Referente ao perícope do Apocalipse de João 12, 1-17
Visão do apocalipse, capítulo 12. Século IX – arte moçárabe
No século VIII os habitantes do norte da África invadiram, depois da sua islamização, a península ibérica e a dominaram por alguns séculos. Esta invasão foi contida nos Pireneus, que formavam uma fortaleza natural ao norte. Assim não se espalharam pela Europa. Embora houvesse uma certa coexistência pacífica com os muçulmanos, as comunidades cristãs não podiam se desenvolver sem restrições. Por isso monges cristãos se retiraram para as fortalezas naturais ao norte da península em seus conventos, para não sucumbir à islamização e assim poder resistir. Dessa época provém a instituição dos caminhos de peregrinação para Compostela. Por sua vez, esses monges reclusos em seus conventos escreviam vários manuscritos do livro do apocalipse de João. As ilustrações desses textos, como no exemplo acima, revelam a força interior desenvolvida nessa época. O estilo dessas pinturas era uma mescla de influências dos visigodos, romanos e árabes. Esse estilo foi denominado de moçárabe.
O drama em que viviam os monges e a população reprimida entrava em ressonância com as imagens do apocalipse, imagens do drama da evolução da humanidade. Assim esses monges se fortaleciam para enfrentar a ameaça da expansão islâmica. Enfim conseguiram rechaçar os mouros a partir do século XI. Nessa região surgiram mais tarde os países Espanha e Portugal.
Na grandiosa imagem do apocalipse de João, capítulo 12, um terço das estrelas do céu e as legiões do dragão são lançadas à Terra. A virgem também foge para o deserto. A ordem cósmica dá lugar ao caos terreno, onde os espíritos adversos ganham força sobre a alma humana. Agora os seres humanos são os que devem combater essas legiões e reconquistar em liberdade a ordem cósmica divina. Com que apoio pode a humanidade contar nesse novo e imenso desafio? Ela necessariamente sucumbirá? Diante das atuais crises mundiais essa pergunta parece mais do que nunca urgente. Como Micael se coloca nessa situação?
Através da intervenção de Micael a criança cósmica é salva e está guardada perto do trono de Deus! A essência divina do ser humano, que nasce da alma individualizada, está preservada, guardada pelas hierarquias celestes. Lá esperará até o momento em que a alma individual esteja madura para realizar a união, o casamento místico com o espírito, com o Eu Sou divino.
A virgem, a pura alma cósmica, foge para a Terra, para o deserto. Ela se torna alma humana individualizada e é ameaçada pelas legiões do dragão. Esta é a imagem, que representa a nossa consciência atual. As legiões do dragão espalham aceleradamente o materialismo na técnica, no comércio, na visão científica da época atual. No entanto Micael, cujos pés são livres do peso terreno, confere à alma humana asas e ela pode se alçar aos âmbitos espirituais, conseguir uma relação com os seres divinos e com o Cristo. Portanto sabemos que, como os monges outrora ao norte da Espanha e Portugal se retiraram, se compenetraram de sua relação com o Cristo, conseguindo resistir à ameaçadora invasão, também hoje o ser humano poderá resistir às fortes invasões do materialismo e todos os âmbitos da cultura e da alma humana. Não é esta a invasão que percebemos hoje pelas tantas restrições e medidas exteriores impostas no campo da educação, da medicina, do pensar livre?
Cultivemos a interioridade da alma na oração individual, na oração comunitária, como no Ato de Consagração do Homem, na conquista de uma nova compreensão dos evangelhos e dos sacramentos! Assim, como João, nos tornaremos capazes de ver o Filho do Homem, o ressuscitado agindo no meio das suas comunidades, se manifestando na natureza, na humanidade. Como já vislumbrado no apocalipse de João, a alma transformada, espiritualizada descerá um dia como uma noiva e desse casamento místico surgirá um novo ser humano, uma nova Terra, onde não haverá mais lágrimas, nem sofrimentos. Não podemos perder a realidade da atuação do Redentor na Terra. Com Ele superaremos enormes desafios!
Helena Otterspeer