Época de João Batista
Referente ao Evangelho: Marcos 1, 1-12
“… e logo que saiu da água, viu os céus abertos”
João Batista introduzia as pessoas nas águas do rio Jordão. Este ato pode ser considerado como o início do próprio Cristianismo, pois a intenção era abrir, mudar, transformar a consciência daqueles que se submetiam a este procedimento, a fim de que se tornassem mais receptivos ao que (e a Quem) estava por vir. João conclamava o povo a fazer a experiência da “metanoia” (palavra grega que significa mudança, transformação). O ato de mergulhar (também do grego “baptimós” = imersão) era em si o próprio batismo. A intenção de João era batizar, ou seja, submergir as pessoas nas águas do rio Jordão. Em algumas igrejas cristãs esta cerimônia de imersão é repetida até os dias de hoje. Tradicionalmente, em muitas vertentes do cristianismo, este ato se simplificou ao contato apenas da testa com uma pequena porção de água, em geral realizado na primeira fase da vida, pois ser batizado, muitas vezes foi entendido como ser acolhido na comunidade de Cristo, algo que deveria acontecer o mais cedo possível na biografia humana. O batismo sempre foi entendido, portanto, como um ato sacramental que não se repete na vida, pois ao ser batizado, o ser humano se introduz (ou foi introduzido) na corrente espiritual do próprio cristianismo que flui dentro do fluir da história da humanidade. Esta compreensão sobre o batismo se ancora na vivência de que este ato deixa uma marca profunda e duradoura na constituição do ser humano. Entretanto, nos tempos modernos, quando nossa maneira de ver a vida está bem mais orientada para as impressões que nos são dadas pelos sentidos, fica cada vez mais difícil observar ou perceber esta “marca”, pois é imperceptível exteriormente. Pode então surgir a pergunta: Uma vez “imersos/batizados” neste fluir espiritual, não poderia talvez ocorrer uma saída deste fluxo? E se chegarmos a sair do fluxo, é possível retornar a ele? Estas são perguntas importantes que todos nós deveríamos fazer, para que o profundo significado do batismo não se limite a algo nebuloso, obscuro ou apenas com importância tradicional na consciência do cristão moderno. Retornemos ao ato do batismo imersão original. Os Evangelhos não nos dão muita informação, contudo, é óbvio que todos que eram submersos nas águas, depois de um tempo emergiam.
“(…) e logo que saiu da água (…)”
Independentemente do tempo que João mantinha as pessoas dentro das águas do rio, o mais importante era o efeito sutil deste processo. Trata-se de uma forte experiência sensorial, sair do elemento terra, que nos dá sustentabilidade e equilíbrio, onde nos sentimos firmes e confiantes, e entrar no aquoso. Ali “perdemos o chão”, desaparecem muitos pontos de apoio conhecidos. Debaixo d’água, estamos também privados de outro elemento: o ar. Para submergir é preciso levar “certa reserva” de ar nos pulmões. Submergir, portanto, significa deixar o mundo conhecido, entrar em contato com um elemento onde regem outras forças, além de ser necessário levar consigo uma reserva, “um hálito” daquilo que conhecemos no mundo onde nos acostumamos a viver. Se transportamos tudo isto para uma vivência anímico espiritual, poder-se-ia então dizer, que a principal intenção do Batista, era, por meio deste batismo na água, ajudar a alma humana a deixar o terreno firme das vivências que se apoiam exclusivamente no seguro terreno sensorial, para que ela pudesse então adentrar noutro elemento, que possui leis e regras próprias, onde num primeiro momento os pontos de apoio e referência conhecidos desvanecem. Para não “sucumbir” neste mundo diferente, é necessário levar um “hálito” do que conhecemos, pois do contrário não conseguiríamos permanecer ali. A cada noite nossa alma adentra neste elemento espiritual, contudo nossa consciência adormece e deixamos de ter a capacidade da lembrança do que vivenciamos por lá. O trabalho espiritual e religioso visa, em sua essência, nos capacitar com este “hálito”. Quanto mais, durante nossa vida em vigília, exercitemos adentrar os conteúdos espirituais com consciência, tanto maior será, com o tempo, nossa capacidade para permanecermos “imersos” e conscientes neste elemento do espírito. Neste sentido poderíamos entender o batismo de João como um exercício, um treino, para o que estava por vir. O mais importante acontece num âmbito sutil da vida. Desta forma, na atualidade, poderíamos também dizer, que o batismo no sentido cristão moderno, não é um ato que termina no final da cerimônia, mas que o indivíduo, se assim o desejar, pouco a pouco vai aprendendo a exercitar e a repetir o batismo mergulho cada vez que adentra com consciência os conteúdos e as vivências espirituais. O cristão moderno, pode se “batizar/imergir” repetidamente no fluxo espiritual de Cristo, em cada oração ou meditação de conteúdo cristão, em cada vivência sensorial espiritual do culto cristão. É necessário “mergulhar” cada vez de novo, no fluxo do espírito; do contrário, corre-se o risco de ficar apenas na “margem”, vendo o fluxo passar, mas sem conseguir alcançar uma experiência verdadeira. Se assim ocorresse, nosso cristianismo se tornaria pouco a pouco um discurso teórico.
Do mesmo modo que não é possível aprender a nadar, apenas com teoria, mas é necessário se atirar à água em algum momento. Assim também com a vivência do espírito. Tudo isto é um enorme desafio para a consciência moderna, apoiada quase que unicamente no seguro terreno das vivências sensórias!
“(…) e logo que saiu da água, viu os céus abertos (…)”
Entretanto, se algo disto faz sentido para nós, podemos com coragem mergulhar nesta “aventura” (no sentido literal: “aventura” provém do latim “advenire”, lançar-se ao que está por vir). Somente assim os “céus se abrem”, ou seja, os conteúdos espirituais se tornam realidade para a alma humana, pois se rasgam os véus que nos impedem hodiernamente vislumbrá-los de modo direto. João Batista continua sendo para nós a voz que nos encoraja a nos atirarmos à corrente do Espírito!
Renato Gomes