Época de Trindade
Referente ao perícope de Lucas 7, 7-17
Jesus Cristo ressuscita o filho da viúva de Naim- século XVI- Lucas 7,11-17
Desde quando o Homem se pôs a caminho por si mesmo e sua alma foi se afastando da sua origem divina e se tornando cada vez mais individualizada, desde então conhecemos o drama da viúva. Primeiro da deusa viúva, depois da mulher viúva e finalmente da própria alma humana viúva. Na mitologia egípcia podemos compartilhar o luto e desespero da deusa Ísis, quando ela fica sabendo que seu cônjuge e irmão, o Deus Osíris fora assassinado pelo seu irmão Seth. O seu corpo foi decepado em 14 pedaços e distribuído por todo o país. Ísis procura e junta todos os pedaços e faz Osiris reviver por pouco tempo para que ele possa fecundá-la. Ela engravida e nasce seu filho Hórus, que assume a regência do pai. Osíris, o pai, representa o sol da noite, o inconsciente cósmico e também a ligação com o mundo dos mortos. Hórus representa o sol nascente da manhã, a consciência diurna desperta, clara e em expansão. Ísis mantém a ligação viva entre pai e filho, entre Espírito e corpo, entre a noite e o dia. Na ilustração abaixo vemos como o mistério da noite e dia, tal como era vivenciado pelos egípcios através da deusa Ísis, que de manhã dá à luz o sol nascente, Hórus e, à noite, engole, se apropria do sol poente, para que seja fecundado por Osíris na noite e possa renascer ao amanhecer.
A deusa Nut, mãe de Ísis, mas também conhecida como mãe de Hórus e esposa de Osíris. As deusas Nut e Ísis se confundem na mitologia. Vemos a trajetória do sol exterior e o sol interior no corpo da deusa que será fecundada por Osíris, o Deus da noite e do oculto.
Também no Antigo Testamento, no primeiro livro dos Reis, capítulo 17 (1, Reis 17) ouvimos falar de uma viúva. A ligação das tribos israelitas do Norte com o seu Deus vivo, Jeová, foi sendo corrompida por antigas e decadentes tradições de adoração do Deus do Baal. Por isso, Elias, o profeta de Jeová anuncia ao rei um longo e extremo período de seca em todo a região, pois também o rei e sua esposa cederam à tentação do Baal. Elias vai ser então perseguido pelo rei e pela rainha e foge guiado por seu Deus Jeová, que se compromete a alimentá-lo na fome vigente. Assim ele é enviado para o portal da cidade de Sarepta, onde se encontra uma pobre viúva, que só dispõe de alimento para uma última refeição com seu filho. No entanto, ela oferece primeiro o alimento a Elias e dele ouve como Jeová prometera nunca mais vai deixar de ter farinha e óleo em sua casa. Lá passa a ser a morada de Elias até que um dia o filho da viúva adoece, exala seu último suspiro e morre. Elias se retira com ele para um aposento e o desperta novamente para a vida.
Nestes dramas a viúva sofre ainda pela perda do cônjuge, do companheiro de vida que morre, como o espírito morre na percepção que o homem tem do mundo exterior. No entanto, ela ainda fica ligada ao mundo dos mortos, à noite, ao mundo oculto. Ela ainda tem o filho, que lhe confere uma perspectiva para o futuro. Mas o drama se intensifica e o filho morre também. Será que a ligação da alma com o mundo divino vai ser completamente rompida e não poderá ser recuperada? Isto teria terríveis consequências para a Terra, para o meio ambiente e para os povos, como no relato da seca e da escassez de alimentos na época de Elias. Pouco a pouco o drama da alma cósmica vai se tornando o drama da humanidade e de todo o mundo sensorial. Mas como constatamos, o mundo divino, a guia espiritual sempre possibilita uma mudança radical inesperada. Na época pré-cristã isso aconteceu pela intercessão dos deuses, neste caso da Ísis, de quem nasce o filho Hórus. Também no judaísmo acontece uma reviravolta por meio da intercessão do profeta, do mensageiro de Deus, Elias. O que era um drama entre os deuses vai se tornando um drama humano. Em Naim a procissão em luto é interrompida no encontro com o Cristo e seus discípulos. Jesus, como homem, profere as palavras decisivas e a alma do jovem volta ao seu corpo pelo Filho, pelo portador do espírito do sol, do Cristo.
A viúva de Naim representa a alma humana na época atual. O que ela traz do âmbito da noite, do âmbito espiritual não é mais suficiente para a vida na Terra e o que ela leva da civilização, da cidade para o mundo, está morto. Morte e lamentos são levados do âmbito da cidade para o mundo. Agora quem está de luto não é mais uma deusa, mas a alma humana pela perda do espírito, pelas consequências da pobreza espiritual. O esperado reino dos céus na Terra, ou seja, Jesus com seus discípulos interrompe e para a procissão em luto. Jesus toca o caixão e chama a alma do falecido de volta para a sua morada terrena, seu corpo. Jesus entrega o filho para a viúva. Ela o recebe e desperta o Filho em si, seu próprio Eu em Cristo. A alma enviuvada foi fecundada pelo Eu e se torna uma noiva, como viu João no Apocalipse: a imagem da Nova Jerusalém como uma noiva enfeitada para as núpcias. Primeiro acontece o casamento místico, a ligação da alma com o Espírito, com o Cristo, o noivo. Depois esta ligação irradia uma nova luz e uma nova vida na Terra, que vai sendo espiritualizada paralelamente à espiritualização da alma.
Poderíamos começar a contar hoje quanta miséria vivenciamos exteriormente no mundo, no destino humano e também no interior da alma humana, quantas doenças e ameaças. Mas já aconteceu a ressurreição do jovem de Naim e Jesus Cristo vive entre nós. Desde então muitos foram tocados por Ele e acolheram a sua palavra viva. Hoje poderia ser ouvida a pergunta já feita pelos discípulos a Jesus: „quem pode ainda ser salvo? “Mateus 17,25. Felizmente poderão alguns ouvir a resposta de Jesus Cristo: “Para o homem sozinho é impossível, mas pode ser possível pela força divina atuante no Homem.“
Desde a ressurreição o homem pode irradiar de seu coração, de sua alma a luz e a vida de Cristo para salvar as almas ameaçadas da morte e, com isto, toda a Terra também. ELE está sempre caminhando ao nosso encontro. Paremos, ouçamos e vivamos com Ele!
Helena Otterspeer