamos dispostos a ouvir com seriedade as respostas.

Renato Gomes