Conto de Ascensão (Parte 1)
Stéphanos havia nascido na pequena ilha de Syme. Seus pais provinham de Jerusalém e se instalaram naquele local. Apesar de a família pertencer ao judaísmo, o casal escolheu para seu filho um nome grego, pois naquela ilha todos falavam este idioma e pertenciam à cultura grega. Quando Stéphanos ainda era pequeno, seu pai, que era comerciante, morreu durante uma viagem em que seu barco naufragou. O menino sentiu muito a perda do pai. Desde cedo teve que começar a trabalhar para ajudar sua mãe. Sempre que tinha algum tempo livre, Stéphanos subia o monte mais alto, que ficava no centro da ilha e do alto observava a imensidão do mar e do céu. Na solidão e no silêncio daquele lugar, o menino se sentia bem. Com o passar dos anos Stéphanos aprendeu a observar a formação e o movimento das nuvens. Ele sabia dizer, olhando para o céu, se naquele dia haveria chuva ou não, se os ventos eram propícios para a saída dos barcos ou se era mais seguro permanecer no cais, sabia também reconhecer com precisão quando iniciariam os dias frios do inverno ou quando retornaria o calor do verão. De tudo que observava, Stéphanos se deliciava mais com as próprias nuvens, como elas apareciam ou desapareciam no céu, como sua forma se transformava, a medida em que eram carregadas pelo vento. Olhando para as nuvens ele percebia que em sua forma e movimento, havia uma linguagem que, mesmo sem compreender completamente, ele podia observar por horas seguidas. Stéphanos tinha a sensação de que as nuvens conversavam com ele.
Stéphanos cresceu, tornou-se um jovem de rosto delicado e caráter tímido. Falava pouco, ouvia tudo com muita atenção. Era tão atencioso e bem treinado na observação que muitas vezes as pessoas tinham a impressão de que o jovem adivinha o que estava para acontecer. Em verdade Stéphanos apenas prestava atenção e rapidamente percebia coisas que a maioria das pessoas deixa passar despercebido.
Stéphanos trabalhava de ajudante para descarregar mercadorias dos barcos que chegavam. Certo dia chegou um grande barco romano com muitas sacas de trigo do Egito. Os comerciantes de Syme compraram uma parte do trigo para alimentação da população. Era necessário portanto retirar as sacas e colocá-las no grande depósito do porto. Stéphanos junto com outros jovens realizavam esta tarefa. Os carregadores tinham que descer ao porão do barco, colocar uma saca sobre os ombros e descer por uma estreita prancha de madeira à terra.
Na volta retornavam por outra prancha para não atrapalhar o fluxo dos que saiam do barco carregados. O jovem já havia feito várias vezes este caminho. Quando havia retornado ao barco, pela prancha dos que subiam, para buscar mais uma saca de trigo, saiu de sua fila e colocou-se diante de um dos carregadores que estava prestes a descer, impedindo-lhe a passagem e lhe disse para não descer pela prancha pois ela não aguentaria seu peso. O outro ficou irritado e retrucou que todos eles já haviam passado por aquela prancha tantas vezes, porque somente agora ela não aguentaria! Armou-se uma discussão, à qual se juntaram os outros carregadores. Um centurião romano, que era o comandante do barco, aproximou-se para ver por que o fluxo de carregadores havia se interrompido. Ouviu a explicação do jovem Stéphanos, para que ninguém mais descesse por aquela prancha. Movido pela curiosidade, o centurião decidiu pôr à prova o que o jovem dizia. Mandou que dois carregadores jogassem seus sacos sobre a prancha para ver se ela aguentaria. Eles jogaram e nada aconteceu. Stéphanos disse que o peso de uma pessoa carregando um saco era superior, equivalia a três sacas de trigo. O centurião mais intrigado ainda, mandou que atirassem uma terceira saca. Neste instante a prancha quebrou-se com um grande ruído, deixando as sacas de trigo caírem no mar. Todos ficaram surpresos!
— Como você sabia que justamente agora a prancha estava a ponto de se quebrar? Você é algum tipo de adivinho?
Stéphanos explicou ao centurião que, desde a primeira vez que ele passara por aquela prancha, percebeu que a madeira fazia um som diferente da outra prancha. A cada passagem de um carregador o som ia se modificando e a prancha cedia cada vez um pouco mais. Era claro que faltava bem pouco para se romper completamente!
Todos ficaram admirados, pois nenhum dos carregadores que por ali passaram havia percebido com tanta sutileza o que estava acontecendo. Os marinheiros colocaram outra prancha no local e os carregadores prosseguiram com a retirada das sacas de trigo que restavam. Ao final da jornada de trabalho, o centurião chamou os carregadores para lhes pagar pelo serviço, quando chegou a vez de Stéphanos, lhe perguntou:
— Jovem, você quer fazer parte da tripulação do meu barco? Vi que você é muito observador!
— Senhor – respondeu o jovem que ficou surpreso e feliz com a ideia, pois sempre desejara viajar e conhecer outros lugares – eu preciso primeiro pedir a autorização a minha mãe! Para onde vai seu barco?
— Viajaremos ainda por várias outras ilhas gregas deste arquipélago, mas minha missão é levar meus soldados a Jerusalém.
Ao ouvir que iriam a Jerusalém, Stéphanos ficou mais interessado ainda. Quando criança havia ouvido de seu pai muitas histórias sobre Jerusalém, a Cidade Santa, onde ficava o maravilhoso Templo construído pelo rei Salomão.
— Meu barco fica ancorado aqui nesta ilha por mais três dias – disse o centurião – depois partiremos. Se você se decidir até lá, me diga.
— Senhor – comentou Stéphanos – não deve partir daqui a três dias pois vai encontrar uma forte tempestade no mar! Deveria esperar pelo menos uma semana, até que os ventos do alto-mar se acalmem.
O centurião ficou mais admirado ainda:
— Como você tem tanta certeza sobre o que está falando?
Stéphanos contou ao centurião romano que todos os dias subia o monte da ilha e observava o céu e as nuvens. Naquele período do ano ele sempre observava que numa certa direção do horizonte o céu ficava com cores escuras e as nuvens eram sopradas de lá por fortes ventos. Aquele fenômeno durava em média três ou quatro dias. Isto sempre significava tempestade em alto-mar e justamente naquela direção o centurião pretendia ir com seu barco.
Depois de ouvir estas explicações, o centurião ficou mais interessado ainda que Stéphanos viajasse com ele no barco. O jovem conversou com sua mãe sobre a viagem àquela noite. No início, ela não queria que seu filho deixasse a ilha. Se sentiria muito solitária, por outro lado, a mãe sabia que um dia seu filho teria que sair da ilha, conhecer outros lugares. Afinal ela mesma havia nascido em Jerusalém, sabia que lá seu filho poderia aprender muitas coisas sobre a história de seu povo. Stéphanos, por seu lado, compreendia os sentimentos de sua mãe e não queria partir sabendo que ela ficaria triste com a sua ausência. Nos dias que se seguiram, o jovem decidiu subir o monte para ver o que a linguagem das nuvens no céu lhe podia dizer, talvez lhe trouxesse uma orientação.
Uma noite Stéphanos perguntou a sua mãe:
— Por que não vamos juntos nesta viagem? Lembro que papai sempre nos dizia que em Jerusalém mora seu irmão, o tio Jacob. Podemos passar a viver com ele.
A mãe de Stéphanos não estava segura se o tio Jacob os receberia em sua casa, além disso o centurião havia oferecido a viagem no barco apenas ao jovem.
— Mãe, não se preocupe – disse Stéphanos – As nuvens no horizonte, na direção onde fica Jerusalém, nos últimos dias, apareceram no céu com uma cor muito bonita. Por causa da distância, eu as vi bem pequeninas no horizonte. Elas brilhavam num tom dourado diferente de qualquer outra nuvem que já vi. Estou seguro que algo muito especial está acontecendo por lá neste momento. Creio também que tio Jacob vai ficar contente em me conhecer. Você não diz sempre que sou muito parecido com meu pai? Tio Jacob, gostava muito do papai, com certeza vai se alegrar em acolher a família de seu único irmão falecido. Amanhã vou falar com o centurião. Direi que só aceito ir com ele, se me permitir levar comigo minha mãe.
Tudo transcorreu como Stéphanos havia desejado.
Depois do tempo que o jovem havia previsto para que cessassem as tempestades, o grande barco romano deixou a ilha de Syme, levando Stéphanos e sua mãe, em direção a Israel, a terra do povo judeu, cuja capital era Jerusalém. O trajeto por mar durou alguns dias. Desembarcaram na cidade portuária de Jafa. A Cidade Santa ficava nas montanhas do interior. A jornada até Jerusalém levaria alguns dias por caminhos desérticos e montanhosos. Eles precisavam se juntar a alguma caravana, pois não era possível fazer a viagem sozinhos. Stéphanos pediu ao centurião se eles poderiam ir junto com a caravana formada pelos soldados romanos, pois eles também pretendiam ir para Jerusalém.
Durante o caminho, Stéphanos observava atentamente o céu. Diferente do que conhecera na ilha de Syme, ele viu pouquíssimas nuvens naqueles dias. O jovem sentia falta delas. Onde estariam aquelas nuvens de cor dourado que havia visto no horizonte ante de iniciar a viagem? Por que o céu estava tão vazio?
Quando faltavam algumas horas de caminhada até a cidade, Stéphanos viu com alegria pequenas nuvens douradas no céu. Localizavam-se na direção de Jerusalém. Quando chegaram lá, ele percebeu que as nuvens formavam um grande círculo no céu em cima da cidade. Isto deixou o rapaz muito impressionado.
Tio Jacob recebeu Stéphanos e sua mãe com alegria em sua casa. De fato, o rapaz lhe trazia muito à lembrança o falecido irmão quando era jovem. Jacob estava disposto a acolher ambos, o sobrinho e sua mãe, em sua residência. Propôs que o jovem começasse logo a aprender os ensinamentos sagrados da religião judaica. Stéphanos havia crescido entre os gregos e não tivera esta oportunidade na ilha de Syme. Todos os dias deveria ir ao Templo ouvir os mestres e escribas.
Deste modo, Stéphanos passou a visitar o templo todas as manhãs. Lá ouviu muitas coisas, uma delas o deixou muito impressionado. Ouviu que pouco tempo antes havia acontecido algo inusitado na cidade: contavam que um homem de nome Jesus, que havia morrido, havia retornado à vida. Seus amigos e discípulos assim o afirmavam. Ninguém o havia visto, a não ser os próprios discípulos. Havia os que negavam totalmente estas histórias, havia também os que imaginavam que aquelas falas poderiam ser verdadeiras, pois afinal Jesus havia sido um profeta, havia curado muitas pessoas e havia ensinado o povo de maneira diferente de todos os mestres escribas do templo.
Stéphanos tentou indagar onde poderia encontrar algum dos discípulos, pois queria saber diretamente deles o que tinham a dizer, mas ninguém sabia informar. Também não sabiam dizer em que lugar na cidade eles se reuniam.
Stéphanos calculou então o momento em que o milagre de Jesus havia acontecido e notou que foi justamente no dia em que havia chegado a Jerusalém, quando vira no céu o círculo de nuvens douradas sobre a cidade. Este dia era um domingo.
No final de cada tarde, Stéphanos subia à torre que existia na casa de seu tio Jacob, para poder observar melhor o céu. Notava que próximo ao momento do pôr do sol, as pequenas nuvens douradas apareciam no horizonte e, vindas cada uma de uma direção diferente, iam se aproximando até formar um grande círculo sobre a cidade. Ficavam ali alguns instantes e depois desapareciam. O jovem se perguntava o que aquilo poderia significar, mas não encontrava respostas. A linguagem daquelas nuvens ainda lhe era incompreensível. A única coisa que ele conseguia imaginar era que talvez elas estivessem relacionadas com o profeta Jesus, que havia ressuscitado naquele domingo. Stéphanos desejava do fundo do coração encontrar algum dos discípulos para saber mais sobre Jesus, mas como conseguiria isto?
Passaram vários dias, vários domingos. Stéphanos ia todos os dias ao templo, tentava encontrar alguma nova informação sobre Jesus, mas não descobria nada novo. Em casa, após ajudar o tio em seus trabalhos, no final do dia, Stéphanos subia à torre para olhar o céu e as nuvens. Haviam passado quarenta dias desde que chegara a Jerusalém. Naquela tarde, do alto da torre, o jovem viu um grupo de pessoas saindo da cidade e subindo o Monte das Oliveiras, que ficava próximo. Ao chegaram ao topo do monte, formaram um pequeno círculo em torno de um dos homens. A distância Stéphanos não podia ver muitos detalhes, mas uma coisa chamou sua atenção: As nuvens douradas nesta tarde não se reuniram em círculo sobre a cidade, mas se dirigiram para o alto do Monte das Oliveiras e desta vez se aproximaram tanto umas das outras que se juntaram e formaram uma única nuvem. Do local onde Stéphanos estava, parecia que a nuvem envolvia todo o topo do monte. Ele deixou de ver o grupo de pessoas que ali estavam. A seguir a grande nuvem começou a se elevar. Stéphanos pôde ver de novo o grupo. Não viu mais aquele que estava no centro, apenas os outros que formavam o círculo, todos olhavam para a nuvem que subia.
O jovem percebeu também que a nuvem dourada se elevou bastante e no alto começou a se expandir, cresceu tanto que começou a se partir em muitas nuvens menores, que se dirigiam, cada uma a uma direção diferente no céu. Notou ainda que suas cores iam se transformando, cada uma delas tinha um matiz um pouco diferente das demais. Olhando rapidamente pareciam nuvens brancas que refletiam o dourado da luz do sol se pondo, mas os olhos observadores de Stéphanos perceberam que havia um brilho e uma coloração única em cada fragmento da grande nuvem que se expandiu. Quanto mais o círculo se ampliava, mais as partes da grande nuvem tornavam a se repartir. Stéphanos ficou observando admirado! Olhava-as com muita atenção até que ficaram tão distantes que já não se podia ver. Esta visão encheu o peito do jovem de alegria. Neste momento ele percebeu que os homens começaram a descer o Monte das Oliveiras e retornavam à cidade. Rapidamente Stéphanos desceu da torre e se dirigiu a um dos portões na muralha de Jerusalém, por onde o grupo pretendia entrar na cidade. Stéphanos finalmente encontrara o grupo de discípulos! Eles entraram cabisbaixos na cidade, tinham o semblante entristecido e perplexo. Stéphanos se aproximou do mais jovem entre eles, que vinha um pouco mais atrás do grupo e perguntou: – Vocês são os discípulos de Jesus?
O outro, que se chamava João, olhou para ele e se demorou a responder, mas disse por fim: – Sim, mas como você soube? Não lhe conheço, você parece estrangeiro aqui.
Stéphanos sentiu que precisava contar para o jovem discípulo o que acabara de vivenciar no alto da torre. O discípulo João ouviu o relato de Stéphanos em grande silêncio. Ao final acrescentou: – Jesus, depois que havia ressuscitado, se encontrava conosco todos os dias na casa onde comemos com ele a sua última refeição antes de morrer. Foram 40 dias, desde aquele domingo especial, em que ele nos aparecia enquanto estávamos reunidos à mesa com as portas fechadas.
Sua presença nos enchia de alegria! Ele nos falava muitas coisas!
Stéphanos, imediatamente se recordou do círculo de nuvens douradas que via todas as tardes sobre a cidade e interrompendo o relato de João, perguntou:
— Por que ninguém soube me dizer o lugar onde vocês se encontravam? Eu queria tanto conhecer Jesus!
João respondeu: — Estávamos assustados! Algumas pessoas diziam que estávamos mentindo, não acreditavam em nós. Também para alguns dentre nós foi difícil no início acreditar que nosso mestre havia ressuscitado!
— Então – prosseguiu Stéphanos – era por isto que as pessoas no templo não sabiam me dizer nada sobre Jesus e sobre vocês.
João retomou a narrativa.
— Hoje, porém, aconteceu algo diferente. Jesus nos pediu para sair, fomos ao Monte das Oliveiras. Pensei que havia chegado o momento em que todos em Jerusalém iriam vê-lo, mas para surpresa de todos nós, ele nos levou ao alto do monte e se elevou aos céus, até que uma nuvem o envolveu. Foi isto que você viu do alto da torre.
Stéphanos afirmou balançando a cabeça e em seguida perguntou: — Não entendo então, por que você e os outros discípulos estão regressando à cidade com os rostos tristes? Do alto da torre foi algo lindo de se ver. Nunca havia visto as nuvens formarem algo tão maravilhoso nos céus!
João respondeu-lhe: — Ao se despedir de nós, Jesus disse que permanecêssemos na cidade. Ele nos enviaria um sinal. Entretanto não sabemos quanto tempo devemos esperar, nem sabemos se ele algum dia voltará a estar conosco. Isto nos deixou tristes! Pensávamos que em pouco tempo poderíamos levar a alegria da boa notícia que Jesus está vivo às muitas pessoas que o conheceram e a outras mais, porém agora estamos confundidos.
No rosto de Stéphanos iluminou-se um sorriso:
— Você não entende? Não compreendeu a mensagem que as nuvens nos deixaram? – e prosseguiu – Antes, Jesus estava reunido apenas com vocês, os doze discípulos. Hoje ele entrou naquela grande nuvem dourada para poder se expandir e ir a todos os lugares, a todos os povos da Terra. Com as nuvens ele poderá estar em muitos lugares, em todos os lugares, pois as nuvens aparecem no céu de qualquer lugar. Eu vi que as partes que se separavam da grande nuvem brilhavam cada uma em um matiz diferente, isto também me chamou à atenção, pois nunca havia visto algo igual, até que entendi: as pessoas são diferentes, vivem de maneira diferente nos muitos países e povos da Terra. Ele quer ir ao encontro de cada povo com a cor e o matiz próprio de cada um deles. Foi assim que finalmente compreendi a mensagem daquelas nuvens.
Ao ouvir esta explicação, João ficou muito alegre e convidou Stéphanos a vir tomar a ceia com eles no lugar onde se reuniam, para que pudesse contar aos outros discípulos o que havia visto e compreendido pela mensagem das nuvens.
Renato Gomes
Nota: Haverá uma continuação deste conto, no domingo de Pentecostes.