“Levanto os meus olhos para os montes.
De onde me vem ajuda?
Minha ajuda vem do Senhor que fez o céu e a terra.
Não deixará vacilar o teu pé,
Não irá cochilar, o teu guardião.
Eis que não cochilará nem dormirá o guardião da humanidade.
O Senhor é o teu guardião.
O Senhor é tua sombra sobre tua mão direita.
O sol não te molestará de dia nem a lua de noite.
O Senhor te protegerá de todo o mal; protegerá a tua alma.
O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora, até a eternidade.”
Salmo 121
Normalmente, perante os desafios do nosso dia a dia, sentimos a necessidade de receber ajuda e tentamos elevar a nossa alma para Deus, na esperança de receber Dele essa ajuda. Assim poderíamos dizer que temos inicialmente a pergunta “De onde me vem ajuda?” e num segundo passo “Elevamos os olhos para os montes”. O impulso de querer se unir com o mundo divino espiritual, somente para receber ajuda, nos leva ao risco de criarmos um relacionamento egoísta com Deus, de sempre querermos receber algo para nós. Esse relacionamento se torna muito difícil quando se chega a um nível mercantil, em que condicionamos a nossa atuação religiosa ao recebimento de uma ajuda. O Salmo 121 nos orienta a seguir um outro caminho. Ele não é uma oração para pedir ajuda. Ele é um caminho que podemos fazer quando queremos elevar a nossa alma ao divino.
Partimos do impulso de “elevar os olhos para os montes”, de elevar a nossa consciência, a nossa alma, ao mundo espiritual. O primeiro passo é o esforço de elevar a consciência, em oração ou meditação. Com os olhos, representantes de um órgão de sentido espiritual, procuramos nos elevar aos montes, representantes do mundo espiritual.
Quando entramos no âmbito de uma consciência espiritual, percebemos que precisamos de ajuda, muito mais do que necessitamos em nosso dia a dia. Pois tudo aquilo que nos oferece segurança aqui na Terra, os nossos pertences, não têm nenhum significado nas esferas espirituais. Quanto mais elevamos nossa alma em direção ao Divino, tanto mais perde sentido aquilo que temos, e apenas aquilo que somos tem um significado. Sacrificar o que temos, para procurar o que somos, nos coloca num estado de completa insegurança e necessitamos de ajuda: “De onde me vem ajuda?”
A conquista da nossa liberdade nos coloca na tarefa de que, apesar da disposição do Divino de nos ajudar, somos nós que temos de dar o primeiro passo: reconhecer o Senhor, que fez céu e terra, como aquele que pode nos ajudar e com o qual queremos em liberdade nos unir. Não se trata necessariamente de pedir ajuda para resolver algum problema do nosso dia a dia. Se trata muito mais de reconhecer que necessitamos de ajuda para podermos prosseguir um caminho espiritual e desenvolver a nossa consciência.
Vemos, assim, nas três primeiras frases do Salmo 121, os três passos do início de um caminho espiritual:
- O esforço de elevar os olhos para os montes
- A consciência de que precisamos de ajuda neste caminho
- O reconhecimento de que essa ajuda pode vir à nós do Senhor, do Cristo
O que pode nos dar a segurança de que estamos dando passos na direção correta em nosso caminho espiritual é uma transformação da nossa autoconsciência. Enquanto, num primeiro passo do desenvolvimento do eu, nos vivenciamos a nós mesmos no centro, e o mundo na periferia, somos eu centrados, o que pode nos levar a sermos “ego cêntricos”, num segundo passo podemos aprender a sentir que a realidade do nosso ser superior não está no centro, no corpo, mas na periferia, no mundo. Sem perder a qualidade da autoconsciência, podemos vivenciar que esse ser superior começa a falar da periferia para nós. Não é o nosso eu cotidiano que fala de si para os outros, é alguém que fala para nós e, mesmo assim, não é um outro, mas nós mesmos.
“Não deixará vacilar o teu pé, não irá cochilar, o teu guardião.” No caminho que nós mesmos temos de trilhar, a ajuda que precisamos está em ter a segurança de onde colocar o pé, e não perder a consciência conquistada aqui na Terra, a consciência desperta do nosso eu.
A nossa consciência é restrita, e estamos a caminho de desenvolvê-la. Por isso necessitamos da ajuda de um ser, que tenha a consciência necessária para nos ajudar a seguir um caminho espiritual e nos proteger de ir além do que podemos suportar. Precisamos da ajuda do Guardião do Limiar. Davi vivenciou a realidade desse guardião relacionado com o seu povo, Israel. Hoje podemos vivenciar que o Guardião está relacionado com toda a humanidade, independente de pertencermos a um povo. O guardião é o Senhor, é o Cristo.
Num próximo passo de um caminho espiritual podemos fazer a experiência de que a ajuda que recebemos não é, necessariamente, para resolver os nossos problemas, mas uma força que nos possibilita atuar no mundo de uma forma melhor do que seria possível apenas a partir das nossas próprias faculdades. Quem desperta para esse nível de relacionamento com o mundo espiritual conhece a situação de receber um elogio por algo que fez e saber que isso só foi possível porque algo superior atuou através de nós: “O Senhor é tua sombra sobre tua mão direita.”
Assim, muitas coisas que nos provocavam desgosto, não nos molestam mais. Não é mais tão importante nos perguntar, se nos sentimos bem. É muito mais importante nos perguntar se podemos fazer algo para o mundo: “O sol não te molestará de dia nem a lua de noite.”
Precisamos da ajuda dos seres espirituais. Mas precisamos também de ajuda para nos protegermos de seres espirituais. Pois não existem somente os seres que querem nos ajudar no desenvolvimento do nosso eu, mas também aqueles que nos são adversos. Temos de aprender a distinguir os espíritos, distinguir o bem e o mal, para que nossa alma não corra perigo: O Senhor te protegerá de todo o mal; protegerá a tua alma.
Um caminho espiritual sadio é caracterizado pelo domínio da decisão individual sobre quando queremos elevar a nossa consciência ao mundo espiritual, “aos montes”, e quando queremos dirigir a nossa consciência para as tarefas do nosso dia a dia; quando queremos estar presentes no agora, e quando queremos estar na eternidade. Enquanto não dominamos essa transição, a ajuda do Guardião do Limiar consiste em nos impedir de entrar no mundo espiritual. E, no momento em que estivermos aptos, ele será aquele que nos conduzirá nesse caminho. “O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora, até a eternidade.”
João F. Torunsky