Reflexão sobre o Evangelho de João, 7 de julho

Adam Chmielowsk, Ecce Homo, 1881

“Pilatos, então, mandou açoitar Jesus. Os soldados trançaram uma coroa de espinhos, a puseram na cabeça de Jesus e o vestiram com um manto de púrpura. Aproximavam-se dele e diziam: “Viva o Rei dos Judeus!”; e batiam nele. Pilatos saiu outra vez e disse aos judeus: “Olhai! Eu o trago aqui fora, diante de vós, para que saibais que eu não encontro nele nenhum motivo de condenação”. Então, Jesus veio para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Ele disse-lhes: “Eis o ser humano”!
Quando o viram, os sumos sacerdotes e seus guardas começaram a gritar: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Pilatos respondeu: “Levai-o, vós mesmos, para o crucificar, porque eu não encontro nele nenhum motivo de condenação”. Os judeus responderam-lhe: “Nós temos uma Lei, e segundo esta Lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus”. Quando Pilatos ouviu isso, ficou com mais medo ainda. Entrou no palácio outra vez e perguntou a Jesus: “De onde és tu?” Jesus ficou calado. Então Pilatos disse-lhe: “Não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e poder para te crucificar?”
Jesus respondeu: “Tu não terias poder algum sobre mim, se não te fosse dado do alto. Por isso, quem me entregou a ti tem maior pecado”. Por causa disso, Pilatos procurava soltar Jesus.
Mas os judeus continuavam gritando: “Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César”. Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar conhecido como Pavimento (em hebraico: Gábata). Era o dia da preparação da páscoa, por volta do meio- dia. Pilatos disse aos judeus: “Eis o vosso rei”. Eles, porém, gritavam: “Fora! Fora! Crucifica-o!” Pilatos disse: “Vou crucificar o vosso rei?” Os sumos sacerdotes responderam: “Não temos rei senão César”. Pilatos, então, lhes entregou Jesus para ser crucificado. Eles tomaram conta de Jesus.

João 19, 1-16

“Eis o ser humano”
Ecce Homo

Esta figura de dor nos fala diretamente à alma. Nós a conhecemos inconscientemente. Podemos desenvolver sua percepção consciente ao colocarmo-nos a caminho, dando passos na iniciação cristã. Jesus segue para seus últimos passos físicos na Terra, cada vez mais silencioso. Mas, sua imagem já carrega, suavemente o raiar do sol do novo mundo.
Os açoites, as injúrias, a coroa de espinhos, o manto de púrpura nos deflagram a própria condição humana: O ser da dor.
Através da dor faremos passos evolutivos. Cristo sofreu até seus últimos instantes, indicando-nos o caminho que nos levará à comunhão com o espírito: dor, morte, superação da morte, ressurreição, ascensão e plenitude na paz do espírito.
Cada dor que nosso destino nos apresenta, cada pedra no caminho, são pequenos exercícios para nosso desenvolvimento no espírito. Compreender estes processos como passos em nossa evolução, nos fortifica na resiliência.

“Ecce Homo”

No coração tece o sentir,
Na cabeça luze o pensar,
Nos membros vigora o querer.
Luzir que tece,
Tecer que vigora,
Vigorar que luze:
Eis o ser humano.

Rudolf Steiner

Viviane Trunkle

Reflexão sobre o Evangelho de João, 6 de julho

“De Caifás, levaram Jesus ao palácio do governador. Era de madrugada. Eles mesmos não entraram no palácio, para não se contaminarem e poderem comer a páscoa. Pilatos saiu ao encontro deles e disse: ‘Que acusação apresentais contra este homem?’ Eles responderam: ‘Se não fosse um malfeitor, não o teríamos entregue a ti!’ Pilatos disse: ‘Tomai-o vós mesmos e julgai-o segundo vossa lei’. Os judeus responderam: ‘Não nos é permitido matar ninguém’. Assim se realizava o que Jesus tinha dito, indicando de que morte havia de morrer. Pilatos entrou, de volta, no palácio, chamou Jesus e perguntou-lhe: ‘Tu és o Rei dos Judeus?’ Jesus respondeu: ‘Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isso de mim?’ Pilatos respondeu: ‘Acaso sou eu judeu? Teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?’ Jesus respondeu: ‘O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas, o meu reino não é daqui’. Pilatos disse: ‘Então, tu és rei?’ Jesus respondeu: ‘Tu dizes que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz’. Pilatos lhe disse: ‘Que é a verdade?’ Dito isso, saiu ao encontro dos judeus e declarou: ‘Eu não encontro nele nenhum motivo de condenação. Mas existe entre vós um costume de que, por ocasião da Páscoa, eu vos solte um preso. Quereis que eu vos solte o Rei dos Judeus?’ Eles, então, se puseram a gritar: ‘Este não, mas Barrabás!’ Ora, Barrabás era um assaltante.

João 18, 28-40

Neste trecho do Evangelho Pôncio Pilatos interroga Cristo. Ele procura a verdade entre as palavras dos judeus. Tenta entender as respostas de Cristo. Esta busca culmina na pergunta: “Que é a verdade?”
Essa pergunta é muito atual em nossos tempos de fatos alternativos e teorias de conspiração. Fica cada vez mais difícil descobrir a verdade entre as mentiras. Como podemos encontrar a verdade? Temos pelo menos dois caminhos para nos aproximarmos dela. É possível buscá-la pelo pensar e pelo sentir.
Podemos pensar se algo faz sentido, se é acessível pela lógica e se não tem contradições em si. Tem consistência perante o nosso pensar? Com o nosso sentir podemos procurar a veracidade. Ela nos ajuda a separar a verdade da mentira. Os dois caminhos juntos vão nos dar mais segurança nesta busca. Na procura da verdade podemos chegar a perceber que ela é como um ser espiritual. Nela podem se revelar as hierarquias celestiais. Através dela podemos ouvir a voz do Cristo.

Julian Rögge

Reflexão para o domingo, 5 de julho

Época de João Batista
Referente ao Evangelho: João 1, 19-34

„Quem és tu?

Eu sou a voz que clama na solidão: preparai o caminho do Senhor …“

João 1, 19 e 23

Duas das perguntas mais importantes da nossa atualidade são: “quem sou eu?“ e “quem és tu?“ A primeira pergunta “quem sou eu?“ tem a ver com o caminho do ser humano de se individualizar, de se libertar dos relacionamentos sociais que, no passado, definiam as pessoas na sociedade: membros de um povo e de uma família, com uma determinada profissão e posição social. Hoje, a procura da resposta para a pergunta “quem sou eu?“ nos leva sempre mais a perceber que a nossa verdadeira individualidade, o nosso eu, não pode ser definido pelos relacionamentos sociais. O relacionamento com os outros é muito importante para nos encontrarmos a nós mesmos, muitas vezes percebendo no outro quem nós não somos e como nós não queremos ser. A procura da resposta para a pergunta “quem sou eu?“ nos leva a prestar atenção para uma voz que fala no íntimo de cada um de nós, que nos dá uma orientação para aquilo que queremos realizar nesta vida, para aquilo que é ou não coerente com nós mesmos, que nos dá um sentimento de autenticidade.
Mas seguir o caminho de se libertar das coações sociais, que querem determinar quem eu sou e o que eu tenho de fazer, de procurar quem realmente somos, traz o perigo de nos tornarmos indivíduos associais, que pensam somente em si mesmos, que têm como meta na vida somente “se realizar“, que perdem o interesse pelo outro, e não assumem suas responsabilidades perante a sociedade. Por isso, quanto mais vivemos com a pergunta “quem sou eu?“, tanto mais precisamos viver, ao mesmo tempo, com a pergunta “quem és tu?“. É muito difícil encontrar a resposta para a pergunta “quem sou eu?“. Pois ainda mais difícil é encontrar a resposta para a pergunta “quem és tu?“.
Facilmente reconheceremos que não nos agrada sermos determinados pela sociedade, mas nem sempre nos é evidente que determinamos o outro por aspectos sociais: membro de um povo ou uma família, com uma determinada profissão e posição social. E ainda mais problemático é nossa tendência de definir o outro pelas experiências que tivemos com ele no passado. Se não posso ser definido por esses aspectos, tampouco posso eu definir o outro assim. É necessário abrir mão de todos os nossos preconceitos sobre o outro, reconhecer que, na verdade, não nos conhecemos uns aos outros, é necessário despertar o interesse de querer encontrar o outro no seu eu verdadeiro, e realmente viver com a pergunta: “quem és tu?“. Também no outro existe uma voz, no seu íntimo, a qual ele está procurando. Meu impulso pode ser ajudá-lo a encontrar essa voz, para que ele seja autêntico consigo mesmo.
João Batista é o grande precursor nesse caminho de procura da voz que clama na solidão de cada um de nós. A sua resposta pode ser a resposta arquetípica para cada um de nós: “o Eu é a voz que clama na solidão da alma: prepare o caminho para que possamos encontrar o Cristo em nós, mas também o Cristo no outro“.

João F. Torunsky

Reflexão sobre o Evangelho de João, 4 de julho

“Então a escolta, e o comandante, e os guardas dos judeus prenderam a Jesus e o amarraram. E conduziram-no primeiramente a Anás, por ser sogro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano. Ora, Caifás era quem tinha aconselhado aos judeus que convinha que um homem morresse pelo povo.
E Simão Pedro e outro discípulo seguiam a Jesus. E este discípulo era conhecido do sumo sacerdote, e entrou com Jesus na sala do sumo sacerdote. E Pedro estava da parte de fora, à porta. Saiu então o outro discípulo que era conhecido do sumo sacerdote, e falou à porteira, levando Pedro para dentro. Então a porteira disse a Pedro: ‘Não és tu também dos discípulos deste homem?’ Disse ele: ‘Não sou.’
Ora, estavam ali os servos e os servidores, que tinham feito brasas, e se aquentavam, porque fazia frio; e com eles estava Pedro, aquentando-se também.
E o sumo sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina. Jesus lhe respondeu: ‘Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde os judeus sempre se ajuntam, e nada disse em oculto. Para que me perguntas a mim? Pergunta aos que ouviram o que é que lhes ensinei; eis que eles sabem o que eu lhes tenho dito.’
E, tendo dito isto, um dos servidores que ali estavam, deu uma bofetada em Jesus, dizendo: ‘Assim respondes ao sumo sacerdote?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que me feres?’ E Anás mandou-o, maniatado, ao sumo sacerdote Caifás.
E Simão Pedro estava ali, e aquentava-se. Disseram-lhe, pois: ‘Não és também tu um dos seus discípulos’? Ele negou, e disse: ‘Não sou.’ E um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse: ‘Não te vi eu no horto com ele?’ E Pedro negou outra vez, e logo o galo cantou.

João 18, 12-27

Pedro estava disposto a dar sua vida por Jesus e chegou a levantar a espada em seu nome, mas agora ele cede três vezes por medo. Falhar três vezes pode nos trazer o sentimento de um fracasso absoluto, afinal quais são as chances de recuperar a confiança e o respeito a si mesmo depois de negar ao próprio Cristo por três vezes e, como ele havia previsto, ouvir o galo cantar em testemunho de seu fracasso. Nós cristãos, que proclamamos os valores e a fé cristã, quantas vezes negamos nossas convicções com comportamentos que lhes contradizem? Mas, em algum momento um galo há de cantar por nós para nos lançar num estado de consciência, que pode não ser leve, mas que tem a força de nos despertar e pode anteceder a mudança fundamental de reafirmar nossa convicção com atos condizentes a ela. Em Pedro nos encontramos com nossas fraquezas. Mas, independentemente de todas as críticas que Jesus dirigiu a Pedro, ele não retirou o poder principal que lhe concedera. Ele no final lhe entregou as ovelhas para cuidar. Para Pedro, chegará o dia em que ele deixará seu fracasso para trás. Ele terá oportunidade de defender Jesus com corpo e alma. Um dia ele terá que fazer o que não foi capaz de fazer naquele momento crucial. Para Jesus ninguém é definitivamente fracassado. Pelo contrário a constatação consciente dos motivos do fracasso pode ser o crucial momento do despertar. Cristo sempre abrirá novos espaços para nós, nos quais poderemos fazer melhor do que hoje. Isso nos faz olhar para o futuro com confiança de que sempre poderemos nascer de novo em Cristo independente ou talvez em virtude da consciência de nossas fraquezas.

Carlos Maranhão

Reflexão sobre o Evangelho de João, 3 de julho

“Dito isso, Jesus saiu com seus discípulos para o outro lado da torrente do Cedron. Lá havia um jardim, no qual ele entrou com os seus discípulos. Também Judas, o traidor, conhecia o lugar, porque Jesus muitas vezes ali se reunia com seus discípulos. Judas, pois, levou o batalhão romano e os guardas dos sumos sacerdotes e dos fariseus, com lanternas, tochas e armas, e chegou ali. Jesus, então, sabendo tudo o que ia acontecer com ele, saiu e disse: ‘A quem procurais?’
– ‘A Jesus de Nazaré!’, responderam. Ele disse: ‘Sou eu’. Judas, o traidor, estava com eles. Quando Jesus disse ‘Sou eu’, eles recuaram e caíram por terra. De novo perguntou-lhes: ‘A quem procurais?’ Responderam: ‘A Jesus de Nazaré’.
Jesus retomou: ‘Já vos disse que sou eu. Se é a mim que procurais, deixai que estes aqui se retirem’. Assim se cumpria a palavra que ele tinha dito: ‘Não perdi nenhum daqueles que me deste’. Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou-a e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a ponta da orelha direita. O nome do servo era Malco. Jesus disse a Pedro: ‘Guarda a tua espada na bainha. Será que não vou beber o cálice que o Pai me deu?’”

João 18, 1-11

Nas imagens acima, Cristo nos mostra como mantém a soberania da situação. Ele vai aos soldados e guardas, não são eles que o alcançam inesperadamente. A presença do Eu Sou é tão forte a ponto de seus opositores perderem o equilíbrio e caírem por terra.
Cristo segue a passos firmes para o cumprimento de sua missão. E algo chama a atenção até seus últimos momentos na Terra: os cuidados e atenção para com os seus.

“(…) deixai que estes aqui se retirem”

Ao nos orientarmos para um desenvolvimento consciente de nosso ser, tornamo-nos maleáveis e receptivos à centelha de nosso eu superior. Ele nos auxilia a seguir com passos firmes rumo à realização de nosso destino, nossa missão na Terra. Um dedicado esforço às metas da vida, preenche nosso ser de significado. Nossas ações passam a fazer sentido para o mundo. Elas formam o solo fértil para irradiarmos a força do Eu Sou, capaz de nos proteger dos opositores. Capaz de nos guiar no amor ao próximo.

Viviane Trunkle

Reflexão sobre o Evangelho de João, 2 de julho

“Eu não rogo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em mim pela palavra deles. Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste.
Eu lhes dei a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um: eu neles, e tu em mim, para que sejam perfeitamente unidos, e o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste como amaste a mim. Pai, quero que estejam comigo aqueles que me deste, para que contemplem a minha glória, a glória que tu me deste, porque me amaste antes da criação do mundo.
Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci, e estes conheceram que tu me enviaste. Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e o farei conhecer ainda, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu mesmo esteja neles.”

João 17, 20-26

Vivemos em uma época de grande individualização. Isso percebemos nos costumes e nos conceitos da vida. Hoje em dia temos uma variedade de costumes e conceitos muito maior do que a cem anos atrás. Cada vez menos nos sentimos definidos pela nação, pelo povo ou pela família. Nos sentimos como individualidades, como se cada um de nós fossemos uma espécie em si. Para onde esse caminho nos leva?
A individualização é necessária para o desenvolvimento da humanidade. Através dela podemos desenvolver a liberdade. Mas a liberdade e a individualização representam também o risco de cairmos no egocentrismo. No egoismo sem limites. Combatemos esse risco desenvolvendo o amor em conjunto com a liberdade.
Fazemos passos nessa direção ao reconhecermos o amor do Cristo em cada ser humano. Ao seguirmos o exemplo de Cristo, desenvolveremos em nós o amor para com o outro e pela humanidade. O amor a tudo que está ao nosso redor. A força desse amor pode possibilitar uma nova união entre Cristo e a humanidade e entre os seres humanos. Quanto mais isso se tornar uma realidade, mais poderemos ser indivíduos diferenciados e livres, sem corrermos o risco de cair no egoismo.

Julian Rögge

Reflexão sobre o Evangelho de João, 30 de junho

“Assim Jesus falou, e elevando os olhos ao céu, disse: ‘Pai, chegou a hora. Glorifica teu filho, para que teu filho te glorifique, assim como deste a ele poder sobre todos, a fim de que dê vida eterna a todos os que lhe deste. Esta é a vida eterna: que conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que enviaste. Eu te glorifiquei na terra, realizando a obra que me deste para fazer. E agora Pai, glorifica-me junto de ti mesmo, com a glória que eu tinha, junto de ti, antes que o mundo existisse. Manifestei o teu nome aos homens que, do mundo, me deste. Eles eram teus e tu os deste a mim; e eles guardaram a tua palavra. Agora, eles sabem que tudo quanto me deste vem de ti, porque eu lhes dei as palavras que tu me deste, e eles as acolheram; e reconheceram verdadeiramente que eu saí de junto de ti e creram que tu me enviaste.
Eu rogo por eles. Não te rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. Tudo o que é meu é teu, e tudo o que é teu é meu. E eu sou glorificado neles. Eu já não estou no mundo; mas eles estão no mundo, enquanto eu vou para junto de ti. Pai Santo, guarda-os em teu nome, o nome que me deste, para que eles sejam um, como nós somos um.
Quando estava com eles, eu os guardava em teu nome, o nome que me deste. Eu os guardei, e nenhum deles se perdeu, a não ser o filho da perdição, para se cumprir a Escritura. Agora, porém, eu vou para junto de ti, e digo estas coisas estando ainda no mundo, para que tenham em si a minha alegria em plenitude. Eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como eu não sou do mundo. Eu não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno. Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo.
Consagra-os pela verdade: a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo. Eu me consagro por eles, a fim de que também eles sejam consagrados na verdade.’”

João 17, 1-19

O capítulo 17 do Evangelho de João é chamado Oração Sumo Sacerdotal. Esta oração tem um significado muito grande em todo o cristianismo, pois é um dos textos mais profundos que temos. Ela tem também, na vida sacramental na Comunidade de Cristãos, um lugar especial: oramos a Oração Sumo Sacerdotal na confirmação, perante o limiar entre infância e juventude e, na extrema unção, perante o limiar da morte.
Todos nós oramos, em diferentes situações e por diversos motivos. Muitas vezes o que nos leva a orar é o fato de que estamos precisando de ajuda, ou queremos satisfazer um desejo, que pode ser muito pessoal, ou até mesmo egoísta. Valeria a pena, antes de orar, se perguntar: porque queremos orar? Qual é a intenção que nos leva a orar?
Assim, também poderíamos perguntar: porque o Jesus Cristo orou? Quando falamos de Jesus, neste momento da Oração Sumo Sacerdotal, na Quinta Feira Santa, pouco antes de Ele seguir o caminho para o Gólgota, para a morte, estamos falando do Jesus Cristo, do Cristo encarnado no corpo de Jesus. É o ser Divino, que se tornou homem. Assim podemos perguntar: porque o Cristo ora, porque um ser divino ora?
Orar faz parte da atividade que permeia o mundo espiritual: os anjos oram, todas as hierarquias oram. Mas o motivo que leva os seres espirituais a orarem não é, com certeza, o desejo de pedir ajuda para satisfazer algo pessoal e, de modo algum, algo egoísta. A atividade de todos os seres espirituais está permeada da vontade de Deus. Querer estar permeado por esses impulsos divinos que fluem da Trindade para atuar no mundo, podemos também chamar de „orar“. É o que expressamos quando oramos as palavras do Pai Nosso: Seja feita a Tua vontade. A vontade de Deus permeia o mundo, mas ela só atuará entre nós, se permear a nossa vontade. Expressar o pedido de querer ajuda de Deus para satisfazer desejos pessoais, não deveria ser chamado de oração. Realmente orar é o oposto de querer satisfazer uma vontade pessoal. Orar é querer, em liberdade, estar permeado da vontade de Deus.
A Oração Sumo Sacerdotal nos mostra como o Jesus Cristo, neste momento durante a Santa Ceia, mergulha na corrente divina do Pai, para que a Sexta Feira Santa se torne a fonte da qual possa ser renovada a corrente da vontade de Deus entre nós.
No nosso dia a dia não é tão fácil saber qual é a vontade de Deus. É mais fácil saber quais são os nossos desejos pessoais. Mas seria um equívoco pensar que a vontade de Deus seja que nós não tenhamos desejos pessoais, percamos assim a nossa individualidade. A questão não é termos desejos pessoais. A questão é quais são os motivos que nos levam a termos tais desejos. A grande tarefa, como seres humanos, é termos uma vontade própria, para podermos ser livres, mas, ao mesmo tempo, almejar que essa nossa vontade própria seja permeada da vontade de Deus. Isso é o que podemos aprender, procurando aprender a realmente orar.

João F. Torunsky

Reflexão sobre o Evangelho de João, 29 de junho

“Um pouco de tempo, e não mais me vereis; e mais um pouco, e me vereis de novo”. Alguns dos seus discípulos comentavam: “Que significa isto que ele está dizendo: ‘Um pouco de tempo e não mais me vereis, e mais um pouco, e me vereis de novo’ e ‘Eu vou para junto do Pai’? Diziam ainda: “O que é esse ‘pouco’? Não entendemos o que ele quer dizer”. Jesus entendeu que eles queriam fazer perguntas; então falou: “Estais discutindo porque eu disse: ‘Um pouco de tempo, e não me vereis, e mais um pouco, e me vereis de novo’? Em verdade, em verdade, vos digo: chorareis e lamentareis, mas o mundo se alegrará. Ficareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria. A mulher, quando vai dar à luz, fica angustiada, porque chegou a sua hora. Mas depois que a criança nasceu, já não se lembra mais das dores, na alegria de um ser humano ter vindo ao mundo. Também vós agora sentis tristeza. Mas eu vos verei novamente, e o vosso coração se alegrará, e ninguém poderá tirar a vossa alegria. Naquele dia, não me perguntareis mais nada. Em verdade, em verdade, vos digo: se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, ele vos dará. Até agora, não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa. Eu vos falei estas coisas por meio de figuras. Vem a hora em que não mais vos falarei em figuras, mas vos falarei claramente do Pai. Naquele dia pedireis em meu nome. E não digo que eu rogarei ao Pai por vós. Pois o próprio Pai vos ama, porque vós me amastes e acreditastes que saí de junto de Deus. Eu saí do Pai e vim ao mundo. De novo, deixo o mundo e vou para o Pai”. Os seus discípulos disseram: “Agora, sim, falas abertamente, e não em figuras. Agora vemos que conheces tudo e não precisas que ninguém te faça perguntas. Por isso acreditamos que saíste de junto de Deus!” Jesus respondeu: “Credes agora? Eis que vem a hora, e já chegou, em que vos dispersareis, cada um para seu lado, e me deixareis sozinho. Mas eu não estou só. O Pai está sempre comigo. Eu vos disse estas coisas para que, em mim, tenhais a paz. No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo”.

João 16, 16-33

A dor e a tristeza formam o húmus onde pode germinar a verdadeira alegria. E, a verdadeira alegria será sermos vistos e reconhecidos por Cristo. Ali cessarão as dúvidas. Pois seremos (Eu sou), assim como Ele é (Eu sou). Esta transformação se dá através da força do coração. Ao desenvolvermos essa força, no coração residirá a alegria. Nenhum oponente poderá tirá-la de nós. Como caminhar nessa direção? Permitindo que a dor e a tristeza realmente formem o húmus para a alegria. Nos tempos atuais, o mundo nos condiciona a não querermos sentir dor. Há medicamento para quase todas as dores físicas e anímicas. Queremos afastar, “por para fora”, tudo oque nos traz dor e tristeza. Queremos viver em alegria e felicidade. E o pior, muitas vezes confundimos alegria e felicidade com a posse de bens materiais e/ou com o status sócio intelectual. Assim nos afastamos cada vez mais de nossa missão: Aceitar a dor e a tristeza como o caminho para a verdadeira alegria.
Cristo fala aos discípulos sobre um dos maiores tabus e medos da atualidade: A dor e a tristeza da morte.
Quão maravilhosa a imagem trazida por ele: A mulher que em dores abre o portal para o ser espiritual que se encarna na Terra. Este feito transforma dor em alegria!¹

Novalis diz:

“Não poderia ter também acolá uma morte,
cujo resultado seria o nascimento terreno?
Quando morre um espírito, ele se torna ser humano.
Quando morre um ser humano, ele se torna espírito.”

Este é o mistério carregado pela mulher que dá a luz…
Urge lidarmos como o tabu da morte. Forças adversas têm grande interesse em nosso medo e dor da morte. Querem nos prender nesse estado. Cabe a nós, elevarmos esse tema à luz da consciência. Cabe a nós darmos a luz à verdadeira alegria no coração. Aquela que ninguém poderá nos tirar. Pois seremos nele, como Ele é em nós.

Viviane Trunkle

¹Fica a pergunta: Quem está guiando as mãos que causam violência obstétrica? Abuso que gera trauma turvando a alegria…

Reflexão para o domingo, 28 de junho

Época de João Batista
Referente ao Evangelho: Marcos 1, 1-12

“… e logo que saiu da água, viu os céus abertos”

João Batista introduzia as pessoas nas águas do rio Jordão. Este ato pode ser considerado como o início do próprio Cristianismo, pois a intenção era abrir, mudar, transformar a consciência daqueles que se submetiam a este procedimento, a fim de que se tornassem mais receptivos ao que (e a Quem) estava por vir. João conclamava o povo a fazer a experiência da “metanoia” (palavra grega que significa mudança, transformação). O ato de mergulhar (também do grego “baptimós” = imersão) era em si o próprio batismo. A intenção de João era batizar, ou seja, submergir as pessoas nas águas do rio Jordão. Em algumas igrejas cristãs esta cerimônia de imersão é repetida até os dias de hoje. Tradicionalmente, em muitas vertentes do cristianismo, este ato se simplificou ao contato apenas da testa com uma pequena porção de água, em geral realizado na primeira fase da vida, pois ser batizado, muitas vezes foi entendido como ser acolhido na comunidade de Cristo, algo que deveria acontecer o mais cedo possível na biografia humana. O batismo sempre foi entendido, portanto, como um ato sacramental que não se repete na vida, pois ao ser batizado, o ser humano se introduz (ou foi introduzido) na corrente espiritual do próprio cristianismo que flui dentro do fluir da história da humanidade. Esta compreensão sobre o batismo se ancora na vivência de que este ato deixa uma marca profunda e duradoura na constituição do ser humano. Entretanto, nos tempos modernos, quando nossa maneira de ver a vida está bem mais orientada para as impressões que nos são dadas pelos sentidos, fica cada vez mais difícil observar ou perceber esta “marca”, pois é imperceptível exteriormente. Pode então surgir a pergunta: Uma vez “imersos/batizados” neste fluir espiritual, não poderia talvez ocorrer uma saída deste fluxo? E se chegarmos a sair do fluxo, é possível retornar a ele? Estas são perguntas importantes que todos nós deveríamos fazer, para que o profundo significado do batismo não se limite a algo nebuloso, obscuro ou apenas com importância tradicional na consciência do cristão moderno. Retornemos ao ato do batismo imersão original. Os Evangelhos não nos dão muita informação, contudo, é óbvio que todos que eram submersos nas águas, depois de um tempo emergiam.

“(…) e logo que saiu da água (…)”

Independentemente do tempo que João mantinha as pessoas dentro das águas do rio, o mais importante era o efeito sutil deste processo. Trata-se de uma forte experiência sensorial, sair do elemento terra, que nos dá sustentabilidade e equilíbrio, onde nos sentimos firmes e confiantes, e entrar no aquoso. Ali “perdemos o chão”, desaparecem muitos pontos de apoio conhecidos. Debaixo d’água, estamos também privados de outro elemento: o ar.  Para submergir é preciso levar “certa reserva” de ar nos pulmões. Submergir, portanto, significa deixar o mundo conhecido, entrar em contato com um elemento onde regem outras forças, além de ser necessário levar consigo uma reserva, “um hálito” daquilo que conhecemos no mundo onde nos acostumamos a viver. Se transportamos tudo isto para  uma vivência anímico espiritual, poder-se-ia então dizer, que a principal intenção do Batista, era, por meio deste batismo na água, ajudar a alma humana a deixar o terreno firme das vivências que se apoiam exclusivamente no seguro terreno sensorial, para que ela pudesse então adentrar noutro elemento, que possui leis e regras próprias, onde num primeiro momento os pontos de apoio e referência conhecidos desvanecem.  Para não “sucumbir” neste mundo diferente, é necessário levar um “hálito” do que conhecemos, pois do contrário não conseguiríamos permanecer ali. A cada noite nossa alma adentra neste elemento espiritual, contudo nossa consciência adormece e deixamos de ter a capacidade da lembrança do que vivenciamos por lá. O trabalho espiritual e religioso visa, em sua essência, nos capacitar com este “hálito”. Quanto mais, durante nossa vida em vigília, exercitemos adentrar os conteúdos espirituais com consciência, tanto maior será, com o tempo, nossa capacidade para permanecermos “imersos” e conscientes neste elemento do espírito.  Neste sentido poderíamos entender o batismo de João como um exercício, um treino, para o que estava por vir. O mais importante acontece num âmbito sutil da vida. Desta forma, na atualidade, poderíamos também dizer, que o batismo no sentido cristão moderno, não é um ato que termina no final da cerimônia, mas que o indivíduo, se assim o desejar, pouco a pouco vai aprendendo a exercitar e a repetir o batismo mergulho cada vez que adentra com consciência os conteúdos e as vivências espirituais.  O cristão moderno, pode se “batizar/imergir” repetidamente no fluxo espiritual de Cristo, em cada oração ou meditação de conteúdo cristão, em cada vivência sensorial espiritual do culto cristão. É necessário “mergulhar” cada vez de novo, no fluxo do espírito; do contrário, corre-se o risco de ficar apenas na “margem”, vendo o fluxo passar, mas sem conseguir alcançar uma experiência verdadeira. Se assim ocorresse, nosso cristianismo se tornaria pouco a pouco um discurso teórico.
Do mesmo modo que não é possível aprender a nadar, apenas com teoria, mas é necessário se atirar à água em algum momento. Assim também com a vivência do espírito. Tudo isto é um enorme desafio para a consciência moderna, apoiada quase que unicamente no seguro terreno das vivências sensórias!

“(…) e logo que saiu da água, viu os céus abertos (…)”

Entretanto, se algo disto faz sentido para nós, podemos com coragem mergulhar nesta “aventura” (no sentido literal: “aventura” provém do latim “advenire”, lançar-se ao que está por vir). Somente assim os “céus se abrem”, ou seja, os conteúdos espirituais se tornam realidade para a alma humana, pois se rasgam os véus que nos impedem hodiernamente vislumbrá-los de modo direto. João Batista continua sendo para nós a voz que nos encoraja a nos atirarmos à corrente do Espírito!

Renato Gomes

Reflexão sobre o Evangelho de João, 27 de junho

“Quando ele vier, acusará o mundo em relação ao pecado, à justiça e ao julgamento. Quanto ao pecado: eles não acreditaram em mim. Quanto à justiça: eu vou para o Pai, de modo que não mais me vereis. E quanto ao julgamento: o príncipe deste mundo já está condenado.
Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas não sois capazes de compreender agora. Quando ele vier, o Espírito da Verdade, vos guiará em toda a verdade. Ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo quanto tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu para vos anunciar.
Tudo que o Pai tem é meu. Por isso, eu vos disse que ele receberá do que é meu para vos anunciar.”

João, 16, 8-15

“O príncipe deste mundo já está condenado.” E nós? O que em nós está livre desta condenação? Grande parte das nossas preocupações e medos, mas também das nossas alegrias e prazeres chegará ao fim com a morte. Também os nossos tesouros materiais e intelectuais acabarão no final da vida. Eles não são eternos e são condenados como o príncipe deste mundo. Eles são do reino terrestre.
Porém, o mais íntimo do nosso ser é eterno. Esse ser espiritual prossegue de uma vida para outra. Ele não está condenado à morte e pertence aos reinos celestes. O que em nossa vida tem ligação com nosso ser espiritual, ganha um valor para a eternidade. Quando trabalhamos em nossa meta, em nossa tarefa aqui na Terra, estamos unidos ao nosso ser eterno. Nesses momentos atuamos no desenvolvimento próprio e da humanidade. Juntamos tesouros eternos que não vão acabar com a morte. Unidos à tarefa de nossa vida, podemos nos sentir também unidos ao Cristo, pois dele a recebemos.

Julian Rögge